As
lágrimas transportam o inominável que sentimos em nosso interior para o mundo
aqui fora. Poesia barata! Lembro que todos discutiam se o choro da Sinead O`Connor era verdadeiro ou mera simulação, no final do videoclipe de Nothing compares 2 U, mas as minhas
lágrimas, na primeira cena que fiz, devem ter levado os homens que a assistiram
ao êxtase oco da masturbação. Um carinha me disse que por meio da dor, sabia
que eu não estava simulando, estava sentindo algo, mal sabe ele o quê...
Beleza,
talvez seja o primeiro objetivo de toda mulher, ninguém que ser só aquela que é
vista como amiga, imagina se a Cinderela fosse feia, estaria condenada a
exploração da madrasta e das filhas dela. Mas quando se é bonita e pobre, isso
pode lhe trazer alguns problemas. Com 12 anos, eu tinha o corpo bem
desenvolvido, os caras de 16, 17 me olhavam, mexiam comigo, eu menina, não
sabia da maldade contida no querer, me sentia importante, pois os meninos da
minha escola eram bobos com aquelas brincadeiras de abaixar as calças uns dos
outros, jogar bolinhas de papel, entre outras pérolas. Um cara com cigarro na
boca, em cima de uma moto, no portão da escola, todas as meninas me invejavam, quando
nos viam conversando.
Um
mês depois de conversas, beijos e chocolates, no momento da entrada, ao invés
de degraus que me levariam para a aula de Português, eu subi na garupa do Tuta
(Até hoje não sei qual é o seu nome verdadeiro), nós fomos para a casa dele, já
tínhamos nos beijado, antes eu já tinha beijado três meninos da escola, mas com
ele era diferente, fiquei tonta, flutuando, ele me conduziu, deitamos na cama,
depois de um tempo, ele tirou a camiseta dele e suspendeu a minha, bateu uma
vergonha da nudez, mas prosseguimos até o inevitável, uma mescla entre prazer e
receio que os toques dele despertavam no meu corpo, dor, dor, seguida de uma
sensação que não sabia descrever.
Depois de uma semana sem aparecer, me derreti
quando o avistei de longe, caminhava com meu caderno, ele estava lá com sua
motocicleta, cigarro na boca, mas foi frio, só me deu um beijo no rosto, eu
esperava que ele pedisse para eu não entrar mais uma vez. Quando cheguei em
frente ao portão, ele estava falando com outra menina, eu segui em frente com
lágrimas nos olhos. Depois falei que estava passando mal, ligaram para minha
mãe que veio com raiva me buscar.
Meu
pai morreu quando eu tinha oito anos, mesmo jovem, minha mãe só encontrou um
novo companheiro, depois de seis anos de luto. Ele trazia doces para mim, minha
mãe voltou a sorrir, depois de seis meses de namoro, ele veio morar conosco.
Num sábado, minha mãe foi fazer hora extra, acordei com ele na minha cama, com uma
mão no meu sexo e o dedo indicador da outra em frente a sua boca, como uma
fotografia de enfermeira no hospital.
Depois
de quase um ano, resolvi contar para Dona Marisa o que seu marido fazia quando
estávamos sozinhos, depois de ouvir meu relato, ela disse que eu queria roubar
o homem dela. Fui embora, ou melhor, fui expulsa de casa, estava com 15 anos.
Passei alguns dias vagando pelas ruas, num deles, uma mulher me viu andando
pelo centro antigo de São Paulo, me pagou uma refeição, pediu para eu parar de
chorar, me olhou nos olhos e disse que iria me ajudar.
Ela
só não me contou o que eu teria que fazer para retribuir sua gentileza, como me
passou um tutorial de como me portar com os homens de gravata e pasta, em
carros bacanas que paravam naquela casa que parecia uma residência comum, lá eu
e outras três moças pagávamos nossa dívida com Madame.
Era
preciso encontrar uma cura para a dor, Emília e aquelas histórias que a
professora contava com o pó de pirim-pim-pim, viraram fileiras de cocaína, eu
mastigava com força o Visconde, Pedrinho, Narizinho e Tia Nastácia.
Recebi
um convite de um dos clientes para fazer um filme pornô, ele me disse que eu
poderia ganhar numa cena o que ganhava num mês inteiro. O sexo não tinha
mistério, no estúdio havia três caras, perguntei com qual eu contracenaria, o
diretor me disse que com todos, de uma só vez.
Eu
tinha chorado a madrugada inteira, um vazio imenso que não ia embora, me sentia
só no mundo, tinha que me virar, a grana estava lá, era só acionar o módulo
dormente e depois pegar o dinheiro, eu nunca tinha feito com aquela quantidade
de participantes, mesmo com lubrificante, estava sentindo muito dor, vinha
sentindo incômodo nos programas daquele mês. Comecei com um deles, depois veio
outro, eu disse que não estava aguentando, mas o diretor não pediu para que
parassem, pediu apenas que eu suportasse mais um pouco, o terceiro rapaz ficou
incomodado, também era novato no meio, não conseguiu ereção, de longe olhava
passivamente, meus gritos que culminaram nas lágrimas menos importantes do que
as da cantora irlandesa.
2 comentários
Violento, cru, doloroso, como a vida ou as lágrimas da cantora irlandesa.
Caraca Fernando, entrou a seco compadre. Texto maravilhoso, personagem denso e, infelizmente, a realidade de muitas garotas. Chorei junto.
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