Zero: A
proposta deste texto é a simples transcrição de trechos especialmente
selecionados a partir da releitura do livro “Alquimia da Mente” de Hermínio
Corrêa de Miranda, Terceira Edição, Editora 3 de Outubro, 2010. O livro eu
adquiri e li em dezembro de 2011, quando morava em São Carlos - SP. À época
foi-me uma leitura muito útil. Agora, às vésperas do primeiro equinócio de
2018, eu torno a revisitá-lo e decidi compartilhar destes fragmentos do livro
original, à medida que vou realizando a leitura. Este é, portanto, um processo dinâmico.
Entendam que ainda estou trabalhando no material enquanto ainda observam ao fim
do texto o Infinito. Espero fazer atualizações diárias, se assim for permitido.
Eu espero, um dia, chegar ao Fim.
Um: “Os
sentidos,” – lê-se em A Grande Síntese (p. 17) – “que muito bem vos servem para
os vossos objetivos imediatos, mal esfloram a superfície das coisas e essa
incapacidade deles para penetrar a essência vós a sentis.” E mais adiante: “A
utilização dos sentidos como instrumentos de pesquisa, embora com o auxílio de
meios apropriados, vos fará permanecer sempre na superfície, trancando-vos a
via do progresso.”
Dois: Não há,
pois, uma comprovação aceitável, do ponto de vista da ciência contemporânea,
para a doutrina ou teoria da reencarnação, menos ainda para a da sobrevivência
do ser e, muito menos que isso, para a imortalidade. Sem lamentar-se ou acusar
gente ou instituições científicas, Teilhard de Chardin limita-se a escrever, em
O Fenômeno Humano, o óbvio, que nem por isso deixa de ser contundente, ao
declarar que tais aspectos fazem parte de “um problema que a ciência decidiu
ignorar provisoriamente” (p. 43). Anteriormente (p. 10), lamentara da mesma
maneira educada a tendência do pesquisador “em não aceitar do homem, como
objetivo da ciência, senão o seu corpo”.
Três: É o
seguinte: este livro cuida de uma complexa temática, explora aspectos ainda
controvertidos da mente, busca apoios em numerosos autores antigos e mais
recentes e propõe algumas hipóteses que possam, eventualmente, contribuir para
melhor entendimento do ser humano como um todo e não apenas como um engenhoso
mecanismo cibernético no campo da biologia. O corpo físico precisa ser
transcendido – não ignorado ou abandonado – para que possamos alcançar contexto
mais amplo, onde vamos necessitar de informações que não se encontram nos
limites da matéria que o compõe. Em poucas palavras: precisamos da realidade
espiritual. Quer essa realidade seja tomada como crença, hipótese, teoria,
convicção, formulação mística ou o que seja; ela é exigida pelo modelo com o
qual temos de trabalhar, ou a discussão suscitada no livro não faria o menor
sentido.
Quatro: “Para
começar com uma definição para os termos: consciência e vida são idênticas,
dois nomes para uma só coisa quando considerada de dentro ou de fora. Não há
vida sem consciência: não há consciência sem vida” (p. 25). Já vimos, em
rápidas tomadas de seu texto, que Annie Besant identifica um componente psíquico
em qualquer partícula material, até mesmo na matéria considerada inerte. Apoio
para essa postura ela encontra nas pesquisas científicas do professor Chandra
Bose, de Calcutá, sobre a resposta ao estímulo por parte da chamada matéria
inorgânica. “Um germe de psiquismo” – lê-se em A Grande Síntese (p. 197) – “já
existe, conforme vimos, na complexa estrutura cinética dos motos vorticosos.” No
entender do autor desse livro, as condições para que a vida seja eventualmente
criada e daí passe a cuidar de sua própria expansão consciencial começa com um
movimento que envolve certas partículas em vórtices embrionariamente
individualizados. É a sua “teoria cinética da origem da vida” (p 162). Matéria
e espírito constituiriam, portanto, partes inseparáveis de uma “dualidade que
se manifesta no tempo e no espaço”, dado que uma não existe sem o outro.
Cinco: Por
outro lado, ao mesmo tempo em que a matéria mais densa constitui instrumento do
trabalho, ela nos mantém acorrentados ao contexto espaço-tempo para o
necessário aprendizado. A duração desse aprisionamento depende exclusivamente
do ritmo pessoal que cada um de nós imprime ao seu processo de maturação. “Essa
terra, discípulo, é a sala da tristeza” – lê-se em A Voz do Silêncio (tradução
de Helena Blavastky, para o inglês e desta para o português, por Fernando
Pessoa, Civilização Brasileira, 1969, Rio) – “onde existem, pelo caminho das
duras provações, armadilhas para prender o teu Eu na ilusão chamada ‘a grande
heresia’.” O universo objetivo é “a grande ilusão”, à qual se acopla a “ilusão
da personalidade”, ao passo que “a grande heresia” é a de que a alma – que os
espíritos conceituam como espírito encarnado – é algo separado do “Ser
universal, uno e infinito”. Por isso, escreve Besant (p. 31) que, ao nos
convencermos de nossa integração no todo, “a matéria não mais terá poder algum
sobre nós, dado que a contemplaremos como irrealidade que ela, de fato, é”.
Integração, contudo, é tradução inadequada para o termo inglês, oneness,
adjetivação de one, ou seja, o número um, a unidade, a unicidade. Mais uma vez
podemos ver a perfeita colocação de Cristo, ao declarar: “Eu e o Pai somos um”,
não para significar que ele também é Deus, igual a Deus, mas que em Deus ele
estava integrado. A matéria não exercia sobre ele nenhum poder residual,
nenhuma restrição sobre sua liberdade, nenhum fascínio sobre sua mente.
Seis: Esses
seres mais atentos ao processo evolutivo teriam, provavelmente, desenvolvido
melhor capacidade de manipular a matéria densa, sem se deixarem envolver e
paralisar por ela, ou fascinar pelas mordomias que ela proporciona. Mas por que
o engodo? – perguntaríamos. Por que não eliminar o processo evolutivo os ardis
e atrativos da matéria, a fim de que o ser espiritual adquira logo o
conhecimento de que necessita, sem comprometer-se inapelavelmente com ela? Não
creio que alguns de nós tenhamos procuração do Criador para responder a essa
questão. Não é difícil, contudo, imaginar as razões. Em primeiro lugar porque,
juntamente com as primeiras manifestações da consciência, veio o privilégio
responsável do livre-arbítrio, sem o qual a criatura não teria nem o mérito dos
seus acertos nem a responsabilidade dos seus erros. Em segundo lugar, porque a
dificuldade do aprendizado está sempre na razão direta da sua importância e
significado para qualquer ser vivo, mesmo porque a vida oferece crescente
complexidade para aquele que se apresenta disposto a decifrar os seus enigmas.
Ela não se nega a servir de objeto de aprendizado, pelo contrário se oferece a
isso, mas exige muito daquele que se aproxima para estudá-la.
Sete: A muito
comentada separação ou dualidade é meramente operacional, não em essência. Em
outras palavras, a parcela encarnada não se separa do todo, apenas fica imersa,
por uma ponta, num plano vibratório diferente, para não dizer inferior. O Dr.
Gustave Geley adverte para esse aspecto a fim de não se criar a imagem
incorreta da convivência de dois seres, duas personalidades, numa só entidade
espiritual em processo evolutivo. Eis por que tenho manifestado certo
desconforto com o termo inconsciente para caracterizar a atividade mental que
se põe fora do alcance da consciência de vigília. Entendo que qualquer
atividade mental tem de ser, necessariamente, consciente, mesmo em nível não
habitual de percepção.
Oito: Está
certo, pois, Aksakof quando distingue com nitidez uma consciência interior – a
que ele chama de alma individual – e outra exterior, que ele considera
sensorial e a Sra. Besant, cerebral. A rigor, portanto, não há áreas
inconscientes no ser humano. Ao contrário, até o campo da consciência pessoal
externa está sob o controle de outra consciência oculta, como um mecanismo
auxiliar que funciona acoplado à unidade central da consciência interior e sob
suas ordens programáticas. Paradoxalmente, contudo, a consciência externa
precisa dispor de margem de manobra para o exercício de seu livre arbítrio; do
contrário, não teria como aprender as lições que veio estudar, ao mergulhar na
matéria densa, a primeira das quais é saber decidir, ou seja, escolher,
escolher sempre, um caminho entre tantos outros, entre bem e mal. Não é, pois,
de admirar-se que, como o cavalo bravio e rebelde, a personalidade possa tomar
o freio nos dentes e praticamente emancipar-se da tutela silenciosa da
individualidade. Ela se vale do programa, que já está gravado na sua memória
operacional para fazer o que entende e não aquilo que a individualidade deseja
que seja feito. Há, portanto, nesse caso, um conflito de programações, ou, no
mínimo, de objetivos. A individualidade está interessada em objetivos a longo
prazo e quanto mais cedo chegar a eles, melhor, ao passo que a personalidade
prefere ficar brincando pelos caminhos, como assinala Besant, fixada no
imediatismo sedutor do prazer, fascinada pelo exercício de poder, embevecida na
contemplação narcisista de sua própria imagem, encantada com o seu falso brilho
social ou cultural. A essa altura a personalidade já se confundiu com o corpo
físico perecível, ao qual transfere todas as suas aspirações e do qual exige
todas as satisfações. Essas “criancices”, mais ou menos irresponsáveis, podem
consumir faixa larga de tempo, não só porque a personalidade deixou de realizar
o aprendizado e o conseqüente processo da maturação espiritual, como ainda cria
condições negativas que a retém no passado, obrigando-a a voltar sobre seus
passos, a fim de corrigir, reparar, reconstruir refazer aspectos que já poderiam
estar consolidados na experiência cumulativa de suas vivências, na carne ou
fora dela. Desnecessário, portanto, enfatizar a importância transcendental de
um conhecimento mais profundo da interface personalidade / individualidade,
consciência exterior / consciência interior.
Nove: A face
dita objetiva das coisas que nos cercam e que constituem o próprio corpo físico
de que somos dotados é uma projeção da realidade invisível que está dentro de
cada partícula material. “O atomismo” – insiste Chardin – “é uma propriedade
comum ao dentro e ao fora das coisas” (p. 39). No fundo, são uma só realidade,
com duas faces, uma externa, outra interna, duas manifestações vibratórias
diferentes da energia. “Ligar entre si de maneira coerente as duas energias do
corpo e da alma” – escreve ele (p. 43) – “eis um problema que a ciência decidiu
ignorar provisoriamente.” É bem verdade que o fenômeno da vida propriamente
dita “começa com a célula” – ensina ele, mais adiante (p. 63) –, mas o
psiquismo já estava na partícula, é da essência dela. Ele não hesita em
conceituar o dentro da partícula como consciência. Em nota de rodapé a essa
mesma página, esclarece que o termo consciência “é tomado na sua acepção mais
geral, para designar qualquer espécie de psiquismo, desde as formas mais
rudimentares de percepção interior que se possam conceber até ao fenômeno
humano do conhecimento reflexivo”. A célula é, portanto, uma partícula de vida
que, a seu ver, “mergulha quantitativamente e qualitativamente, no mundo dos
edifícios químicos”. Ela é o tijolo de toda essa arquitetura biológica. Embora
conservando sua individualidade, ela se entrega para que o organismo tenha a
sua vez, sacrificando-se, portanto, ao todo. E leva consigo, para onde quer que
vá, o seu conteúdo psíquico, através do qual mantém intercâmbio com o psiquismo
global do ser maior. Inicia-se com ela a grande jornada rumo à unicidade, à
total conscientização do universo, desde as primeiras colônias celulares que
começam a especializar-se nesta ou naquela função, até as comunidades
intergalácticas, passando pela família, pelas nações, as tribos, as
comunidades, os povos e os mundos. É “o esforço da matéria para se organizar”.
O mesmo conceito está consagrado em A Grande Síntese, na qual se lê (p. 77): “Toda
individualidade resulta de individualidades menores que, ao seu turno, são
agregados de outras individualidades ainda menores, até o infinito negativo, e
é, por sua vez, elemento constitutivo de individualidades maiores, até o
infinito positivo”.
Dez: Há,
portanto, um encadeamento inexorável, do átomo às galáxias, dos primeiros
ensaios do psiquismo até a superconsciência dos que já se fizeram um com a
Divindade. Trata-se, pois, de um projeto global de gigantescas proporções e
complexidades. Por isso, entende Chardin que a ciência marca passo neste
momento porque “os espíritos hesitam em reconhecer que há uma orientação
precisa e um eixo privilegiado de evolução” (p. 142). A progressiva
conscientização da vida é processo irreversível desse projeto cósmico. Para
isso, a vida mergulha tão fundo na matéria densa, como que buscando arrastá-la
consigo, aos mais elevados patamares evolutivos.
Onze: “O ser
humano” – ensina Besant, à página 115 – “é o microcosmo do universo e seu corpo
serve de campo evolutivo para miríades de consciências menos evoluídas do que
ele”. “Cada célula – reitera-se adiante (p. 204) – tem a sua pequenina
consciência” em permanente intercâmbio com todo o organismo. E mais: “Uma
consciência coletiva mais elevada lhe dirige o funcionamento”. De outra
maneira, a mente central do ser não teria como gerir o complexo celular que lhe
serve de corpo físico.
Doze: Há,
contudo, outras implicações de considerável importância na visão da Dra.
Besant. A primeira delas é a de que toda a criação está, mais do que ligada,
contida no âmbito da consciência divina, dado que há uma impossibilidade
filosófica de existir alguma coisa que não tenha sido criada pela Inteligência
Suprema e que nela exista e se movimente, como intuiu Paulo de Tarso. André
Luiz compara a humanidade a “peixes num oceano” de energia cósmica luminosa.
Isso nos leva à conclusão de que a conscientização progressiva de que todos
esses autores nos falam vai ampliando gradativamente em cada um de nós a
capacidade de acessar e expressar a realidade cósmica.
Treze: A autora
chama a atenção para o fato de que, no estágio evolutivo do animal, há “uma
atividade muito mais intensa de parte da consciência situada no plano astral, o
que resulta em mais poderosas vibrações, que passam para o duplo etérico do
animal, e daí suscitam a criação de um sistema nervoso”. Estaríamos, com esse
conceito, praticamente resgatando do esquecimento a debatida teoria lamarquiana,
segundo a qual a função – fator imponderável, certamente mental – cria o órgão,
ou seja, seu mecanismo de expressão. É precisamente isso que diz Besant, ao
informar que o trabalho construtor da consciência realiza-se no plano a que ela
denomina astral e que, posteriormente, se traduz no plano físico, “pelos
esforços da consciência em expressar-se” (p.118).
Quatorze: O
elemento primordial, que Emmanuel vê como “matéria amorfa e viscosa... celeiro
sagrado das sementes da vida”, a partir do protoplasma, como “embrião de todas
as organizações do globo terrestre” (A Caminho da Luz, p. 22), J. B. S.
Haldane, apud Lyall Watson, em Lifetide, p. 35 – caracteriza como uma espécie
de “sopa primeva” de moléculas, que funcionou como “berço da vida”. Para André
Luiz, em Evolução em Dois Mundos, a “sopa primeva” de Haldane é “plasma divino,
hausto do Criador ou força nervosa do Todo-Sábio”, e acrescenta: “Nesse
elemento primordial, vivem e vibram constelações e sóis, mundos e seres, como
peixes no oceano” (p. 19).
Quinze: “Os
cromossomos, estruturados em grânulos infinitesimais de natureza
fisiopsicossomática, partilham do corpo físico pelo núcleo da célula em que se
mantêm e do corpo espiritual pelo citoplasma em que se implantam”. Do que se
depreende que cada célula dispõe de seu próprio sistema de interface, no qual a
matéria está representada no núcleo e o espírito, no citoplasma.
Dezesseis: Mesmo
assim, há insights dignos de toda a atenção. Exemplo (p. 219): ao declarar o
protoplasma como elemento de ligação entre os átomos de um lado e o espírito,
de outro. André Luiz apenas modificaria o texto para fazê-lo dizer que a
ligação com os átomos, ainda que no âmbito da célula, é feita pelo núcleo,
ficando a cargo do citoplasma as “negociações” com a realidade espiritual. Seja
como for, ao referir-se à dicotomia matéria/espírito, Sinnott considera o
protoplasma essencial ao esquema de interpretação da realidade transcendente na
matéria. “A matéria viva – ensina (p. 132) – o protoplasma, base física da vida
– é o ponto onde os dois se encontram face a face”.
Dezessete: Enquanto
os antigos falavam da “alma da terra”, Lovelock desenvolveu nova abordagem na
sua engenhosa e criativa “hipótese Gaia”, termo este que foi buscar no grego
(ge = terra), segundo a qual o planeta em que vivemos é um organismo vivo, em
processo de homeostase (equilíbrio sistêmico). A terra dispõe de seus próprios
mecanismos de auto-regulagem, bastante perturbados hoje pela desastrada
interferência do que costumamos chamar de civilização. Como não poderia deixar
de ser, a humanidade integra, convive e interage com esse sistema, mas ainda
não está claro para a ciência qual o seu verdadeiro papel nele. Para uns, a
humanidade seria uma espécie de “vasto sistema nervoso, um cérebro global, no
qual cada um de nós seria uma célula individual” (The Global Brain, Peter
Russell, p. 31).
Dezoito: Ao
lamentar o equívoco de persistir a ciência “no encalço das... sensações” e,
portanto, “circunscrita como num cárcere”, menciona o autor espiritual de A
Grande Síntese (p. 23) aquela parte do nosso ser que se encontra “mergulhada na
treva”, ao passo que ele, autor, se acha “no outro pólo do ser, no extremo
oposto em que vos achais: vós, racionalistas, sois análise; eu, intuitivo
(contemplação, visão), sou síntese” (p. 27). Russell entende essa modalidade de
alienação como um modelo desenvolvido para abrigar o conceito de que somos
seres “encapsulados na pele”, em vez de entender “a unidade de toda a criação”
(p. 151). Willis Harman, apud Peter Russell, prega uma nova “revolução copernicana”
na visão filosófica, com o objetivo de “inverter o modelo egocêntrico” em
proveito de uma órbita em torno do “ser puro”. Por isso diz o autor espiritual
de A Grande Síntese que o modelo de raciocínio lógico-dedutivo está esgotado e,
portanto, estéril, ao passo que se desenha a etapa criativa da intuição. Isso
não significa que a individualidade aniquilaria, por sufocação, a
personalidade, mas certamente a poria no seu devido lugar, mudando radicalmente
o enfoque do ser perante a vida e o universo, preservando, dentro de bem
definidos limites, a autonomia desta última para atuar no contexto que lhe é
próprio, ou seja, no plano da matéria densa, segundo um racional (este sim)
modelo de “hierarquia das necessidades”, como conceituado por Abraham Maslow,
apud Russell (p. 204). Só então, assumindo o comando da situação, a
individualidade poderá trazer para a personalidade e para o mundo como um todo a
sua contribuição de conhecimento... A partir desse ponto evolutivo, teremos
condição de não apenas entender o universo como um todo, mas estaremos
conscientes de que cada um de nós tem acesso a esse todo, somos esse todo.
Dezenove: Consultado
a despeito desses e de outros aspectos da pesquisa de Backster, o Dr. Howard
Miller, de New Jersey opinou no sentido de que há uma espécie de “consciência
celular” comum a todas as manifestações da vida. Rogo ao leitor que se lembre
bem dessa hipótese, porque a retomaremos mais adiante, tentando demonstrar a
realidade desse mecanismo de comunicação universal, que de muitos milênios
antecedeu a invenção da palavra falada, a partir, primeiro de gestos e posturas
corporais, e depois, de grunhidos, gemidos, exclamações, para chegar-se ao
patamar da palavra falada, e, ainda mais tarde, ao pictograma e, finalmente, à
escrita, por meio de uma quarta ou quinta geração de símbolos... O trabalho de
Backster sugere a existência de “uma forma primária de comunicação instantânea
entre todas as coisas vivas e que transcende as leis físicas conhecidas”. Mais
que isso, porém, Tompkins e Bird (p. 27) acolhem a hipótese de que além de se
perceber “uma espécie de memória” em cada célula, é bem provável que o cérebro
seja apenas algo como um painel de controle, e “não necessariamente um órgão de
memorização”. Por mais desvairada que possa parecer, a hipótese me é simpática
e não difere substancialmente do conceito formulado pela Dra. Annie Besant,
como vimos, segundo a qual os eventos, mesmo aqueles que nós próprios vivemos, ficam
guardados na memória cósmica e não em nossos arquivos pessoais. Ou seja, nossa
história evolutiva se documenta naquela pequena “área” que cada um de nós ocupa
na imensidão do universo, ou então estaríamos nós e as nossas lembranças como
que fora da memória de Deus, hipótese incoerente com o princípio de que o
universo – holográfico, não nos esqueçamos – é um pensamento de Deus.
Vinte: Poderíamos
dizer a coisa de outra maneira, ao propor que, mesmo nos seres vivos mais
rudimentares como as plantas, funcionam terminais de uma central única de
processamento à qual todos têm um nível de acesso compatível com a sua potência
mental específica. Há, portanto, em cada célula um programa que lhe permite não
apenas trabalhar articuladamente com as demais de qualquer comunidade celular,
como acessar o mínimo de informação que lhe permita desempenhar sua tarefa na
imensa orquestração cósmica.
Vinte e um: Por
isso tudo, diria dele (Dr. Chandra Bose), mais tarde, o veterano Times, de
Londres, que, enquanto na Europa ainda predominava um “rude empirismo de vida
bárbara”, vinha aquele sutil oriental ensinar que o universo é uma síntese e
que ele “via a unidade em todas as suas manifestações mutáveis” (p. 114).
Antecipando algumas décadas o conceito do universo holográfico, ele insistia em
dizer que “toda a natureza é pulsante de vida” e está pronta a revelar
incríveis segredos, bastando para isso que o homem aprenda a comunicar-se com
as inúmeras manifestações. Também ele achava, portanto, que “o que está embaixo
é igual ao que está acima”, e que a mais insignificante partícula é um retrato
vivo do cosmos, tanto quanto a célula traz em si mesma toda a programação
genética do ser cuja manifestação biológica ela integra.
Vinte e dois: “O
germe do psiquismo” – diz A Grande Síntese (p. 183) – “há descido do céu, como
um fulgor, às vísceras da matéria, que o apertou em seu seio, num amplexo
profundo, envolvendo-o, dando-lhe, tirado de si mesma, um corpo, uma veste, a
forma de sua manifestação concreta”. A Grande Síntese (p. 175) coloca a
“eletricidade globular” como “primeira organização de um sistema de vórtices,
com uma especialização embrionária de funções. Daí nascerá a primeira célula.”
Vinte e três: O
mesmo Hauschka, de quem vínhamos falando ainda há pouco, explica o aparente
paradoxo da homeopatia, segundo a qual, quanto mais diluídos os elementos
básicos utilizados na medicação, mais potente o efeito deles. Isso é coerente
com a sua hipótese de que a matéria é uma cristalização ou condensação de
energia cósmica e, portanto, quanto mais liberada do seu envolvimento ou
aprisionamento nas malhas materiais, mais poderosa se torna (p. 335). Ele vai
além disso, ao propor que parte do segredo de Hahnemann com a medicação
homeopática estaria no rigoroso processo de manipulação, dado que o ritmo
“matemático” da agitação por ele prescrita produziria o mesmo efeito que se
observa nos seres humanos que, em danças rítmicas, conseguem liberar o espírito
da prisão corporal (p. 335). Paracelso, como Hipócrates, antes dele, e como
Hahnemann, depois, propunha a doutrina das “semelhanças simpáticas”, ou seja,
certa sintonia vibracional entre plantas e seres humanos (ou animais) capaz de
restabelecer harmonias psicossomáticas e, em conseqüência, reverter um quadro
mórbido em saúde. Hahnemann redescobriu esse mesmo princípio, segundo o qual
“semelhante cura o semelhante”. Aliás, em comunicação mediúnica transmitida por
intermédio da Sra. W. Krell, em Bordeaux, em março de 1875, o criador da
homeopatia assinou-se Hahnemann, autrefois Paracelse, ou seja, identificou-se,
ele próprio, em encarnação precedente, como Paracelso.
Vinte e quatro:
Alguns dos seus princípios fundamentais (de Edward Bach) estão expostos em Heal
Thyself (Cure-se a si mesmo), publicado originariamente em 1931. Havia para ele
algumas verdades ignoradas, a primeira das quais informa que o ser humano é,
essencialmente, uma alma, centelha divina, “invencível e imortal”. A segunda, a
de que nos apresentamos no mundo como “personalidades, aqui colocadas com o
propósito de obter todo o conhecimento e experiência” disponíveis. A terceira
verdade é a de que o curto estágio na terra é apenas um período letivo em nossa
trajetória evolutiva. O quarto princípio diz respeito à interação
individualidade / personalidade. Se a relação for harmoniosa, seremos felizes
e, conseqüentemente, saudáveis; do contrário, cria-se um profundo conflito que
suscita a doença. O estabelecimento da saúde, portanto, consiste em realinhar
personalidade e individualidade. Outro conceito que, segundo ele, precisamos
ter sempre em mente é o da “unidade de todas as coisas” num contexto cósmico em
que o amor é o grande e único princípio criador universal. Suas intermináveis
meditações levaram-no à identificação de alguns sentimentos negativos como
principais responsáveis pela desarmonia a que costumamos chamar doenças. Um
deles, o primeiro, era o orgulho. Seguiam-se a crueldade, o ódio, a ignorância,
a instabilidade, a indecisão, a fraqueza de propósito e a ambição. Em muitos
desses estados mentais e emocionais, ele identificava uma atitude de “negação
de unidade de todas as coisas”. Na realidade, a causa básica de todas as
doenças era, a seu ver, o egoísmo que, em última análise, iria bater sempre no
seu princípio fundamental, o da desarmônica interação personalidade /
individualidade. Era preciso, portanto, substituir a lista de impulsos
negativos por outra de atitudes positivas vitalizadas pelo amor.
Vinte e cinco: De
início, chama atenção para o fato de que as características principais da
inteligência animal são comuns e que raras são as pessoas que não as tenham
observado. Habitualmente, contudo, não nos damos conta de que essas “humildes
manifestações representam sentimentos, associações de ideias, inferências e
deduções, ou seja, todo um esforço intelectual absolutamente humano”. Isso nos
leva a supor toda uma estrutura de conhecimento aos quais os animais ditos
irracionais têm acesso como nós temos. A dificuldade não estaria tanto em
acessar tais conhecimentos, que são universais e se encontram à disposição de
todos os seres vivos; o problema reside mais em comunicar aos demais seres
aquilo que cada um de nós – plantas, animais ou gente – encontrou nos livros imensos
e inescritos da vida cósmica. Maeterlinck parece pensar de maneira semelhante e
o expressa com elegância e precisão indesejáveis, ao dizer que os cavalos de
Karl Krall se encontram, em relação a outros animais, num plano onde estaria o
ser humano que conseguisse viver num nível subliminal elevado. Nesse ponto,
prossegue o autor, “a inteligência, que é a nossa letargia e que nos mantém
cativos, ao fundo de uma pequena concavidade de tempo e espaço, seria
substituída pela intuição ou, antes, por uma espécie de sabedoria imanente que,
sem esforço, nos faria partilhar de tudo o que sabe o universo que, talvez,
saiba tudo” (p. 241).
Vinte e seis:
Isso parece indicar que o hemisfério (cerebral) esquerdo, verbal, consciente, é
território onde se implantam as raízes da personalidade, dotada pelos
mecanismos da evolução para lidar com os problemas do dia-a-dia no lado
material da vida, entre os quais avulta, certamente, o da comunicação verbal
com os demais seres no ambiente em que vive. Ficaria, pois, o lado direito (do
cérebro), não verbal, espacial, dotado para a apreciação de aspectos imaterial
como a música e reservado para as tomadas da individualidade que, pela outra
ponta, estaria conectada com a realidade invisível, à qual tem acesso como se
demonstra com as experiências de visão cósmica. Considero incorreto, não
obstante, catalogar a atividade desenvolvida com apoio no lado direito como inconsciente.
Ela é tão consciente (ou mais) do que a que se desenrola à esquerda; o acesso
do pensamento dito consciente a ela é que é difícil. Não há dúvida, porém, de
que constituem as duas um todo operativo, entregues a uma interação que pode
não ser claramente percebida pela chamada consciência de vigília, mas que ali
está presente, atuante, consciente e responsável. Uma delas – a esquerda – se
ocupa do imediato, das coisas do mundo, da sobrevivência física do ser, ao
passo que a outra – a direita – está programada para as tarefas que promovem, a
longuíssimo prazo, os objetivos finais do processo evolutivo. Uma, portanto,
dedica-se à transitoriedade e outra à permanência, uma a estar, outra ao ser,
uma constitui o que os instrutores do Prof. Kardec caracterizavam como o
espírito; a outra é território da alma, ou seja, o ser encarnado. Aquela
continua como que pairando sobre a matéria, mergulhando nela apenas alguns
aspectos sensores instalados no corpo espiritual e, por conseguinte, no corpo
físico. Isso parece reiterar, como um toque de confirmação, a inteligente
observação de Maurice Maeterlinck de que o ser, como entidade espiritual, não
se encarna a não ser parcialmente.
Vinte e sete: Devemos
lembrar ainda que a ideia de espírito, em contraste com a de alma encarnada, é
entendida sob muitos rótulos diferentes, mantendo, contudo, as características
essenciais que estamos lidando aqui. Servem como rótulos para essa mesma
realidade essencial termos e expressões como overself, higher self, Cristo
interior, hóspede desconhecido, ego superior, inconsciente, individualidade e
outras. Predomina em toda essa terminologia o conceito de que se trata de uma
área do ser que se mantém acoplada ao cosmos e, por isso, a todos os demais
seres que povoam o universo. O fenômeno conhecido como de visão ou integração
cósmica seria, portanto, uma evidência a mais da participação de cada
individualidade no todo, não apenas com acesso – difícil, mas possível – ao
todo, do qual nunca se desliga. Podemos, ainda, encontrar aqui a gênese do
brilhante achado de que o Dr. Carl Gustav Jung identificou como inconsciente
coletivo, perdoável erro de rotulagem, mas, ainda assim, uma ideia genial, por
conceber o psiquismo de cada ser vivo como partícula da Inteligência Cósmica,
que também figura no pensamento humano com numerosas expressões que querem
dizer a mesma coisa. Disse, porém, que houve da parte do Dr. Jung um perdoável
erro de rotulagem. Explico-me, com o devido respeito pelo eminente sábio suíço.
Vejo o chamado inconsciente coletivo precisamente ao reverso, como consciente
coletivo ou cósmico. Só a personalidade – espírito encarnado – é que não tem
consciência dessa realidade, a não ser episodicamente e sob condições especiais
de sintonização com ele. Na verdade, todo o conhecimento e toda a memória do
universo estão lá, são da essência mesma da consciência cósmica, que A Grande
Síntese considera “pensamento de Deus”.
Vinte e oito: Insisto
em ver o hemisfério cerebral esquerdo como unidade central processadora da
personalidade, ao passo que o direito fica reservado à individualidade. Para
refrescar a memória, devo lembrar que o termo personalidade pode ser tido como
sinônimo de alma e que alma deve ser entendida como espírito encarnado. Para
ser mais preciso, poderemos admitir que a alma é a “área” da entidade
espiritual que se encontra mergulhada na carne, ao passo que a porção mais
nobre, se assim podemos nos expressar, ou seja, a individualidade, permanece,
como temos insistido, ligada às suas origens e ao seu ambiente cósmico, em
relativa liberdade.
Vinte e nove: Mais
do que isso, ainda, recentes especulações sobre os enigmas da função cerebral
pareciam autorizar a ideia de que o lado direito funciona como “uma câmara de
eco” para o esquerdo, ou, mais especificamente, como um supervisor, dado que
atua, no dizer de Smith, como “um modificador ou qualificador para a
personalidade esquerda”. De minha parte, acho que o autor empregou com
propriedade o termo personalidade, localizando-o à esquerda. Eu apenas
acrescentaria que, em lugar de outra personalidade à direita, o que temos aqui
é a individualidade, ou seja, o ser total, a entidade cósmica, o espírito. A
hipótese oferece, ainda, um bônus adicional, ao abrir espaço para os conceitos
freudianos de ego e superego, cabendo a este, como expressão da
individualidade, implantado do lado direito do cérebro, a função controladora
ou, pelo menos, crítica, sobre o ego (personalidade), sediado à esquerda, dado
que, de volta a Anthony Smith, encontramos o que ele chama de “metáfora
médica”, segundo a qual “é o lado direito que gera uma segunda opinião”,
certamente revisionista, quando discordante.
Trinta: Teremos
oportunidade de ver com o Dr. Gustave Geley que, a despeito dessa aparência de
dualidade, não há duas pessoas entre nós, uma para uso, digamos, externo, outra
internamente. Em Annie Besant encontramos a mesma advertência, no capítulo XII,
no qual estuda a natureza da memória. “Temos de ter sempre em mente o fato de
que a nossa consciência é uma unidade, e que essa unidade de consciência opera
em vários níveis, o que lhe confere uma falsa aparência de multiplicidade”.
Depois de lembrar que o Ser é um “fragmento do Universo”, a Dra. Besant
descreve com sua característica clareza que, ao chegar ao plano da matéria, a
consciência tem que se entregar às limitações impostas pelo corpo físico, ao
qual as informações e os estímulos do ambiente em que vive chegam-lhe pelo
sistema sensorial, ou seja, olhos, ouvidos, tato, paladar e olfato. Claro que
um vetor da consciência precisa estar permanentemente atento a esses aspectos,
mesmo porque não seria inteligente ocupar a consciência global nessa tarefa
limitadora. Este é o momento em que a autora vai buscar em Paulo de Tarso a
imagem literária de que necessita para marcar a sua visão do fenômeno. “Não há
memória a não ser a permanente consciência do Logos, no qual, literalmente,
vivemos e nos movemos e temos o nosso ser. Nossa memória se limita a
colocar-nos em contato com aquelas áreas da consciência d’Ele, das quais
tenhamos anteriormente partilhado” (p. 217).
Trinta e um:
Experiências pessoais e bem documentadas com a morte, fenômeno para o qual foi
cunhada a sigla NDE (near death experiences, experiências de morte iminente
que, em texto de minha autoria, propus chamar de “morte provisória”). Em alguns
desses casos, a pessoa vive o intenso processo de integração com o cosmos, ou
melhor, toma conhecimento de que é parte integrante de tudo aquilo que a cerca,
não apenas o que vê e percebe, mas também o que sente. O magno problema está
aqui em relatar a experiência. A pessoa fica como que a tatear no vazio por
palavras e expressões que traduzam razoavelmente as sensações que viveu
naqueles breves momentos de eternidade.
Trinta e dois: Alguém
que sofreu um esmagamento debaixo de um caminhão conseguiu explicar melhor o
que experimentou: Outra coisa que você percebe quando se vê na presença da luz
– depõe ele – é que você se encontra subitamente em comunicação com o
conhecimento absoluto. É difícil descrever, mas o melhor que posso dizer é que
você pensa numa pergunta e a resposta vem imediatamente, É simplesmente isso.
Pode ser a respeito de qualquer coisa, mesmo sobre assunto do qual você não
sabe nada. É possível que você nem entenda a informação recebida, mas a
resposta é instantânea e você perceberá imediatamente o significado dela. Basta
formular uma ideia acerca do que você quer saber que a resposta correta será
prontamente recebida. É tão estranho que só posso compará-la ao fato de você
ligar-se num computador e receber, em segundos, a resposta correta. Muitas das
minhas perguntas foram respondidas, algumas de natureza estritamente pessoal,
algumas que têm a ver segundo a qual a pessoa vive sua vida e suas
conseqüências, algumas sobre aspectos religiosos, tanto quanto certos detalhes
de eventos futuros (p. 118-119).
Trinta e três: Nas
experiências de visão cósmica, a personalidade se vê, de repente, diante de um
insuspeitado saber ao qual jamais teria acesso em sua condição normal. A
individualidade, por sua vez, por sua origem divina, participa de todo o
conhecimento, mas a ele vai acessando gradativamente, segundo seu grau de
adiantamento evolutivo, nunca atingindo, contudo, o conhecimento total,
infinito, que só a Divindade possui. Pelo mecanismo da encarnação, a
individualidade vai aprendendo a vencer as limitações da matéria e a dominá-la,
sendo cada vez mais ela própria, até que a personalidade não lhe constitua
empecilho à sua manifestação. Se assim não fosse, não haveria etapas evolutivas
a vencer e o próprio conceito de evolução não faria sentido. A individualidade
evolui; a personalidade, não – ela apenas revela parcialmente o grau evolutivo
daquela. Quando uma individualidade atinge o nível evolutivo do Cristo, por
exemplo, a matéria na qual se acha mergulhada a personalidade não oferece mais
nenhum obstáculo à expressão da individualidade – não representará mais
qualquer limitação. Neste ponto, a individualidade terá atingido a perfeita
união com a Divindade. Ao declarar que era um com o Pai, o Cristo caracterizou
sutil modalidade de relacionamento: estar em, sem ser, Deus. Assim como a
individualidade está na personalidade sem ser a personalidade, a
individualidade está em Deus sem ser Deus. Pode-se dizer, portanto, que as
individualidades são formas de expressão da Divindade.
Trinta e
quatro: Do que depreende que, em situações como essa, retido pelas limitações
da lógica e de sua capacidade de análise, o consciente (leia-se personalidade)
tem de ceder lugar ao procedimento intuitivo e não-verbal sediado no hemisfério
direito, de onde opera a individualidade. “Nossa mente consciente” – ensina
Snow – “e sua maneira lógica e analítica de pensar, aparentemente filtrada
através do hemisfério esquerdo do córtex cerebral, naturalmente resiste à
intrusão do tempo não-linear ou da atemporalidade em nossa percepção mental.
Não obstante, tais conceitos, facilmente aceitáveis como reais, parecem
constituir condição normal de operação para outros níveis mentais – ou
acessíveis através do hemisfério cerebral direito, quando experimentamos os
chamados estados alterados de consciência” (p. 5). Acha mesmo Snow, como vimos,
que tendemos a aceitar melhor o processo de reavaliação do passado porque
“acreditamos que ele já aconteceu”. O Dr. Snow considera inexistente a
categoria tempo linear, ou seja, não há passado, presente e futuro, mas uma só
realidade atemporal. Dentro dessa mesma conceituação, entendemos por que Larry
Dossey (em Reencontro com a Alma) insiste, e amplia sua concepção de que a
mente é uma categoria “não localizada”, além de tempo e espaço, Aproveito a
oportunidade para propor uma correção, mais de forma do que de fundo nessa
observação: não-localizada, sim, mas em termos espirituais, dado que a função
mental correspondente está sediada no hemisfério direito, a cargo da
individualidade. A personalidade, contudo, com suas raízes e sensores no
hemisfério esquerdo, precisa estar ancorada nas categorias de tempo linear,
espaço, lógica e limitações lingüísticas, sem o que não poderia cumprir as
tarefas para as quais é programada em cada existência do lado de cá da vida.
Talvez, por isso, tenha dito Meister Eckhart, apud Dossey, que “não há maior
obstáculo à união com Deus do que o tempo”.
Trinta e cinco:
Uma vez alcançado o nível desejado de relaxamento – não necessariamente o de
hipnose profunda – a Dra. Wambach sugere aos seus pacientes que eles próprios
se ponham em estado alfa, autoinduzindo-se um ritmo de cinco ciclos por segundo
na atividade cerebral. Vejamos como ela descreve o que ocorre, nesse ponto:
“Quando as mandíbulas se relaxam, o aparelho fonador também se relaxa. Com os
centros de fala relaxados, meus pacientes parecem transferir-se dos centros
cerebrais da fala – o lobo temporal, à esquerda do cérebro – para outras áreas
de interesse, deslocando-se para o hemisfério direito, onde sonhos, aspirações
artísticas e intuições científicas parecem ter suas origens”. Ante o silêncio
temporário do hemisfério esquerdo, o direito assume o controle ou, pelo menos,
consegue entender-se melhor com a parte do ser que se encontra implantada à
esquerda. É o momento a partir do qual a doutora começa a formular suas perguntas.
Trinta e seis: Há,
portanto, à direita, um diferente conceito de racionalidade e não um estado de
irracionalidade, simplesmente porque as coisas se passam numa área psíquica
fora do alcance da consciência de vigília.
Trinta e sete: “Na
verdade, como os místicos têm atestado durante milênios, nos seus mais
profundos níveis, a mente perde contato com a realidade espaço / tempo e flutua
em estado de pura felicidade não-material, além de quaisquer limitações físicas
ou temporais”. Também o Dr. Snow chama a atenção para a resistência que a área
analítica da mente – implantada a esquerda do cérebro – oferece ao que ele
caracteriza como “intrusão do tempo não-linear ou atemporalidade em nossa
função mental”. Não obstante, essa atemporalidade constituiria “normalidade
operacional” em outros planos mentais somente acessíveis ao hemisfério direito.
Acha, ainda, o Dr. Snow que esse mecanismo funciona tanto nos processos de
regressão de memória (ida ao passado), como nos de progressão (ida ao futuro).
Isso nos remete de volta a Annie Besant, ao ensinar, em A Study in
Consciousness (p. 227), que o problema não reside na onipresença e
imutabilidade da vida, mas “em nossos veículos” de manifestação. Daí a proposta
de Snow, segundo a qual a mente consciente consegue “aceitar mais facilmente a
ideia de relembrar o passado porque acreditamos que ele já aconteceu”. É o que
realmente parece ocorrer. Como contornar o “racionalismo” do ser consciente,
ancorado no hemisfério esquerdo, quando, para o direito, passado, presente e
futuro parecem constituir uma só e simultânea realidade? Ainda há pouco
considerávamos a perplexidade do Dr. Jung com a impactante ideia da
atemporalidade. “Como representar” – pergunta-se Jung – “que vivi o ontem, o
hoje e o amanhã?”
Trinta e oito:
Daí o fascínio do ser humano em tentar decifrar o futuro pela predição. Além
disso – prossegue –, em razão da especialização funcional da mente em
hemisférios com diferentes concepções e tarefas, “dispomos de duas maneiras
fundamentalmente diferentes de expressar conscientemente o que nossa mente
sabe”. O que ele diz a seguir me parece importante demais para ser apenas
parafraseado. É imperioso traduzir o trecho: “Assim, ou desenvolvemos os
sistemas imaginativos e profético no cérebro direito para nos dizer o que nos
reserva o futuro, ou instalamos um processo ‘esquerdo’ de coletar, organizar e
comparar tantas informações sensoriais passadas e presentes quanto possíveis, a
fim de tentar predizer os eventos a partir de uma correlação de dados. Chamamos,
hoje, a primeira delas predição ‘psíquica’ (ou seja, mediúnica) e a segunda,
‘projeção’ (forecasting). Elas têm tido diferentes nomes no passado, mas tudo
se reduz a uma diferença básica, ou seja, que parte do cérebro estamos
primariamente recorrendo em busca de respostas” (p. 34).
Trinta e nove: A
Dra. Wambach, por exemplo, inferiu de suas pesquisas que, de certa forma, o
hemisfério direito, por mais silencioso e desligado que pareça da realidade
ambiental do ser encarnado, revela insuspeitada liderança e exerce nítida
autoridade sobre o esquerdo. O que nada tem de surpreendente, aliás, porque a
individualidade realmente supervisiona a distância – não muito distante! – tudo
o que se passa na personalidade. Como diz o Dr. Jung, o inconsciente é
muitíssimo mais amplo, sábio e rico de informações do que o consciente, que se
restringe aos dispositivos estritamente necessários para gerenciar a vida
terrena.
Quarenta: A
imagem da máscara (persona) é, pois, de uma precisão irretocável. A
individualidade a põe para representar o papel que lhe cabe na vida, tal como
os antigos atores a colocavam para viver as personagens que lhes eram
atribuídas. Num caso como no outro, a personalidade é uma condição transitória,
quase diria postiça, ao passo que, mesmo mascarada, a individualidade
preserva-se na permanência, no eterno e, certamente, no comando, na liderança.
Uma “é”, a outra “está”, e, por algum tempo, a que está no palco se mantém
consciente e gesticula, e fala, e ri, e chora, tudo dentro do papel que lhe é
atribuído.
Quarenta e um: “Opero
a fusão entre as duas metades do pensamento humano” – lê-se em A Grande Síntese
(p. 113) –, “até agora separadas e inimigas, entre o oriente, sintético,
simbólico e sonhador, e o ocidente, analítico e realista.” E, mais adiante (p.
116): “Fé e ciência, intuição e razão, oriente e ocidente, se completam, quais
termos complementares, quais duas metades do pensamento humano”.
Quarenta e
dois: Nesse ponto da sua exposição, Watson nos passa uma preciosa informação do
Dr. D’Aquili que se encaixa no que estamos aqui a debater. É o seguinte: como
cada hemisfério tem sua própria maneira de se expressar, as mensagens do
direito para o esquerdo têm de passar por um processo de tradução, ou melhor,
de verbalização. Num caso típico de comunicação por meio do corpo caloso, o
direito, no exemplo sugerido por D’Aquili, vê a presença de Deus num belo pôr
do sol, mas a ideia é “muito vaga e metafísica” para o gosto do esquerdo, que
se limita, algo desajeitado, a comentar as cores pintadas no horizonte. Quando,
porém, entra em ação o componente emocional, a comunicação entre os dois
hemisférios parece ignorar a ligação habitual e se utiliza do sistema límbico
(a passagem secreta do sonho) e vai direto ao lado esquerdo, produzindo a
experiência transcendente (p. 112). Watson traz para o âmbito da discussão o
Dr. Andre Weil, caracterizado como “um médico livre-pensador” que considera
esse tipo de bypass essencial à visão de “mundo sem os filtros nos seus lugares
habituais”.
Quarenta e
três: Eu diria que o estado de percepção transcendental se torna viável quando
conseguimos separar personalidade de individualidade, ou melhor, fazemos
silenciar o lado esquerdo, na sua infatigável tagarelice, a fim de poder
“ouvir” a linguagem silenciosa e não-verbal que circula pelo hemisfério
direito. Daí porque todo processo de meditação que se preze começa com o
exercício de “esvaziar” a mente, ou seja, fazer calar o pensamento consciente e
os sentidos. Não é que se interrompa a comunicação entre um hemisfério e outro;
o que acontece é que a personalidade e a individualidade se entendem, em tais
circunstâncias, não mais pelo corpo caloso, mas pela conexão límbica, que
funcionaria como uma passagem secreta através da qual o ser humano como que se
encontra consigo mesmo, integrando personalidade e individualidade.
Quarenta e
quatro: Se a estrutura cerebral fosse excessiva e, portanto, ociosa e
desnecessária, ela própria estaria condenada a minguar e não a expandir-se em
ritmo que nenhum outro dispositivo biológico pode imitar. Na realidade, o que
me parece é que estamos avaliando o cérebro como um todo apenas pela utilização
que lhe dá a personalidade, essa sim, interessada nos mecanismos de
sobrevivência física. Continuamos a ignorar como a individualidade opera e a
parte que lhe toca e que “espaço” ocupa no edifício cerebral. As
extraordinárias amplitudes do inconsciente, em confronto com a exíguas
“dimensões”e capacidades conscientes, estão a indicar, por si mesmas, a razão
da constante expansão cerebral, de vez que a cada existência terrena que se
encerra todo o material acumulado passará automaticamente para o inconsciente
na existência subseqüente a fim de abrir espaço para as novas experiências.
Quarenta e
cinco: “No princípio, havia o movimento (p. 139) e o movimento se encontrou na
matéria; da matéria nasceu a energia; da energia, emergirá o espírito”. “Um
germe de psiquismo (p. 197) já existe, conforme vimos, na complexa estrutura
cinética dos motos vorticosos”. Talvez a tarefa de cada ser inteligente, na sua
condição de co-criador, seja a de vir para esta dimensão a fim de recolher
tantas partículas de inteligência quanto possíveis de toda essa incalculável
quantidade delas que ainda estão adormecidas na matéria, à espera de que alguém
venha buscá-las para a glória suprema da consciência. Estavam certos, portanto,
os gnósticos que consideravam a vida na carne como exílio, esquecimento, estado
de embriaguez semelhante ao da morte. Vivo era o ser redimido, reintegrado não
propriamente em Deus, dado que nunca nos desligamos totalmente dele. Por mais
estranho que possa isso parecer, o que nos separa de Deus não é o estado de inconsciência
que atribuímos a tudo quanto se passa no âmbito da individualidade, e que, no
corpo físico, localiza-se no hemisfério direito; ao contrário, é precisamente
aquilo que chamamos de consciência, ou seja, o pólo do ser que se acha restrito
à personalidade e, portanto, o hemisfério esquerdo, que nos limita de tal
maneira a visão cósmica que nos põe como que separados de Deus.
Quarenta e
seis: Em Space, Time and Medicine, o Dr. Larry Dossey propõe a hipótese de que
o cérebro seja um holograma. Como sabe o leitor, por mais diminuta que seja a
partícula de um holograma, ela é sempre uma integral réplica do todo. Isso quer
dizer que cada um de nós, como “princípio inteligente individualizado”, é um
microcosmo integrado no macrocosmo, ao mesmo tempo em que preservamos a nossa
condição de indivíduos. Mais: este paradoxal conceito revela que somos, ao
mesmo tempo, a partícula e o todo. Aliás, o módulo do livro em que Dossey trata
desse aspecto abre com uma citação de David Bohm, segundo o qual “todo o universo”
(com todas as suas “partículas”, inclusive as que constituem os seres humanos,
seus laboratórios, instrumentos de observação, etc.) “tem de ser entendido como
um único todo integral”. Estudá-lo analiticamente em suas pretensas partes não
faz sentido. Portanto, mesmo ao tomarmos a partícula holográfica do ser humano,
temos de estar conscientes que estamos diante do cosmos, do todo, do
indivisível. A antiga sabedoria ocultista dizia isso mesmo, ensinando: “o que
está em cima está também em baixo”. Em outras palavras, disse o Cristo que a
vontade de Deus é para ser feita “assim na terra como nos céus”, ou seja, por
toda parte, dado que o universo é um só pensamento e a lei cósmica uma só, para
tudo e todos.
Quarenta e
sete: “Sente-se diante do fato” – propõe T. H. Huxley (Dossey, II, p. 225) –
“como uma criança e esteja preparado para abrir mão de qualquer noção
preconcebida; siga humildemente para qualquer abismo a que a natureza o
conduzir, ou você não aprenderá coisa alguma”.
Quarenta e
oito: Dossey obteve declaração não menos importante de Einstein sobre como via
o ser humano no universo: “Um ser humano é parte limitada no tempo e no espaço
de um todo por nós chamado de ‘universo’. Ele tem pensamentos e sentimentos
como algo separado do restante – uma espécie de ilusão de ótica da consciência.
Essa ilusão é como uma prisão para nós, restringindo-nos a decisões pessoais e
ao afeto por algumas pessoas mais próximas. A tarefa que nos cabe é libertar a nós
mesmos dessa prisão, ampliando nosso círculo de compaixão para abraçar todas as
criaturas e toda a natureza em sua beleza”.
Quarenta e
nove: Uma vez desdobrado ou parcialmente separado do corpo físico, o ser
subconsciente denota conhecimentos obtidos “à revelia do ser consciente”, sem
trânsito obrigatório pelas vias sensoriais normais. Esta observação de Geley
antecipa, em cerca de meio século, importantes aspectos da futura
parapsicologia, a que o Prof. J. B. Rhine deu status de ciência acadêmica,
queiram ou não queiram seus detratores: o da percepção extrassensorial. Foi a
ESP (Extra Sensorial Perception), cientificamente demonstrada em severos testes
de laboratório, o que derrubou de uma vez para sempre o bimilenar postulado
aristotélico da indispensável participação dos sentidos na aquisição do
conhecimento. “Dentro desse esquema” – escreve Geley, p. 132 – “acha-se a noção
nítida de acontecimentos afastados, passados ou futuros, que o ser consciente
não pode aprender, nem direta nem indiretamente. No mesmo rol estão, sobretudo,
as aquisições psíquicas complexas, que não podem ser devidas ao ser consciente,
e por ele ignoradas: conhecimentos científicos, artísticos, literários,
profissionais, etc. nunca aprendidos; conhecimento preciso de um idioma
ignorado pelo sujeito normal, e assim por diante”. Do que se depreende que, uma
vez exteriorizado ou desdobrado, isto é, parcialmente livre da severa contenção
do corpo físico, o ser subconsciente tem acesso a uma dimensão em que até mesmo
tempo e espaço são transcendidos, o que explicaria também as faculdades
premonitórias ou francamente proféticas em pessoas especialmente dotadas. Entendo
essas faculdades e outras sensibilidades da mesma natureza como conseqüentes de
melhor sistema de comunicação entre consciente e inconsciente.
Cinquenta: Mesmo
com as reconhecidas dificuldades de comunicação entre consciente e
inconsciente, os dois “seres” se entendem e desenvolvem um procedimento de
colaboração, até que a morte do corpo físico venha romper o isolamento entre as
duas faces da individualidade. É nesse momento que ocorre o fenômeno que
caracterizei em A Memória e o Tempo como transcrição das memórias e dos
“programas” de uma área do psiquismo para outra, ou seja, o psiquismo
provisório da personalidade para o psiquismo definitivo da individualidade. É o
que também parece entender o Dr. Geley, que informa o seguinte: “A ruptura
total dos dois psiquismos, o que acontece na morte, deve devolver ao ser
subconsciente a utilização dessas faculdades e desses conhecimentos, utilização
essa tanto mais perfeita quanto mais desenvolvida a sua evolução”. A Grande
Síntese (p. 205) entende o fenômeno de maneira idêntica, ao ensinar que o
processo da assimilação está na “base do desenvolvimento da consciência” e “se
realiza precisamente por transmissão ao subconsciente, onde tudo se conserva,
ainda que esquecido, pronto a ressurgir, desde que uma excitação o desperte, um
fato o exija”. Segundo A Grande Síntese, o aprendizado vai-se acumulando na
memória para futura utilização automática. “Os dois pólos do ser (p. 19): consciência
exterior, clara, e consciência interior, latente, tendem a fundir-se. A
primeira experimenta, assimila e introduz na outra os produtos assimilados
através do movimento da vida; destilação de valores, automatismos, que serão os
instintos do futuro”.
Cinquenta e um:
“Toda a matéria” – confirma A Grande Síntese (48) –, “ainda mesmo a camada
bruta ou inerte, vive, sente e pode plasmar-se e obedece, desde que atingida
por uma ordem profunda”. Mecanismo idêntico funcionaria, segundo Geley, nos
fenômenos de materialização, nos fenômenos mediúnicos de efeito físico, que
também exigem um molde invisível segundo o qual entidades desencarnadas possam
reassumir, por breve tempo, suas formas físicas, às expensas de substância
tomada por empréstimo aos médiuns dotados de faculdades específicas para o
caso. “Sabe-se que diferentes observadores, Crookes e Richet, entre outros,
descreveram materializações completas. Não se trata de fantasmas, no sentido
próprio da palavra, mas de seres que dispõem, momentaneamente, de todas as
particularidades vitais dos seres vivos, cuja aparência corporal era perfeita”.
Cinquenta e
dois: Para ele, “ao lado e acima das causas admitidas pela natureza, há um
princípio superior ao que ele chama inconsciente, que constitui o que há de
essencial, de divino no universo, no qual se encontram potencialmente todo o
poder da vontade e o da representação”. Dentro desse quadro, portanto, tudo se
realiza por vontade do inconsciente, tanto no processo mesmo da evolução,
quanto na área circunscrita do indivíduo. “Na evolução, o inconsciente
desempenha papel primordial. A seleção natural não explica a origem das novas
formas, ela é apenas um meio através do qual o inconsciente se utiliza para
chegar aos seus objetivos. No indivíduo, o inconsciente desempenha papel
predominante junto aos fenômenos vitais. Ele tem em si a essência da vida, ele
forma o organismo e o mantém; repara seus danos internos e externos e guia com
finalidade específica seus movimentos” (p. 205).
Cinquenta e
três: Por isso, o Dr. Geley mostra-se convicto de que “a própria evolução, como
veremos, nada é senão sua própria passagem do inconsciente para o consciente”.
O que, de outra forma, confere com o pensamento de Teilhard de Chardin, segundo
o qual a vida é “imensa ramificação do psiquismo que se busca através da forma”
(O Fenômeno Humano). Depois de armado todo o cenário que acabamos de repassar,
o Dr. Geley expõe seus “dois postulados primordiais da filosofia” e que assim
estão redigidos: (1) O que há de essencial no universo e no indivíduo é um
dínamo-psiquismo único, primitivamente inconsciente, mas tendo em si todas as
potencialidades. As aparências diversas e as coisas inumeráveis não são mais
que representações suas. (2) O dínamo-psiquismo essencial e criador passa, pela
evolução, do inconsciente para o consciente.
Cinquenta e
quatro: O que confere com o dínamo-psiquismo do Dr. Geley, com a busca através
da forma, proposta por Chardin, com a evolução criadora de Bergson e com a
técnica cósmica de “intelectualizar a matéria”, como ensinaram os instrutores
espirituais do Dr. Rivail. Em suma, o ser vivo, tanto quanto o universo, são da
mesma essência única. A Grande Síntese não é estranha a esses conceitos; ao
contrário, os acolhe, ao definir o universo como “unidade orgânica em evolução”
(p. 112). Para acrescentar adiante (p. 296), que “o universo é organismo
monístico, que funciona sob o império de um princípio único”. Aliás, no início
da obra (p. 29), ficou dito que “como estrutura, o universo é um organismo, isto
é, um todo composto de partes reunidas, não ao acaso, mas com ordem, com
recíproca proporção”.
Cinquenta e
cinco: Por muito tempo vimos dividindo as coisas criadas em vivas e inertes, ou
seja, dotadas ou não dotadas de um componente psíquico. Ao que tudo indica,
essa postura está sendo, senão questionada, pelo menos reformulada em razão de
especulações e pesquisas mais recentes, como a hipótese Gaia, segundo a qual o
próprio planeta seria um ser vivo a interagir com aqueles que o povoam. Annie
Besant (capítulo VI, p. 105 e seg.), ao discorrer sobre a consciência como uma
só realidade cósmica, invoca o apoio científico do Prof. Jagadish Chandra Bose,
de Calcutá, que “provou definitivamente, que a chamada ‘matéria inorgânica’
responde a estímulos de maneira idêntica aos metais, vegetais, animais e –
tanto quanto se pode experimentar – o ser humano” (p. 109). É com apoios como
esse que a Dra. Besant se sente autorizada a declarar, à página 115 do seu
livro que: “O homem é o microcosmos do universo e seu corpo serve de campo
evolutivo para miríades de consciências menos desenvolvidas do que sua
própria”.
Cinquenta e
seis: Quanto ao mal, não teria mais que uma importância relativa, sendo sempre
reparável. Ele acha mesmo (I, p. 332) que o mal acaba sendo “o acompanhamento
inevitável do despertar da consciência”. A Grande Síntese prefere ver esse
conceito sob a ótica da dor como fator evolutivo, mas como a dor resulta,
invariavelmente, de nosso atrito com a lei cósmica – e isso é o que se chama
erro ou pecado – as posturas de Geley e as do autor espiritual de A Grande
Síntese são convergentes.
Cinquenta e
sete: De alguma forma ou de outra, em conflito intimo ou nos momentos de
serenidade e meditação – especialmente nesses –, ele se punha a observar ao que
chama “jogo alternado das personalidades número 1 e número 2”. Ressalva que
nada disso tem a ver com a famigerada dissociação de personalidade, sendo, ao
contrário, algo que “se desenrola em todo o indivíduo”. E prossegue (p. 52): “Em
primeiro lugar, são as religiões que sempre se dirigiram ao número 2, ao ‘homem
interior’. Em minha vida, o número 2 desempenhou o papel principal e sempre
experimentei dar livre curso àquilo que irrompia em mim, a partir do íntimo. O
número 2 é uma figura típica que só é sentida por poucas pessoas. A compreensão
consciente da maioria não é suficiente para perceber sua existência. Seja como
for, essa dicotomia íntima revelou-se muito cedo na vida de Jung, já que ele
informa, à página 66 da tradução brasileira, que o processo paralelo dentro do
qual o seu número 2 (a individualidade) se desenvolvia era secreto. Nos
intervalos, deixava que seu aspecto número 1 (a personalidade) lesse obras
inexpressivas, como romances ou os clássicos ingleses, em tradução, com “suas
explicações inúteis e enfadonhas do óbvio”. A partir de certa época, contudo,
“a personalidade número 1 começou a preponderar”, em prejuízo da sua
convivência com a de número 2, que ele caracteriza como aquela parte de si
mesmo que “pertencia aos séculos”. Para melhor entendimento das disparidades
dessa dicotomia, ele usa para o número 1 a expressão “homem velho”, que passou
a envolver-se cada vez mais com a rotina da vida terrena.
Cinquenta e
oito: A partir de certo ponto, a número 1 começa a preponderar, como diz Jung, simultaneamente
com a retirada para os bastidores da tutela da número 2, implantada, segundo
nossa hipótese, no hemisfério direito. A partir desse ponto, a individualidade
apenas acompanha as experimentações da personalidade, interfere em momentos mais
críticos, mas procura deixá-la tão livre quanto possível no exercício de seu
livre-arbítrio. Jung cuidou, por todos os meios ao seu alcance, de manter
condições favoráveis de acesso aos ricos arquivos e à experiência milenar da
número 2. Por isso, manteve-se atento ao fluxo de suas intuições, ao mesmo
tempo em que se abria para os grandes pensadores e filósofos do passado. Seu
psiquismo é por demais rico, seus interesses são amplos, suas intuições
abundantes e, logicamente, seus conflitos íntimos uma constante. Queixa-se
também da ansiedade do seu número 1 em livrar-se da “melancolia do número 2”.
Poderia, à primeira vista, tratar-se do desconforto que a individualidade
experimenta ao sentir-se contida pelas limitações que lhe impõe o acoplamento
obrigatório com a matéria, enquanto a personalidade aprende e se exercita no
uso do livre-arbítrio. Descobre, contudo, que em realidade, não é o número 2
que se sente deprimido, “e sim o número 1, quando se lembra do número 2”. Tudo
lhe constitui motivação para profundos insights.
Cinquenta e
nove: De repente, deu com o sentido da cifrada mensagem onírica e que se
traduzia no conceito de que “onde há uma vontade, há um caminho” (p. 160).
Embora atento à realidade de que o inconsciente recorre a imagens simbólicas, e
situações arquetípicas para transmitir o seu recado ao consciente, Jung parece
não distinguir bem o sonho da atividade de seu próprio ser em desdobramento ou
projeção, o que é mesmo difícil. É que, em ambas as situações, o inconsciente (
= individualidade = personalidade número 2) continua como interlocutor
não-verbal, recorrendo ao que os instrutores do Prof. Rivail caracterizaram
como “linguagem do pensamento”. A individualidade “fala”, portanto, de uma
dimensão onde imperam a permanência, o eterno, o imutável, a uma parcela de si
mesma que está mergulhada na transitoriedade, na qual a linguagem devidamente
articulada constitui instrumento indispensável ao processo de comunicação com
os demais seres que povoam o ambiente em que vive.
Sessenta: Não
me arrisco, neste ponto, a uma conclusão resolutiva (quanto ao sonho), mas
tenho uma hipótese a oferecer àqueles que, mais habilitados do que eu, desejem
testá-la. Penso que o recado inconsciente / consciente é elaborado mentalmente,
ou seja, é um conjunto de informações e ideias que se traduzem em imagens
dotadas de conteúdo ético, ainda que oculto, ao passo que a atividade em
desdobramento e projeção se reduz a uma vivência experimentada no plano da
realidade invisível. Pode até conter também uma imagem ou ensinamento, mas não
passa de monitoração do que fazemos na outra dimensão da vida, enquanto o corpo
dorme ou se encontra em estado de relaxamento.
Sessenta e um: Mais
adiante, à página 262, faz veemente declaração de confiança na tutela do
inconsciente, ao qual deve ser atribuída suficiente liberdade para evitar que
seja neutralizado pelos excessos da razão. “Quanto maior for o predomínio da
razão crítica – opina –, tanto mais nossa vida se empobrecerá” (p. 262). O
problema consiste em que não estamos suficientemente treinados e nem
convencidos de que devamos nos entregar com maior confiança à orientação do
inconsciente. Ao contrário, educados num contexto que se orgulha das convicções
e práticas ditas racionalistas, queremos tudo submetido não propriamente à razão,
mas aos critérios pessoais que elaboramos na construção de um modelo pessoal de
racionalidade.
Sessenta e
dois: Jung demonstrou, em numerosas oportunidades, a consciência de tal
dualismo. É o que se pode conferir, ainda uma vez, do relato de suas
experiências na África, dado que tudo para ele constituía motivação para o
aprendizado. “Transbordando de impressões e pensamentos, voltei a Túnis. Na
noite anterior ao nosso embarque para Marselha tive um sonho que, segundo meu
sentimento, representava a súmula dessa experiência; era o que eu desejava;
estava habituado a viver sempre, simultaneamente, em dois planos: um
consciente, que queria compreender – e não conseguia –, e o outro,
inconsciente, que desejava se exprimir – e só o fazia mediante o sonho.” Essa
observação de Jung tem tudo a ver com o que estamos tentando passar com este
livro. Não devemos perder de vista a realidade já percebida por muita gente de
que há uma perda de tempo precioso, em termos evolutivos, naquilo que poderemos
considerar como indiferença ou falta de atenção ao processo de interação entre consciente
e inconsciente.
Sessenta e
três: Mais enfático e preciso do que nesse ponto, ele reitera, à página 27,
que, “em proveito da estabilidade mental e até da saúde fisiológica, inconsciente
e consciente devem se manter integralmente acoplados e se movimentarem em
paralelo. Se ocorrer uma clivagem, ou ‘dissociação’, sobrevém distúrbios
psicológicos”. O leitor está sabendo que a dicotomia consciente / inconsciente
pode ser expressa com a mesma propriedade pela dicotomia personalidade /
individualidade. É pelo adequado entendimento entre essas duas facetas do ser
que passa a rota que leva aos elevados patamares evolutivos da perfeição.
Sessenta e
quatro: Lamentando mais uma vez a submissão do ser humano ao racionalismo
extremado e mal formulado, escreve, ainda, à página 91 que, “nossas vidas
atuais são dominadas pela deusa Razão, nossa maior e mais trágica ilusão”. Tão
fascinados vivemos pela razão e pelo falatório da “consciência subjetiva que
nos esquecemos do milenar fato de que Deus fala principalmente através dos
sonhos e das visões”. Por tudo isso, conclui ele, “temos estado obviamente tão
ocupados com o problema do que pensamos que nos esquecemos totalmente de
perguntar o que pensa de nós a psique inconsciente”.
Sessenta e
cinco: “Somente os limites da vossa consciência atual” – diz A Grande Síntese
(p. 83) – “é que não vos permitem reconhecer-vos, ‘sentir-vos’ uma roda da
imensa engrenagem, uma célula eterna, indestrutível, que concorre com o seu
labor para o funcionamento do grande organismo”. “Não vos isoleis no vosso
pequenino eu” – lê-se mais adiante (p. 123) – “nesse separatismo que vos limita
e aprisiona. Compreendei essa unidade, lançai-vos nessa unidade e vos tornareis
imensos”.
Sessenta e
seis: Por isso, adverte-nos sobre uma realidade sempre ignorada ou desatendida,
ao informar que sabemos das coisas que nos cercam “apenas o que os sentidos nos
dizem”. Nossa experiência é uma construção sensorial, opina, e “nunca chegamos à
verdade absoluta sobre as coisas, mas apenas naquilo em que elas afetam a
observação direta” (p. 18). Mais para o fim do livro (p. 352), ele voltará ao
tema específico dos sentidos para dizer que cada um deles nos mostra apenas um
corte de certos detalhes do espetáculo da vida, mas não tem condições de nos
oferecer uma experiência global em qualquer momento dado de tempo e espaço. Nas
instruções finais acerca de sua metodologia da meditação, ele ensina que é
indispensável ao aprendiz “fechar a porta dos sentidos ao mundo exterior” e
evitar que o pensamento fique a vagar, sem rumo, levado pelas fantasias do
momento. É necessário, insiste, “desfazer o trabalho dos cinco sentidos”, ou
seja, impedir que eles funcionem por algum tempo ou, então, você não conseguirá
mergulhar na sua própria intimidade, que, afinal de contas, é parte integrante
da mente universal. Brunton expressa esse mesmo conceito em diferentes
oportunidades e com palavras diversas, mas o conteúdo delas é o mesmo. Vejamos:
“A experiência humana” – lê-se à página 150 – “é o resíduo final de um processo
de interação, um tecido tramado de parceria com a mente comum, na qual todos os
seres humanos vivem e pensam e que vive e pensa neles. O próprio mundo resulta
de uma combinação da imaginação cósmica com a individual”.
Sessenta e
sete: O autor recorrera a um colega cientista, cujo nome não menciona, que
manifesta a seguinte e importantíssima opinião: “O crescimento e o
desenvolvimento de qualquer sistema vivo parecem controlados por alguém de
‘dentro do organismo’ a dirigir todo o processo da vida”. Esse “alguém” existe
de fato, como estamos vendo. É o “hóspede desconhecido” de Maurice Maeterlinck,
o “ser subconsciente” de Gustave Geley e de Gabriel Delanne, a “personalidade
2” de Carl Gustav Jung, o “hidden observer” (observador oculto) de Paul Brunton
(p. 140) e de Ernest Hilgard, da Universidade de Stanford, apud Lyall Watson,
em Beyond Supernature (I, p. 305), ou o espírito, na sua pura expressão, no
dizer dos instrutores do Prof. Rivail. Estou propondo, neste livro, que esse
ser consciente, responsável, lúcido e permanentemente ligado à mente cósmica,
tenha instalado no hemisfério cerebral direito seu posto de monitoração e
comando. É a individualidade que traz, nas suas próprias estruturas
espirituais, não apenas a vivência de todo um passado de experiências, como a
programação para cada nova existência que se inicia na carne. Uma vez colocados
na memória operacional da criança, no hemisfério esquerdo, os programas
necessários ao funcionamento da vida, ela se retira para o contexto que lhe é
próprio e, através de seus terminais no lobo direito, monitora a atividade que
a personalidade vai desenvolvendo.
Sessenta e
oito: Em Ensinamentos de Silvanus, por exemplo, está expressa a advertência
habitual, sobre o engodo da matéria, que atrai a pessoa para a treva quando a
luz se encontra a sua disposição, bebe a água suja, quando a limpa está ao seu
alcance, ignora o chamado da sabedoria e atende ao da insensatez. Não porque
assim o deseje a pessoa, mas porque “é a natureza animal dentro de você que o
faz”. Mais adiante, aconselha: “Viva de acordo com a mente. Não pense nas
coisas pertencentes à carne. Adquira força, pois a mente é forte”. Aconselhava-se,
portanto, e com muita ênfase, a viver mais à direita, aconchegado ao espírito
do que à esquerda, envolvido com a matéria. Para evitar excessos, contudo, o
Evangelho de Felipe propunha uma solução conciliatória, ao ensinar “não tema a
carne nem a ame. Se você a temer, ela o dominará. Se você a amar, ela o
engolirá e o paralisará”. Continuamos, pois, no âmbito daquele conceito
lembrado alhures, neste livro, segundo o qual a vida na carne deve fluir, tão
suavemente quanto possível, entre o transitório e o permanente, entre o ser e o
estar, e não entre o ser e o não-ser, como se questionava Hamlet.
Sessenta e
nove: Em The Crack in the Cosmic Egg, o autor se apresenta mais enfático do que
nunca. Para ele o “ovo cósmico”, mencionado no título, é “a soma total de
nossas noções sobre que coisa é o mundo”. De certa forma, vivemos
confortavelmente instalados nesse ambiente cultural, sem nos lembrarmos de que
o “ovo” é também “uma prisão, que inibe a imaginação e o impulso de explorar
novas ideias”. A postura de Pearce tem minha simpatia. Eu apenas diria que o
ovo não se quebra sozinho, como dizem os editores, ele precisa ser quebrado, e
mais, de dentro para fora. Se a ave não tomasse tal iniciativa, morreria na
casca sem ter nascido. Daí a gente identificar sempre certo componente de
inconformismo e até de rebeldia em muitos daqueles que realmente criam coisas e
abrem caminhos rumo ao futuro. “Vivemos tempos nos quais a concha, na qual nos
encerramos, não mais nos protege, mas sufoca e destrói”.
Setenta: “A
mente separa-se em duas, a porção à qual estamos continuamente atentos e que
constitui a pessoa observada e a porção que nos faz atentos ao fato de que há
uma pessoa que constitui a mente que observa”. Ou seja, há em nós uma parte da
mente, dita consciente, continuamente observada e outra, tida por inconsciente,
que observa. Para que isso funcione dessa maneira, dispomos do seguinte
esquema: (1) o corpo físico, (2) a consciência pessoal, que consiste em
impressões, pensamentos, desejos, imagens e tendências cármicas e, (3) o
observador impessoal, cuja presença é indiretamente revelada pela pessoa, da
mesma misteriosa maneira pela qual a presença de um campo magnético se revela
na movimentação da limalha de ferro. O eu total opera dentro desse contexto. “A
pessoa” – prossegue (p. 147) – “é apenas uma projeção do overself, como uma
figura onírica é a projeção da mente daquele que sonha. Não passa de uma
criatura dependente que se esqueceu de suas origens e imagina agora ser o eu
real”. Daí porque, somente após entender e superar essa fase de auto-ilusão,
poderemos alcançar a realidade que se situa atrás da personalidade, até atingir
a um ponto de otimização na trajetória evolutiva, na qual não há mais o
observado – personalidade – e o observador – individualidade –, mas o ser
total, consciente de sua integração e interação com a consciência cósmica. Esse
estágio, contudo, somente é atingido quando se dá “a passagem de nossa
personalidade inferior para a nossa mais elevada individualidade” (p. 183).
Setenta e um: Para
ele, o universo é coisa “viva e mental”, conceito que reitera mais adiante (p.
307). Mais que isso, é também consciente, e nem poderia deixar de sê-lo, de vez
que é pensamento de Deus, tanto quanto a criatura humana é a “individualização”
desse princípio universal inteligente. Mais que isso, ainda, nada existe senão
em Deus, cada galáxia e cada átomo. Daí porque Brunton, e o Dr. Gustave Geley
consideram a vida um contínuo processo de expansão da consciência (p. 308), uma
progressiva conscientização. Eis por que Brunton conta com a vitória final do
que identifica como “as forças do Bem” (p. 456). “Há um plano geral por trás do
universo. Podemos aninhar nossas vidas mansamente nele e encontrar, se o
desejarmos, uma felicidade digna de ser vivenciada, ou podemos nos opor ao
plano e sofrer inexoráveis conseqüências. Isso vale tanto para os indivíduos
como para os povos. Mas o espírito redentor do plano é imbatível”.
Setenta e dois:
Também na velha e lendária Suméria, Jaynes foi descobrir um provérbio que se
traduz mais ou menos assim: “Aja imediatamente, faça a felicidade do seu deus!”
Setenta e três:
Eu disse convicção. Este livro não foi concebido nem escrito para debater
problemas de fé ou crença, que continuam, como lhes compete, implantados no
território da teologia. Como venho reiterando em diferentes oportunidades, a fé
é precursora da convicção. Não que se torne, de repente, obsoleta e inútil – ao
contrário –, é que no patamar do conhecimento, ela abre os olhos, deixa de ser
cega e adquire as tonalidades e dimensões da certeza, transmutando-se de uma fé
que apenas crê naquela que sabe. Além do mais, examinamos aqui mesmo, neste
livro, evidências que apontam para três estágios de um só processo
ininterrupto: vida antes da vida, vida entre vidas e vida depois da vida, e,
portanto, vida sempre. O leitor e a leitora tem todo o meu respeito pelo
direito de duvidar ou discordar de tais formulações. “Tendes como sabedoria” –
diz o autor espiritual de A Grande Síntese (p. 16) – “a ignorância das altas
coisas do espírito... O limite sensório” – reitera adiante (p. 84) – “é
apertado e vos mantém, diante da realidade das coisas, num estado que poderia
chamar-se de constante alucinação”. E mais: “O relativo vos submerge, a
consciência que se apóia na síntese sensória é um horizonte circular, fechado”.
Setenta e
quatro: A julgar pelas informações de que dispomos em dissertações mediúnicas
confiáveis, parece intenso o intercâmbio extracorpóreo entre individualidades
encarnadas e desencarnadas, em contexto e dimensão nos quais a palavra é
dispensável, dado que o pensamento se comunica, como tenho dito, in natura.
Isto se torna possível porque o sono fisiológico comum e outras modalidades de
relaxamento corporal possibilitam o desdobramento temporário do corpo invisível
(perispírito). Nesse estado de relativa liberdade de ir e vir pela dimensão
espiritual, são freqüentes as oportunidades de entendimento com os seres
desencarnados que, por não disporem de corpo físico, já têm a personalidade da
mais recente encarnação absorvida pela individualidade e, portanto,
presumivelmente livres de suas interferências e limitações. Esse aspecto parece
confirmado em A Grande Síntese, onde se lê, à página 20, o seguinte:
“Indico-vos grandes descobertas que a ciência terá de realizar, sobretudo, a
das vibrações psíquicas, por meio das quais dado nos é a nós, espíritos sem
corpo, comunicar-nos com a parte que, em vós, é espírito, como nós”. É tão
importante essa informação que a entidade autora do livro diz estar oferecendo,
com ela, o nosso amanhã.
Setenta e
cinco: Esse mesmo tipo de dificuldade – de traduzir símbolos em palavras –
vimos enfrentado pelo Dr. Jung às voltas com os freqüentes sonhos que relatava
em seus escritos. Algumas dessas mensagens oníricas eram de tão vital relevância
para ele que a individualidade insistia em suscitar nele um esforço interpretativo
que o levasse, afinal, ao entendimento da informação cifrada. Por isso tudo é
de ressaltar-se a intuição de alguns pensadores (Maeterlinck, Freud, Jung, por
exemplo) que preconizaram melhor entrosamento entre consciente e inconsciente.
Setenta e seis:
Nas etapas mais avançadas do processo evolutivo, portanto, isso acontece a
partir do momento em que personalidade / individualidade, alma / espírito,
consciente / inconsciente começam a entenderem-se melhor, utilizando-se com
maior competência e sensibilidade dos dispositivos em operação no corpo físico
– os hemisférios direito e esquerdo, onde uma dialoga com a outra. A tendência,
como se percebe, é a de uma eventual integração da personalidade na
individualidade, equivalente à total conscientização do ser espiritual, como
preconiza o Dr. Geley, tanto quanto se lê em A Grande Síntese e que, afinal de
contas, era o que também desejava Maurice Maeterlinck.
Setenta e sete:
Estamos assim, ante a perspectiva de uma extinção da personalidade, ou seja,
uma expansão da consciência a ponto de que ela passe a ser uma com a
individualidade, sem mais separações ou dicotomias. Isso não é nada
surpreendente e nem preocupante, dado que constitui legítimo propósito da
evolução espiritual. Alcançado um elevado patamar evolutivo, o ser liberta-se
do ciclo das encarnações compulsórias, como já assinalavam os remotos místicos
orientais.
Setenta e oito:
Daí porque o escritor, o poeta, o compositor ou o artista plástico partem para
as suas criações do que se habituaram a considerar como inspiração. “Alguma
coisa” lhes diz, dentro de si mesmos, que eles têm algo a expressar, a criar ou
no qual se podem projetar, ainda que não se saiba precisamente o que seja isso.
No nebuloso território fronteiriço, torna-se difícil distinguir inspiração de
intuição, que parecem fundidas numa só atividade mental, empenhada em fazer
emergir no ambiente da personalidade aquilo que a individualidade elaborou: uma
dissertação, um poema, um quadro, uma sinfonia. Eis por que, ao iniciar a sua
tarefa de “materializar” do lado de cá o que é apenas uma criação mental do
“lado de lá” da consciência, a personalidade ainda não sabe ao certo como será
o produto acabado. Tem razão, pois, Ashbery, ao dizer que escreve para saber o
que será pensado. Colocado no contexto das propostas deste livro, sua
observação ficaria assim: “Minha personalidade escreve para saber o que pensa a
individualidade”.
Setenta e nove:
Poincaré descreve, com a precisão meticulosa do cientista acostumado a observar
os fenômenos, como chegou à formulação das equações fucsianas. Mozart fala de
uma condição ou estado onírico, semelhante ao do transe, por meio do qual já
encontrava como prontos, num só acorde, os achados musicais que lhe bastava
desdobrar posteriormente, em vigília. Simonton também se revela consciente
desse mecanismo que produz uma nova acomodação criativa a partir de noções
preexistentes, por meio de uma transposição ou permuta de “elementos mentais”
que povoam a mente e que a autora do artigo identifica como “imagens, frases,
lembranças fragmentárias, conceitos abstratos, sons, versos”. Simonton
aproveita o exemplo para caracterizar uma sutil diferença, ao propor que “os gênios
são gênios porque produzem mais combinações renovadoras do que os meramente
talentosos”. Seja como for, a evidência de um processo de elaboração
inconsciente parece uma constante ou, pelo menos, figura em vários depoimentos
reveladores. John Ashbery, por exemplo, informa não planejar seus escritos, declaração
que me lava a alma, pois eu pensava que isto seria um defeito de escritor
meramente intuitivo ou empírico como eu. É bom observar que você tem algo em
comum, por mais remoto que seja, com gênios como ele. Ele prefere deixar a
coisa fluir. Como não parte de um esquema preestabelecido, o que acaba obtendo
é sempre inesperado, mesmo para ele. Sua frase para descrever essa condição
precisa ser destacada para mais profundas meditações: “Escrevo para saber o que
estou pensando”. Há, portanto, para Ashbery um dispositivo mental algo
misterioso com o qual ele pensa. Para saber o que essa outra parte de si mesmo
está pensando, ele precisa escrever. Não é estupendo isso? Para dizer a mesma
coisa de outra maneira, é um processo pelo qual a individualidade fala ou
escreve à personalidade.
Oitenta: Se
entendermos a metáfora como um mecanismo de transposição simbólica – o que de
fato é – estaremos igualmente sintonizados com outra faixa de pensadores entre
os quais eu colocaria com merecido destaque o Dr. Carl Gustav Jung, assíduo
estudioso do simbolismo no rico intercâmbio secreto que se opera no âmbito da
natureza, ser humano nela incluído, claro, tanto quanto dentro do próprio
indivíduo. Na mesma matéria da Newsweek, aliás, é relembrada a curiosa
“vidência” introspectiva de Kekulé, em 1865, ao “sonhar” o modelo da molécula
de benzeno, figurada numa cobra mordendo a própria cauda. Mais um exemplo no
qual o inconsciente conversa com o consciente. Como o inconsciente não dispõe
de recursos verbais, a mensagem precisa ser desenhada metaforicamente. Não
seria, pois, o gênio – pergunto-me e ao leitor – aquela pessoa especial dotada
de competência e experiência suficientes para interpretar corretamente as
mensagens não-verbais do inconsciente? O segredo da genialidade estaria, pois,
neste aspecto do processo criativo, não apenas em estabelecer a presença de
mensagem simbólica, como em traduzir e explicitar verbalmente seu conteúdo
metafórico.
Oitenta e um: Há,
porém, traços comuns entre eles: todos eles gostam do que fazem. Mais do que
isso, Begley chama a atenção para um aspecto que me parece fundamental no
entendimento do mecanismo da genialidade: eles demonstram um “prazer infantil”,
seja pintando um quadro, compondo uma peça musical ou pesquisando uma nova
hipótese científica. Bem diz, portanto, Howard Gardner, ao declarar, segundo
Begley, que a criatividade do gênio tende “a retornar ao mundo conceptual da
infância”. Acho mesmo que essa observação tem profundidade e sentido mais
amplos do que Gardner tenha imaginado. Não apenas é necessário, na dinâmica
intelectual do gênio, viver num estado de encantamento perante aos fenômenos da
natureza, como a criança é propensa a formular perguntas, não as programadas e
esperadas, mas as inesperadas e aparentemente estapafúrdias ou fora de
contexto. Além disso, ainda, estou convencido de que a criança tem acesso às
fontes intuitivas, por não estar ainda mergulhada mais fundo nos instrumentos
inibidores da matéria densa que compõe o seu corpo físico. Em outras palavras:
a personalidade, ainda em formação, oferece espaço interior para que a
individualidade lidere o processo intelectual. Estamos sabendo, por tudo o que
vem sendo dito aqui, que a individualidade mantém as suas tomadas ligadas na
consciência cósmica, ao passo que a personalidade tem de se contentar com as
limitações que lhe impõe a matéria para conviver com elas. O jovem tende,
naturalmente, para certa inoclastia, ou, pelo menos, se mostra menos inibido ao
questionar aspectos cristalizados do conhecimento. Ele precisa ousar, ou não
conseguirá produzir a mágica de obter novas combinações renovadoras com os
elementos de que dispõe. Tanto mais criativos e inovadores serão os jovens e as
jovens, quanto melhor conservarem a capacidade infantil de se maravilhar com as
coisas, procurando explorar o mundo em que vieram nascer para surpreender seus
segredos e encantos.
Oitenta e dois:
Já é tempo de saberem, leitor e leitora, como e por que surge a alquimia num
livro que pretende oferecer umas tantas reflexões sobre consciente e
inconsciente, personalidade e individualidade, bem como sobre o encaixe de tais
aspectos do ser humano no contexto cósmico da evolução.
Oitenta e três:
É certo que Oman Amar al-Jahiz, falecido em 869, propôs uma hipótese,
semelhante à de seu compatriota al-Masudi, segundo a qual a vida seria um
processo de ascensão, “do mineral à planta, da planta ao animal, e do animal ao
ser humano”. O sábio al-Jahiz antecipa Teilhard de Chardin, quase que com as
mesmas palavras, em cerca de mil anos e ainda combina Chardin com o autor de A
Grande Síntese, para o qual o princípio inteligente ensaia seus primeiros
passos num movimento vorticoso, trabalhando com os “tijolos” fundamentais mais
leves da matéria: hidrogênio, carbono, nitrogênio e oxigênio – pesos atômicos
1, 12, 14 e 16, respectivamente – com os quais construirá, ao cabo de milênios
e milênios, as primeiras estruturas da matéria viva, nas plantas. Lyall Watson
(p. 176) vê a alquimia dotada de dois “braços” e usa para caracterizá-los
termos que fazem lembrar Teilhard de Chardin, um deles voltados para fora (o
“fora” das coisas) e outro “escondido e mais interessado num sistema
devocional”, ocupando-se do “dentro” das coisas. Para ele, “a transmutação
mundana dos metais era apenas simbólica da transformação do ser humano em algo
mais perfeito, por meio da exploração do potencial da natureza”.
Oitenta e
quatro: Na verdade, Jung, como lembra Watson (p. 176), “considerava a alquimia
mais como precursora da moderna psicologia do que da química moderna”. Para o
enciclopédico doutor suíço, ainda no dizer de Watson, “as raízes da psicologia
no inconsciente” estavam solidamente implantadas nos textos alquímicos, que ele
estudou diligentemente durante mais de uma década. O leitor poderá conferir
esse e outros aspectos do pensamento de Jung em Memórias, Sonhos, Reflexões,
livro imperdível para quem deseja uma visão lúcida dessas complexidades
ideológicas.
Oitenta e
cinco: O meio mais insistente de comunicação eram os sonhos. São numerosos,
constantes, pejados de sentido metafórico, enfeitados de simbolismos visuais ou
puramente mentais marcados por enigmas que lhe cumpria decifrar ou ser
devorado, como ameaçava a esfinge. Às vezes eram vozes mesmo, inaudíveis para
qualquer outra pessoa, mas articuladas e claramente percebidas por ele. Parece
que, em certos momentos de maior exaltação, em transe anímico, a
individualidade conseguia vencer as barreiras impostas à comunicação interna e,
literalmente, falar com a personalidade de Jung. Entre 1918 e 1920 tornou-se
claro para ele que “a meta do desenvolvimento psíquico é o Si-mesmo” (p. 174),
como resultante eventual de um diálogo aberto com o inconsciente. Era de lá que
vinham as orientações e a sabedoria acumulada durante suas pregressas
vivências. Entendeu que a aproximação àquela parte mais nobre e mais ampla de
si mesmo “não é linear, mas circular, isto sim, circum-ambulatória”. Atingira,
nesse estágio, “a expressão de si mesmo”, o que considerava uma nova mandala. Daí
em diante ficou claro o seu objetivo para a vida, como está dito mais adiante
(p. 182): “o de penetrar no segredo da personalidade”, que eu poria aqui como
desvendar o mecanismo do intercâmbio personalidade / individualidade.
Oitenta e seis:
Deve-se, ainda, assinalar que o texto chinês traz a informação de que “o
objetivo da alquimia... era o de produzir um corpo etérico conhecido como corpo
de diamante” (p. 414). Ponho aqui, mais uma vez, minha própria interpretação,
ao sugerir que isso corresponderia a uma total purificação da individualidade,
ao cabo de longuíssimo roteiro de aprendizado e correções de rumo, que passa,
necessariamente, pelos processos da natureza, como o diamante, carbono puro que
se cristaliza em um dramático processo de depuração pelo fogo a altíssimas
temperaturas. Segundo o relato de Wilson, a meta da purificação proposta pelo
tratado chinês é alcançada por “uma transferência dos nossos propósitos e
impulsos do ego para os domínios da pura impersonalidade”.
Oitenta e sete:
Entende-se, por isso, o quanto foi importante para Jung o encontro com a
alquimia. (Eu diria reencontro.) Ele identificou prontamente nas estruturas do
pensamento alquímico a simbologia que a caracterizava como um processo de
interpretação do universo, na dinâmica do qual mente e matéria interagem, mas é
a mente que comanda e impõe, ainda que pacientemente, suas diretrizes
evolutivas, desde que, como vimos em A Grande Síntese, começam os primeiros
ensaios nos chamados “motos vorticosos”.
Oitenta e oito:
No seu “Texto e comentários...”, Richard Wilhelm lembra, em consonância com
Jung, que “as designações alquímicas tornam-se símbolos de processos
psicológicos...” (p. 88) e que o ser humano “participa por sua natureza de todo
acontecimento cósmico e está entretecido a ele, interna e externamente” (p.
91), o que faz apresentar-se bipartido à vida, com “o pólo luminoso (yang) e o
pólo obscuro (yin)”. Como também o texto de Wilhelm encontra-se a disposição do
leitor brasileiro, na tradução referida na bibiliografia, passemos logo a O
Segredo da Flor de Ouro.
Oitenta e nove:
O livro chinês apresenta-se como um compacto de ensinamentos do mestre Liu Dsu,
que caracteriza o Tao como “ser uno, o espírito originário e único”que, ao
mergulhar na matéria, divide-se em dois. “Assim que o toque da individuação
entra no nascimento” – diz Liu Dsu (p. 99) – “o ser e a vida dividem-se em
dois”. Não que se separem para sempre os dois pólos, mesmo porque ficam lado a
lado, tendo entre eles o “campo de uma polegada da casa de um pé”. Ao que
parece é atuando sobre esse ponto que se pode obter a reunificação da
dualidade, mesmo ainda em vida terrena. A casa que mede um pé é tida como o
rosto da pessoa. Eu arriscaria dizer que é, antes, o crânio, já que o local
designado como de uma polegada é o espaço entre os olhos, precisamente onde se
acha o chamado “terceiro olho”. É ali, no dizer do livro, que “mora a
magnificência”, ou “a passagem escura”, pela qual o ser pode articular-se
lucidamente com “o verdadeiro ser... o espírito originário”. Fundindo e
misturando as duas metades do ser, “passaremos através do desfiladeiro”. O
texto chinês faz, portanto, uma clara distinção entre o que identifica como
“espírito originário” e o “espírito consciente”, o que, na terminologia dos
instrutores da codificação espírita, ficou sendo espírito e alma. A reunião do
que estava dividido se consegue por um movimento circular iniciado a partir da
aquietação dos sentidos. Trata-se, no meu entender, de uma interpenetração
esquerda / direita, alma / espírito, consciente / inconsciente. “Os olhos” –
informa o sábio (p. 101) – “impelem a luz ao movimento circular como dois
ministros, um à direita, outro à esquerda, apoiando o soberano com toda a sua
força”.
Noventa: Mais
do que isso, os chineses ensinavam que a felicidade suprema do Tao só poderia
ser alcançada quando a anima (espírito) subjugasse o animus (alma), mesmo
porque a natureza desta “é a do obscuro” em virtude de estar “presa ao coração
corpóreo e carnal” (p. 102). A “prática dessa alta magia” – informa-se mais
adiante – consiste, portanto, em “dirigir-se para o ponto em que o espírito
modelador ainda não se manifestou”, a um “estado isento de polaridade” (p.
121), ou seja, buscando retornar ao que a entidade era antes que a encarnação a
dividisse em duas. Como o texto chinês também usa imagem semelhante à da câmara
nupcial dos gnósticos, parece que a reunião das duas manifestações do ser seria
meta suprema e conceito comum às duas correntes de pensamento. “É como se homem
e mulher se unissem e houvesse uma concepção” – diz O Livro da Flor de Ouro (p.
105).
Noventa e um: “Mediante
a concentração dos pensamentos, podemos voar; mediante a concentração dos
apetites, caímos”. Se, portanto, em vez de trabalhar para elevar a alma ao
nível do espírito, procurarmos arrastar este para o nível da alma, estaremos
nos afastando cada vez mais das metas alquímicas da transmutação pessoal. Para
isso não é necessário – diz Liu Dsu (p. 123) – “abandonar a profissão
habitual”, mas aprender a lidar com os afazeres da vida material sem neles se
envolver demais. “Quando, mediante pensamentos corretos, os assuntos são postos
em ordem, a luz não é manipulada pelas coisas externas, mas circulará segundo
sua própria lei”.
Noventa e dois:
A convivência com a matéria não precisa, portanto, assumir as proporções de um
confronto e nem as características de uma acomodada entrega, mesmo porque ela
foi provida de espaço para a movimentação de nosso psiquismo. Exatamente, como
disseram os gnósticos, isto é, que a matéria não precisa ser amada nem temida. Cabe
reiterar aqui a observação de A Grande Síntese, ao declarar enfaticamente,
primeiro: que “a matéria, ainda mesmo chamada bruta ou inerte, vive, sente, e
pode plasmar-se e obedece, desde que atingida por uma ordem profunda” (p. 48);
segundo: que “também na ciência há zonas sagradas, das quais ninguém pode
aproximar-se sem o sentimento de veneração e sem a prece” (p. 182); terceiro: a
conquista de novo patamar de consciência implica, necessariamente, uma
alteração qualitativa que a obra caracteriza como mudança de dimensão. Eis
porque vejo no modelo evolutivo pontos críticos nos quais, sem dar saltos, a
vida nos coloca diante de mutações alquímicas, ou seja, provocadas por algo que
ao mesmo tempo está em nós e nos transcende. Não é algo fora de nós que se
acrescenta, mas aspectos ocultos de nós mesmos que, de repente, por alguma
razão se revelam e nos projetam numa nova dimensão do ser, em novo patamar de
percepção e, portanto, de aprendizado e maturação.
Noventa e três:
Em “O livro da consciência”, incluído em O Segredo da Flor de Ouro, há uma
introdução que assim diz: “Se você quiser concluir o corpo de diamante sem
nenhum desperdício, aqueça diligentemente as raízes da consciência e da vida.
Acenda a chama luminosa no sagrado território ao lado e lá, abrigado, deixe seu
verdadeiro eu habitar para sempre”. O que primeiro se percebe é que o corpo de
diamante de alguma forma já existe e está em processo de elaboração, porque o
texto fala em concluí-lo e não em fazê-lo. Recomenda que ele seja elaborado na
medida certa, sem desperdícios nem de tempo, nem de oportunidades ou
conhecimento. É preciso, ainda, que se vá buscar no silêncio cósmico as fontes
da vida e da consciência para aquecê-las ao coração. Para isso é necessário
agir com diligência e buscar a iluminação que está ali mesmo, ao alcance de
todos nós, ou seja, no chamado inconsciente, na individualidade, no espírito.
Noventa e
quatro: Encontramos, no material consultado para a elaboração deste estudo,
numerosas referências a certo grau de psiquismo na matéria densa, a partir dos
cristais. Abaixo dessa linha divisória, mais uma gradação do que um limite, a
matéria se apresenta a matéria se apresenta em espaços rigidamente demarcados
por campos magnéticos, dentro dos quais se movimentam a velocidades
vertiginosas as partículas de energia que compõem cada corpo dito sólido.
Noventa e
cinco: Cientistas e pensadores contemporâneos, familiarizados com a física
quântica, estão reformulando antigos conceitos e propondo uma visão mais
inteligente e aberta, não apenas de nós mesmos como de nossa posição no
universo. O Dr. Deepak Chopra, médico de origem indiana, residente nos Estados
Unidos, informa em Ageless Body, Timeless Mind, que o ambiente em que vivemos é
uma extensão do nosso próprio corpo. “A cada vez que respira, você inala
centenas de milhões de átomos de ar exalados ontem por alguém na China”, ensina
ele (p. 27). A cada momento, pois, estamos, segundo o Dr. Chopra, “fazendo e
desfazendo os nossos corpos” (p. 41), o que o leva a concluir que o corpo é um
processo, não um objeto estável. Isto significa que ainda somos, basicamente,
aquele vórtice inicial de consciência dentro do qual circula a matéria, ou
melhor, movimentam-se partículas intelectualizadas de “luz coagulada”.
Noventa e seis:
O que importa é suscitar em cada um de nós aquela mutação alquímica da mente,
de que falamos alhures. Para isso, não é necessário nenhum processo mágico de
iniciação mística. Basta fazer calar o tumulto em torno de nós e a estática
interior a fim de nos ser possível mergulhar em nós mesmos os sensores de
percepção de que fomos dotados. A resposta está em nós, não “lá fora”. “O reino
de Deus está dentro de vós”.
Noventa e sete:
Temos falado muito aqui em ser e estar, permanência e transitoriedade e, por
isso, achei conveniente esclarecer um aspecto mais relevante do que poderia
parecer à primeira vista. É que permanente é o processo das leis cósmicas que
representam o pensamento daquele que, sendo incriado, é eterno e, portanto,
imutável. Mas permanência não é sinônimo de imobilidade, de inconformismo, de
inação. E tudo no universo se move e evolui.
Fim: Dou por
encerrado aqui esse processo de colecionar e transcrever passagens sensíveis do
livro “Alquimia da Mente” de Hermínio C. de Miranda. Propus-me a esta tarefa
porque eu senti que precisava, de alguma forma, trabalhar com essas ideias ou,
quem sabe, aspirar um sopro de vida. Creio que consegui cobrir a essência do
que foi tratado no livro ao longo dessas 35 páginas (de um total de 315 páginas
do original). Este documento é, portanto, um resumo com taxa de compressão de
11% (=35/315). Se você chegou até aqui, espero que a leitura tenha sido uma
aventura revigorante, assim como foi para mim. Este texto é dedicado aos meus
filhos Gabriel e Davi. O arquivo pdf para o download gratuito pode ser
encontrado através do link abaixo.
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