quinta-feira, 5 de julho de 2018

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ENTREVISTA COM LUKA MAGALHÃES

Fotografia por Roberto Candido


Luka Magalhães é analista de sistemas, pós-graduado em Planejamento de Educação à distância, pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é editor no selo Edições Archangelus, ele também atua na equipe gestora da Casa Amarela - espaço cultural de São Miguel Paulista. No campo artístico seu foco está nas artes cênicas tendo atuado e dirigido a trupe Casa Amarela em cena, Luka é fotógrafo.  Na literatura já produziu em diversos gêneros, desde textos teatrais, contos, fábulas, teorias literárias e poesia. Alguns de seus escritos estão disponíveis no site Recanto das Letras . Luka lançou no dia 23 de Junho, o livro de poemas intitulado Ecos do silêncio, este é o tema do nosso bate-papo.


Luka, na entrevista que fiz com a escritora Márcia Barbieri, perguntei a ela se é possível escrever o silêncio, ela me respondeu o seguinte: É quase impossível presenciar o silêncio... Todo escritor, no fundo, tem a intenção de escrever o silêncio, mas o silêncio é divino, não é humano. Você está preparado para o fracasso com o tema escolhido para o seu livro?

Vou começar usando uma frase meio clichê – quem não se prepara para o fracasso não reconhece a vitória. O fracasso é algo mais presente do que o sucesso e creio que devemos estar preparados para falhar mais do que acertar. É assim que aprendemos e crescemos.
Não diria propriamente que o tema já tende ao fracasso. A Márcia acerta quando diz que é quase impossível, mas na própria frase dela entendemos que não é totalmente inatingível. O silêncio é divino? Sim, mas precisa do humano para ser percebido e para ser compreendido. Uma resenha sobre meu livro traz versos muito interessante sobre o silêncio:
Silêncio no templo/ Após tocar o sino/ Compreendo o silêncio... (Alvaro Posselt) (https://henriquevitorino.wordpress.com/2018/05/28/resenha-ecos-do-silencio/#more-276)
Há um outro ponto a se pensar. Escrever o silêncio é diferente de escrever sobre, e acredito que é um pouco distante de se provocar o silêncio por meio de escritos. Muitos escritores conseguiram provocar os leitores, de modo a surgir um silêncio, seja reflexivo ou não, nesta linha intencional temos inúmeros escritores.
Se estou preparado para o fracasso com o tema escolhido?? Acredito que meu maior fracasso seria não tê-lo escrito.

Os poemas escritos por você possuem uma linguagem concisa. Quais são os poetas com quem você dialoga sejam elas/eles contemporâneos ou da tradição?

Meus escritos sofrem muitas influências, o que acaba caracterizando o que poderia ser meu estilo – se é que eu já tenha um (risos) -  Posso citar que, por conta dessas influências, vejo um diálogo muito coerente com alguns poetas em determinados textos.
Entendo que há um diálogo com Pablo Neruda, principalmente pelas antíteses dele e por textos que tem uma proximidade muito forte na mensagem transmitida.
Neruda escreveu:
Gosto de ti quando calas porque estás como ausente./ Distante e dolorosa como se tivesses morrido./ Uma palavra então, um sorriso bastam./ E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade...
Eu digo:
Quando tua boca/ se fechar às palavras,/ quando teu silencio/ cerrar na alma,/ quando tua voz não ecoar/ e o vazio do som nascer,/ saiba que cada suspiro,/ respiro,/ cada balbuciar/ me aviva/ .../ E sei que estas comigo.
Talvez haja um diálogo com Fernando Pessoa, pela parte dos textos onde fujo do material e transcendo às leis da física. Mas não sou muito convicto disso, da mesma forma que falo sobre a influência de Neruda
Não sou o som/ ou o eco incontido/.../ Não sou o grito/ na boca mantido/.../ Eu sou o silêncio,/ puro,/ simples/ e incômodo.

No primeiro poema do seu livro, é dito ao leitor que seus versos são ouvidos, embora na parte estética não haja um diálogo com a poesia concreta, tal possibilidade é perceptível na camada sonora, ao lermos seus poemas em voz alta. Esta é uma característica da sua poética?

É interessante pensarmos que meus versos não são escritos/são ouvidos no anverso/ anteverso do som.
Não diria que é minha característica poética.  Pode ser a soma de todas as influências literárias que tenho, desde Paio Soares de Taveirós, autor de Cantiga de garvaia ou Canção da Ribeirinha, marco do Trovadorismo galego-português, passando por Dostoievski, Martins Pena, Ariano Suassuna, Augusto Boal e muitos outros.
Talvez seja uma característica em construção, tentando fazer com que o leitor não somente leia  palavras, mas que busque entender as entrelinhas e os subtextos. Que o leitor reflita sobre o que está lendo. E isso não somente no que escrevo, mas também em outros autores.
O leitor deve se ver dentro do que cada autor escreveu para entender, deve de fato ouvir as palavras do autor.

Tal como a personagem de Água Viva, de Clarice Lispector, o eu-lírico de Ecos do Silêncio, parece se dirigir a uma pessoa amada de quem não recebe resposta, este talvez seja o fio condutor da obra. Como se deu esta construção?

Quando me propus a escrever Ecos do silêncio tive como tema central abordar o silêncio em várias facetas, fugindo do significado óbvio: a falta de som. Partindo disso, procurei inserir o eco em seus outros sentidos, usá-lo como algo insistente, a reflexão não somente do som.
Tratei de amores e sentimentos que insistem em existir.
Acho que o direcionamento do eu-lírico para alguém partiu também de minhas influências no Trovadorismo, estilo literário que me encanta há várias décadas.

Fernando Pessoa disse que sua pátria era sua Língua, para este livro você escreveu poemas em Italiano, Espanhol e Inglês. Como se dá a construção da expressão poética num idioma estrangeiro?

Há ainda no livro dois dísticos, um em francês e outro em latim.
Tenho dois momentos de construção poética nesses textos. Os textos em inglês e em espanhol foram escritos nesses idiomas e depois os traduzi para nossa língua.
Os demais parti de textos em português e procurei o idioma que mais harmonizasse com o texto. Então tive experimentações de sonoridades.

Os poemas em Língua estrangeira são seguidos pelas traduções, fale um pouco do processo de traduzir a si mesmo.

Traduzir a sim mesmo é um desafio. Há a preocupação de que não possa haver o mesmo encantamento em outro idioma. Quando a língua estrangeira se aproxima da nossa temos uma noção, mas quando não, fica complicado.
Os textos que passei para outras línguas foram experimentados. Um mesmo texto foi transcrito para o italiano e para o francês. De ambas assumi a que mais trouxe um encantamento sonoro, a que mais combinou.
Em espanhol, En el cielo veio pronto nesse idioma, pois há uma história familiar por trás dele

O verbo gritar aparece em diversos poemas do livro. O grito é o antônimo do silêncio ou a extensão deste?

Depende do momento. O grito rompe o silêncio mais rápido do que um sussurro e o silêncio que vem depois de um grito acalma.
O livro tem algo cíclico: som - eco - silêncio, seja qual tipo de som, seja como o eco está representado, seja qual o silêncio. Acabam se tornando extensões, sem um sentido obrigatório, podemos partir de qualquer um, que o outro aparece.

Você faz parte da comissão organizadora dos eventos da Casa Amarela, o seu livro foi lançado pelo selo deste centro cultural. Qual a influência deste local no seu fazer poético?

A Casa Amarela é um celeiro cultural, onde aprendemos muito. Eu sempre cito o dramaturgo russo Stanilavski, quando ela diz que devemos fazer a arte pela arte e vejo isso na Casa amarela como verdadeiro, uma filosofia implícita. Lá é possível entender como a arte que se pratica é vista por outras pessoas, por outros artistas, diria que alguns de maior quilate do que outros, mas isso lá não importa, pois arte é arte. Pude me ver sendo influenciado por décadas de história cultural, com os monstros do Movimento Popular de Arte.
Apesar de não me definir como poeta, pois sei que me desenvolvo melhor em outros estilos literários, poder conviver com poetas de vários cantos, é enriquecedor, pois vamos juntando tijolos poéticos e acabamos construindo muros bem mais sólidos.

Você fotografa, produz vídeos, em que estas outras linguagens influenciam a sua escrita?

Em vários campos artísticos é necessária a concepção do que ser quer e como se quer fazer.
Muitos escritores são instintivos, escrevem de acordo com seus estímulos e suas inspirações. Eu faço muito isso, mas parto de frases que me vem à cabeça e escrevo algo, que pode ser bom ou não.
Durante muito tempo fotografei festas de casamentos e coisas afins, no tempo do filme de rolo caro, onde não podíamos errar. Deveríamos pensar antes de fotografar alguns momentos da festa. Essa foi minha escola de fotografia. Hoje em dia com as máquinas digitais, se a foto não sair boa deletamos.
Ao escrever algo, eu visualizo como seria a imagem (foto) da poesia. Se estiver fazendo prosa, visualizo um filme, assim tento ser coerente e ter noção do que esperar dos textos.

Por que ler Ecos do silêncio?

Por que ler Ecos do silêncio?
Porque encanta, provoca reflexão.
Porque é uma leitura suave que permite ao leitor, se tornar coautor nas reticências, gritar no silêncio em branco das folhas.
É um livro que precisa ser lido e relido e em cada nova leitura, novas nuances surgem.

Por que ler Ecos do silêncio?
Porque a poesia precisa gritar para ecoar no silêncio das palavras.



1 Comentário

Rosinha Morais

Excelente entrevista. Provocações e reflexões, levando o leitor por um campo de experimentos.
Parabéns Luka Magalhães
Parabéns Fernando Rocha