terça-feira, 29 de janeiro de 2019

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Pequenas histórias 313


O arroz
 

O arroz! Como gosto de arroz não está escrito. Como arroz de tudo quanto é jeito. Não vou aqui descrever o que se pode ou não comer com o arroz. Mas aquele arroz estava muito abusado. E como estava. E olhe, eu não tinha bebido nada, nem cheirado, nem fumado. Apesar de que gosto muito de um fumo às escondidas. É tem que ser às escondidas e em público. Esse negócio de fumar em lugar seguro não é comigo. Mas naquele dia estava em branco, branco como uma folha virgem a espera do jato gostoso e preto da tinta. Não, eu não tinha fumado mesmo.
O restaurante como sempre lotado. Tive que esperar uns segundos até que a mesa do canto fosse liberada. Assim sendo, como meus olhos não ficam sossegados, passou a observar o pessoal faminto e desesperado. Nessas horas se descobre os infortúnios e os ridículos de cada um. Bem, eu estava na minha, quer dizer, sempre estive na minha, gosto mais de observar as pessoas do que ser observado. Se alguém me observa, ponto para essa pessoa. Nisso o garçom, acho que foi o Lira, acenou pelo espelho da parede esquerda dando a entender que tinha um lugar vago. Dirigi-me para lá. Como eles dizem: o salão nobre que, de nobre não tem nada, é apenas aconchegante e nos dias de verão um pouco abafado.
- O que vai hoje.
- O de sempre, filé de frango e legumes.
- É pra já.
Enquanto esperava, fui destrinchando o pão molhando no molho da pimenta. Quando o Lira trouxe o prato notei algo diferente, mas não disse nada. Comecei a comer. Primeiramente optei pelo file de frango. Depois, coloquei no prato um pouco de arroz. Com a colherinha despejei um pouco de molho de pimenta e, coloquei o outro pedaço do filé de frango. Distraído, mecanicamente fatiando o frango, saboreando os legumes embebidos em azeite, foi que notei a diferença. O arroz... Bom, devo dizer alguns grãos de arroz, começaram a se mexer. A princípio era um grão somente, em seguida surgiu o segundo, logo após o terceiro e, quando percebi estava uns dez grãos dançando na borda do prato onde se via o emblema do restaurante entre filetes pretos e vermelhos. O gozado é que não me surpreendi. Sabia que isso um dia aconteceria, só não previ que fosse hoje. Por momento hipnotizado fiquei observando-os dançando de um lado para o outro, dando piruetas, pulando no feijão como se fosse uma piscina... Estes, os grãos de feijão, por sua vez nada diziam nada faziam quietos recebiam os grãos de arroz e, como não podiam sair dali, davam o braço... – se é que eles, tanto arroz como feijão tivessem braços - uns aos outros e saiam dançando, melhor dizendo, nadando no caldo escuro do feijão.
Fiquei embasbacado, olhando aquela pantomima esdrúxula.
Achei melhor não dar importância ao fato. E nem devia, ninguém acreditaria mesmo e, parecia que só eu estava vendo o espetáculo dos exibidos grãos. Coloquei de lado o prato. Decidi comer somente o file de frango e os legumes.
Do caixa, quando estava pagando a conta, ainda pude ver os malditos grãos em seus malabarismos de dançarinos exuberantes. Balancei a cabeça de um lado para outro, como se dissesse:
- Não se fazem mais feijões e arroz como antigamente.


Pastorelli

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