terça-feira, 12 de julho de 2022

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Paternidade.


Eram sete horas quando entrou no bar. A manhã estava ensolarada, apesar do outono forte rasgando a rua com um vento frio. O transito naquele momento já intenso, estertorava sons nas dobras do tempo enveredando por onde houvesse espaço. Decidido, ao entrar no bar vazio, tomou conhecimento do silencio que ali reinava em contrapartida ao barulho violento da rua. Sentou no banquinho girando o corpo e apoiando os pés na barra de ferro que circundava o balcão. Pediu um maço de cigarros e quando deu por si, tomava uma cerveja estupidamente gelada. Foi então, como se levasse uma ferroada de um bicho qualquer, prestou atenção onde se encontrava. Relanceou os olhos em volta de si. Nossa! Que lugar é esse? A decadência furava a Iris cansada de sono. O copo sujo lhe deu ânsia de vomito. O branco do balcão estava mais para o marrom onde se notava vários insetos mortos. O pior é que já tomara mais da metade da garrafa. O gosto da cerveja veio até a boca provocando azia amarga. Entre os dedos, para o seu espanto, estava um cigarro aceso pela metade. Horrorizado, lembrou que não fumava, jogou o cigarro que rolou para baixo de uma mesa. Nisso ouviu um choro de bebe. Sem saber de onde saiu, apareceu uma mulher magérrima se equilibrando nas longas pernas. Olhando para ele, a mulher se abaixou e retirou a criança debaixo da mesa. Assustado ele recuou. Os olhos da mulher acusavam-no de alguma coisa da qual não sabia o que era. O que acontecia? Jogou uma nota de vinte reais no balcão e sem esperar o troco dirigiu-se para a saída.
O sol fraco sem intensidade bateu em seu rosto. Vozes infantis, num coro só, chamavam-no de papai. A rua estava cheia de crianças com a idade de sete anos, todos iguais, todas do mesmo tamanho, com os mesmos cabelos pixains e de olhos azuis claros. Descontrolado, sem saber o que fazer, voltou para dentro do bar, mas foi impedido pela magérrima mulher com o bebe no colo. Teve que enfrentar o mundaréu de crianças chamando-o de papai. Com os braços encolhidos, o olho arregalado se indagava: O que foi que eu fiz? Pressentiu que seria engolido pelos pequenos fedelhos. Não gostava de crianças. Por isso não se casara ainda. O que seria aquilo? De onde surgiram tantos meninos? Movendo-se lentamente, quando viu um ônibus parar a sua frente e abrir a porta.
- Bom dia, desculpe o atraso, disse o chofer.

Não esperou pelo convite. Entrou no ônibus. Era o fretado que pegava todos os dias. Suspirou. Estava a salvo. O bando de meninos tinha desaparecido. A normalidade voltara ao seu lugar. Desabou toda a carne em cima dos ossos que por sua vez, descarregou o peso na poltrona. Encostou a cabeça no encosto e, se entregou ao cochilo. Nem bem, o que lhe pareceu eternidade, tinha fechados os olhos quando sentiu tocarem seu ombro esquerdo. Acordou sobressaltado. Era o motorista chamando-o. Desceu, recebendo mais uma vez no rosto a fraca intensidade do sol. Atravessou a rua, pegou o elevador e subiu.
Fora tudo um sonho, disse para si mesmo, ao mesmo tempo em que ligava o computador. Realmente, sonhara, só podia ser, cochilara no fretado, foi isso, já se sentindo aliviado. Nisso, a tela do monitor clareou e, aos poucos foi surgindo, sem que digitasse, palavras que o deixaram novamente horrorizados:
- Papai, eu estou aqui, papai não me deixe.

Assustado como quem leva o tiro de misericórdia, sentindo a presença de alguém, virou o corpo. Engolindo o grito, viu a sala cheia de rapazes, todos da mesma idade, dezoito anos, de olhos azuis claros, cabelos pixains, chamando-o de papai. Cercado, sem saída, tendo às costas a frágil janela, não viu outra solução.

O bombeiro, depois de tirar um papel do bolso do cara esparramado no chão, envolto numa poça de sangue, mostrou para o seu chefe. No papel estava escrito:

Teste de DNA sobre paternidade e, no espaço reservado ao resultado, estava escrito: POSITIVO.



NOTA: As situações e as pessoas aqui relatadas são mera ficção, qualquer semelhança com alguém ou com alguma situação na vida real, é mera coincidência.

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