Jean Carlos de tesoura em punho pôs-se em prestativa arrogância a cortar os
papéis vermelhos em pequenos quadrados perfilando-os, de dez em dez a sua
frente. O corte da tesoura, meio cega, proporcionava aos lábios que, de
vez em quando, expressasse um sonoro, puta que pariu ao ver o papel mastigado.
A intimidade que ele tinha com a tesoura era zero. Tesoura é coisa de mulher,
dizia. No entanto, por motivo alheio, cortava os papéis quadrados amontoando-os
de dez em dez. Em seu íntimo achava aquilo um castigo, penalidade que não sabia
qual e por que. Silenciosos os olhos verdes claros, deslizaram longamente
em torno de si para constatar que estava sozinho. Cortou os papéis vermelhos,
eram os últimos, separando-os dos outros.
Jean
Carlos depositou a tesoura em cima da mesa. Olhou os papéis cuidadosamente
cortados e, amontoados em pilhas de dez em dez. Marcava o relógio a sua frente,
onze horas e trinta minutos. O que deveria fazer agora?
Jean
Carlos num impulso repentino, com a tesoura, rasgou a barriga profundamente.
Quando o acharam, o corpo boiava numa enorme poça de sangue. Dos seus lábios
exíguos, o sorriso se expandia na alegria da morte. Foi decretado luto oficial
por cinco dias em sua cidade natal.
Jean Carlos anunciou o destino de cada um que prantearam na quietude das velas
acesas. Na rua o vento carregava as últimas folhas de papel vermelho que ainda
faltavam para serem cortados.
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