Hilde olhou o fósforo queimar até chegar ao seu dedo. Acendeu o cigarro jogando
fora o fósforo queimado. Deu uma longa tragada e, em seguida, soltou à fumaça
em espiral que dançou no ar em formas que se desfizeram no espaço acima de sua
cabeça. Nas grossas juntas dos dedos, pequeninas agulhas espetaram obrigando-a
fechar e abrir a mão várias vezes. Um esgar sorrateiro se fez surgir no canto
esquerdo da boca.
- Escuta o que estou lhe dizendo: nossos filhos
vão crescer e casar e ainda estaremos morando aqui.
Com que ódio notou nessas palavras! Com que
raiva o ouviu dizer numa voz empostada como se fosse o dono absoluto... Dela?
Não, de todos, até da casa. Dono! Quem era ele para se julgar dono de alguma
coisa? Era um idiota, sempre fora. Vivia dizendo isso para ele, até que um dia
se confessou pateticamente.
- Sim, você está certa sou um idiota, e por
quê? Por que tenho que aturá-la a vida inteira.
- Atura porque quer, respondeu ela.
Hilde acendeu outro cigarro. Verdade que se
diga. Nesse ponto estava ele certo. Os filhos cresceram, noivaram, casaram e
eles não saíram dessa casa, pensou lançando o olhar pelas paredes vazias.
Percorreu com a ponta dos dedos as bordas dos CDs. Os queridos e idolatrados
CDs que ele gostava, e que a azucrinava de tanto ouvi-los. Com raiva morna deu
um tapa no topo da pilha jogando dois CDs. Ao comando da mão, as duas caixas
voaram o espaço e bateram na parede. As caixas se abriram e os dois CDs caíram
no chão. Num ímpeto desnorteado, começou a lançar um por um contra a parede.
Logo o chão ficou coberto de caixas e CDs espalhados. Furiosa, passou a
pisotear quebrando as caixas e os CDs, até que se dando por satisfeita, jogou-se
na poltrona. Por instantes fechou os olhos embalando-se nas linhas vingativas
da vida. Deixou-se entretida a espera da pulsação voltar.
É Hildebrand podia realmente constatar essa
verdade. Que raiva tinha desse nome! Hildebrand, disse numa voz sarcástica.
Onde foram arrumar esse nome? Sozinha, todos se foram, os filhos se mandaram
cada um cuidando da própria vida, a irmã, a mãe falecera, o marido se mandara
com outra, assim diziam, logo que o último filho se casou. Nem as amigas que
tanto admirava não estavam nem aí com ela. Não a procuravam. Por outro lado,
deixou de visitá-las. Para que? Não tinha mais o mesmo mistério, o mesmo sabor.
Acendeu outro cigarro. Nisso ouviu o som de sirene. Policia? Ambulância? Pouco
se importava com o que quer que fosse. O que queria era ficar no seu canto, na
sua cadeira.
Nisso ouviu um estrondo, parecia que arrombavam
a porta. Fechou os olhos, queria, precisava dormir se entregar ao modorrento
sono. Seus olhos não a obedeciam, parecia que a obrigavam a ver, a notar na sua
frente um homem de avental...
- Está morta, disse inclinado sobre o corpo
dela.
- Vamos levá-la, disse o outro homem com
avental.
Embasbacada, sem conseguir pronunciar uma palavra, viu os dois homens colocar seu corpo na maca e saírem pela porta da sua pequena e querida casa. E sem saber onde e nem porque de onde estava, via aos poucos sua casa sendo comida pelo tempo até, que um dia chegaram às maquinas e derrubaram. Soube que em seu lugar ergueriam um edifício comercial. Essa foi à última notícia que tivera sobre a casa.
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