- Ah! O que houve tio? O senhor não era para...
- Sim... era... mas...
- O que aconteceu, tio?
- O seu filho...
- O que tem ele?
- Está na Santa Casa.
- Na Santa Casa? Aí minha Nossa Senhora...
- Calma, não aconteceu nada.
- Como não aconteceu nada se ele está na Santa Casa?
- Ele quebrou só a perna. Já estão trazendo ele para cá. Arruma a cama que ele vai ficar um bom par de tempos deitado sem se mexer.
Dito e feito. Quando ela aflita chegou no corredor, vinham trazendo o filho todo refestelado como se nada tivesse acontecido, numa cama de hospital. Junto estavam os primos, os irmãos, o pai, os enfermeiros, todos falando ao mesmo tempo para uma mãe assustada. Ao ver todo aquele alvoroço começou a chorar.
- Que é isso, mulher? Larga de ser boba, não vê que nosso filho está bem; disse o pai abraçando a esposa.
Arrumaram a cama onde ele ia ficar os três meses deitados. Pouco tempo depois à engrenagem rodava de novo nos eixos.Passados dois dias, o cunhado chega entrando no quarto.
- Olha o que eu fiz.
E coloca o tabuleiro no colo do sobrinho. E daquele dia em diante a casa não teve mais sossego. Tinha sempre alguém jogando Ludo com ele. Durante os três meses, só se ouvia risadas, torcidas, palavrões, gritos e o barulho dos dados rolando no tabuleiro de madeira.
- De quem é a vez?
- É a sua.
- Não, é a minha.
- Não rouba seu ladrão!
- Não deixem a vermelha entrar.
- Não deixem a vermelha entrar.
- Aí, viva! Pensa que vai ganhar?
E assim era, quando não eram os irmãos, eram os primos, os tios, as tias, sempre que chegavam corriam lá para o quarto do enfermo.
- E aí, vamos jogar?
Às vezes as jogadas demoravam em acabar, chegando a avançar a noite adentro. Assim foram os três meses. O tabuleiro ficou gasto. Os quadriculados sumiram. De tanto baterem o copinho em cima e arrastarem as redondas pedras de madeira as cores sumiram. Aqui é a vermelha. Ali as pretas. Amarela no outro canto ao lado da azul. Já sabia de cor a colocação das pedras. Passou os dedos contornando cada linha, cada casa, cada quadrado, ouvindo as vozes, as risadas... Uma lágrima deslizou caindo bem no meio do tabuleiro. Ela se levantou. Da porta olhou para o interior, depois para o tabuleiro e viu todos eles, um por um, ali em volta jogando Ludo.
- Não vou... talvez outro dia eu continuo com a limpeza.
Saiu fechando a porta e passando a mão nos olhos. As vozes, o barulho dos dados, as risadas, os gritos de ganhei, ainda continuaram por um longo tempo.
Pastorelli
fonte da figura: www.mastergames.com

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