domingo, 27 de fevereiro de 2011

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LIVRAI-ME DAS TENTAÇÕES

Não passou na TV, é claro, porque essa coisa de gente miúda não dá Ibope nem vende apartamento nos Jardins – mas quem viu jura de pés juntos que aconteceu mesmo: Zé, o sujeito mais ordinário do mundo, de joelhos diante do altar da igreja de Nossa Senhora dos Arrependidos em plena hora da missa de domingo!
Um beato mais curioso não se conteve e foi falar com o Zé depois da missa.
— Minutim só — disse o ordinário. — Depois que eu der uns trocados pra caridade eu falo.
E foi desta maneira que o povo todo da comunidade ficou sabendo que Zé, arrependido, resolvera colocar sua vida nas mãos da Santa. Que finalmente decidira abandonar a cachaça. O rabo-de-galo. A caipirinha. O bombeirinho. A loira gelada e a quente. A pinga com limão. E todos os et ceteras bebíveis que por graça do cão-tinhoso devastam a vida das famílias que só querem mesmo é permanecer na santa paz.
Ficou sabido também que o Zé deixara para todo o sempre o cigarro. O cachimbo. O cigarro de palha. O charuto de despacho. A cigarrilha. O fumo de corda e até mesmo a maconha, sua companheira havia anos. Nunca mais colocaria nada fumável para dentro do seu corpo, templo sagrado desde então dedicado à graça e glória de Nossa Senhora dos Arrependidos, que o acolhera em seus braços puríssimos e santificados.
E mais se soube: Zé, corajosamente, decidira também largar de mão as picadas, os chás entorpecentes, as bolinhas viciantes, os vapores alucinógenos, os pós inaláveis, toda e qualquer substância que alterasse a sua percepção. Era seu projeto abolir todos os paraísos artificiais para alcançar enfim o verdadeiro e único Paraíso prometido pelas Escrituras e pela Sagrada Igreja.
— E tem mais — concluiu o ex-ordinário —, pedi também à Santa que me livre das mulheres quengas vagabundas piranhas de toda espécie. Com moderação, é lógico, que senão eu posso ter um treco por causa da crise de abstinência...

*****

Algumas semanas se passaram até que um grupo de devotas de Nossa Senhora dos Arrependidos encontrou o Zé sentado a uma mesa de bar rodeado de belas e jovens modelos de revista e TV. As devotas ficaram, como manda o figurino, histéricas, muitas desmaiaram, outras tantas se agarraram nos terços e orações mais fortes e duas outras, enciumadas, choraram discretamente por trás dos véus. Por fim, passado o susto e recuperado o decoro que a situação exige, duas irmãs de Nossa Senhora se aproximaram e começaram a Santa Inquisição:
— Seu Zé! Muito nos envergonha a sua atitude!
Depois de lascar um beijo no pescoço da modelo mais Lolita de todas, 14 anos só, Zé se defendeu:
— Vocês estão vendo birita na mesa?
Todas as devotas balançaram negativamente a cabeça. Parecia até coreografia de tanta precisão. Coisa bonita de ver.
— Por acaso eu tô fumando?
Mais uma vez as mulheres foram pegas em falso. Animado, Zé continuou mandando brasa:
— Nesta mesa, senhoras, por acaso é possível encontrar qualquer substância entorpecente, de qualquer natureza, alguma coisinha sequer que sirva pra aluar um cristão como eu?
— Não senhor — falou uma devota.
— Pois então, o que é que as senhoras querem?
— Tá cheio de mulher na mesa! E o senhor prometeu pra Santa que não queria mais...
— Não queria mais mulher quenga vagabunda piranha. Essas aqui são todas moças de família, pobrezinhas desamparadas que eu vou criar. E virgens, minhas senhoras, virgens!
Um oh! de espanto correu entre as devotas. E Zé, ex-ordinário, concluiu seu discurso:
— Entreguei minha vida e meu corpo à Nossa Senhora dos Arrependidos. Sou fiel ao voto que dei. E a Santa me livrou mesmo de todas as minhas tentações terrenas, me livrou de tudo aquilo que eu pedi. Só não conseguiu me livrar de uma única coisa, uma praga dos infernos, criação de satanás que santo nenhum parece dar jeito.
A mais bocó das devotas caiu na tentação de perguntar:
— E qual é a praga da qual a nossa poderosa Santa não conseguiu livrá-lo, senhor?
Abraçando  religiosamente três modelos de uma só vez, o agora virtuoso Zé deu a porretada final:
— Nossa Senhora só não conseguiu me livrar da chatice de gente que só sabe cuidar da vida alheia...

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