De uma hora pra outra, PLOFT!: o chuveiro pifou.
Nada alarmante no começo. Afinal, era apenas um chuveiro. Poderia, sim, ser pior: a TV, por exemplo. Como sobreviver a uma noite sem TV, sem a novela das 8? Conheço casos de gente que se matou por causa disso: achou que a TV havia pifado justamente na noite do último capítulo e cortou os pulsos. Depois ficou-se sabendo que havia sido apenas uma queda temporária de energia. O enterro, como de praxe, foi feito no dia seguinte - mas só depois da reprise do capítulo. O morto, por sua própria natureza, pode esperar. Já a novela, ah! não.
Também não existe nada mais constrangedor do que um computador quebrado. Convenhamos: é possível sobreviver sem seqüelas à falta do contato quase sensual com o teclado? E a dose diária de internet? É possível manter a sanidade sem verificar os e-mails, navegar e navegar (que é preciso, como afirmou o poeta), sem desperdiçar três quatro horinhas básicas nos chats da vida? Não, isso é de botar qualquer um doido!
Carro quando enguiça também é uma porcaria: como ir à padaria a pé, como o comum dos mortais? Andar assim, desprovido de rodas, é coisa primitiva, sem charme. Um amigo, certo dia, saiu de casa, entrou no carro e ameaçou nunca mais sair de lá. "Enquanto eu tiver dinheiro pra gasolina", disse ele, "não tiro a bunda desse banco". É claro que essa aventura heróica, mítica mesmo, não durou muito tempo: hoje em dia a gasolina costuma durar mais que o dinheiro da gasolina. Não muito, mas ainda assim. Esse caso ilustra o quanto os homens estabelecem uma relação de dependência com suas máquinas, possantes ou não. Um carro na oficina é comparável a um filho no hospital. Pralguns, muito mais que isso.
Pois é, mas como eu disse acima, de uma hora pra outra, PLOFT!: o chuveiro pifou. Não me preocupei no começo por inexperiência. Cinco horas depois, assistir TV se tornou uma tortura: é por demais incômodo assistir qualquer bobagem com o corpo colando, grudando no sofá. Diante do computador, outro incômodo: é impossível compartilhar qualquer programa com o fedor insuportável de bode sujo. Andar de automóvel, então, se torna impraticável: por causa do suor, que brota de todos os poros possíveis e imagináveis, a gente escorrega no banco feito lesma.
Logo na manhã seguinte ao pifamento do chuveiro me vi numa enrascada shakespeareana: "consertar eu mesmo ou não, eis a questão". Só que eu não entendo lhufas de chuveiro. Conheço, sim, as entranhas da programação da TV, sou capaz de diagnosticar qualquer problema no computador, montar e desmontar um carro assobiando a Aquarela do Brasil. Mas chuveiro, ó, necas de pitibiribas.
Por uma semana fiquei investigando filosoficamente o chuveiro e suas conexões à rede elétrica. Refleti muito, consultei Sartre e Aristóteles, cheguei mesmo a levantar algumas questões que estarão ainda no caminho do conhecimento humano no século XXIII - mas não consegui fazer com que o chuveiro funcionasse.
Mas na minha casa, porém, a prática veste saias. Minha mulher, que não é dada a filosofices, foi curta e grossa:
- Não agüento mais dormir com homem sujo! Ou você arruma esse chuveiro hoje ou eu volto pra casa da mamãe!
Temendo pelo futuro da Humanidade (da minha humanidade, no caso), troquei imediatamente os livros de filosofia pela lista telefônica.
O eletricista que chamei nunca ouvira falar em Sartre, Kant, Platão, esses caras aí. No entanto, entendia tudo de chuveiro.
- De nada vale a sabedoria, doutor, se a gente não consegue tomar banho – ele disse.
Fui obrigado a concordar.
Nada alarmante no começo. Afinal, era apenas um chuveiro. Poderia, sim, ser pior: a TV, por exemplo. Como sobreviver a uma noite sem TV, sem a novela das 8? Conheço casos de gente que se matou por causa disso: achou que a TV havia pifado justamente na noite do último capítulo e cortou os pulsos. Depois ficou-se sabendo que havia sido apenas uma queda temporária de energia. O enterro, como de praxe, foi feito no dia seguinte - mas só depois da reprise do capítulo. O morto, por sua própria natureza, pode esperar. Já a novela, ah! não.
Também não existe nada mais constrangedor do que um computador quebrado. Convenhamos: é possível sobreviver sem seqüelas à falta do contato quase sensual com o teclado? E a dose diária de internet? É possível manter a sanidade sem verificar os e-mails, navegar e navegar (que é preciso, como afirmou o poeta), sem desperdiçar três quatro horinhas básicas nos chats da vida? Não, isso é de botar qualquer um doido!
Carro quando enguiça também é uma porcaria: como ir à padaria a pé, como o comum dos mortais? Andar assim, desprovido de rodas, é coisa primitiva, sem charme. Um amigo, certo dia, saiu de casa, entrou no carro e ameaçou nunca mais sair de lá. "Enquanto eu tiver dinheiro pra gasolina", disse ele, "não tiro a bunda desse banco". É claro que essa aventura heróica, mítica mesmo, não durou muito tempo: hoje em dia a gasolina costuma durar mais que o dinheiro da gasolina. Não muito, mas ainda assim. Esse caso ilustra o quanto os homens estabelecem uma relação de dependência com suas máquinas, possantes ou não. Um carro na oficina é comparável a um filho no hospital. Pralguns, muito mais que isso.
Pois é, mas como eu disse acima, de uma hora pra outra, PLOFT!: o chuveiro pifou. Não me preocupei no começo por inexperiência. Cinco horas depois, assistir TV se tornou uma tortura: é por demais incômodo assistir qualquer bobagem com o corpo colando, grudando no sofá. Diante do computador, outro incômodo: é impossível compartilhar qualquer programa com o fedor insuportável de bode sujo. Andar de automóvel, então, se torna impraticável: por causa do suor, que brota de todos os poros possíveis e imagináveis, a gente escorrega no banco feito lesma.
Logo na manhã seguinte ao pifamento do chuveiro me vi numa enrascada shakespeareana: "consertar eu mesmo ou não, eis a questão". Só que eu não entendo lhufas de chuveiro. Conheço, sim, as entranhas da programação da TV, sou capaz de diagnosticar qualquer problema no computador, montar e desmontar um carro assobiando a Aquarela do Brasil. Mas chuveiro, ó, necas de pitibiribas.
Por uma semana fiquei investigando filosoficamente o chuveiro e suas conexões à rede elétrica. Refleti muito, consultei Sartre e Aristóteles, cheguei mesmo a levantar algumas questões que estarão ainda no caminho do conhecimento humano no século XXIII - mas não consegui fazer com que o chuveiro funcionasse.
Mas na minha casa, porém, a prática veste saias. Minha mulher, que não é dada a filosofices, foi curta e grossa:
- Não agüento mais dormir com homem sujo! Ou você arruma esse chuveiro hoje ou eu volto pra casa da mamãe!
Temendo pelo futuro da Humanidade (da minha humanidade, no caso), troquei imediatamente os livros de filosofia pela lista telefônica.
O eletricista que chamei nunca ouvira falar em Sartre, Kant, Platão, esses caras aí. No entanto, entendia tudo de chuveiro.
- De nada vale a sabedoria, doutor, se a gente não consegue tomar banho – ele disse.
Fui obrigado a concordar.
1 Comentário
Muito bom, Parreira! Parabéns.
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