No final de março o caso dos ciganos se resolveu. O cara que matou Sara e Miguel foi mesmo o que eu vira rondando Sara em diversos locais. Confessou afinal! Disse que amava Sara fazia tempo, e que nunca conseguiu se aproximar dela porque Miguel não a largava. Ficou meio doido de raiva e fez o que fez! Bem! Mais um caso triste resolvido!
Será que a raiva acumulada pode transformar um ser humano normal, em um monstro assassino? Qual a química que se forma no cérebro para que isso aconteça? Já vi pessoas irem se exaltando aos poucos até fazerem uma besteira, que mais tarde se arrependem. Nessas ocasiões penso que mais vale o controle da língua, pois é ela que faz com que palavras se transformem em instrumento de discórdia e desunião. Ou perda da razão! No caso do vendedor de carros, foi o acúmulo da ira contra Miguel que o transformou em um demolidor! Caracas! Tem de tudo neste mundo! E aqui de cima de meus dezessete anos, fico tentando entender a humanidade. Árduo trabalho.
No dia seguinte fui visitar Reika. Ela estava com a fisionomia triste, o olhar sombreado por alguma coisa que não a deixava feliz. Então perguntei:
– Amiga! Que está deixando você tão triste?
– Ainda não assimilei a ideia da perda de meus amigos, e a presença deles é ainda muito forte por aqui.
– Você sente a presença deles?
– Sinto! É como se estivessem aí sentados no chão como sempre ficavam. Apenas não os vejo!
Ficamos conversando sobre Sara e Miguel um tempão. Até dona Valey nos chamar para o almoço.
Mais tarde nos dirigimos ao farol. O vento estava forte e fazia os arbustos e flores do caminho dobrar-se. Chegamos ao alto ofegando.
Reika aproximou-se da beira do morro, local onde este tem uma espécie de parede de pedra que desce reto até as rochas lá embaixo. Estendeu os braços para o mar, e como Sara fazia, fez uma oração em voz tão baixa que não pude decifrar. Fiquei em silêncio e mentalmente acompanhei suas orações a minha maneira.
Após a oração, em pé a beira do morro, com os cabelos negros voando com o vento, Reika falou:
– Vanessa! Todas as coisas que nos acontecem, nós, em algum momento da vida, a criamos em nossos pensamentos. Por isso, nunca pense em nada que possa resultar em tristeza ou perdas em sua vida. Faça um grande esforço para só criar coisas bonitas, alegres, de sucesso, para que você tenha em seu futuro somente alegrias. A melhor fase da vida é a nossa, agora que somos jovens. Por isso ainda prevalece em nossas mentes o descuido pelo que possa nos acontecer lá na frente. Por isso mesmo é que precisamos nos esforçar, para jogar lá para o nosso futuro, só coisas boas.
Ela voltou-se devagar e olhou-me nos olhos:
– Nunca deixe ninguém machucar você, de forma que a mágoa a deixe com ódio ou rancor pelas pessoas. Faça o possível para nunca machucar ninguém da mesma forma. A pior coisa é um coração ferido e azedado pela mágoa e rancor. Homens matam ou morrem por esse motivo.
– Outros matam por amor!
– Não, Vanessa! Os que dizem matar por amor, na verdade matam por paixão, que é algo muito diferente do amor.
Ficamos olhando para o mar infinito, que se perdia no horizonte sem fim a nossa frente. Cada uma de nós perdida em seus próprios pensares, não percebemos Andy chegar silenciosamente.
– E aí meninas?
Demos um salto, e com isso Reika desequilibrou-se na beira do morro, e sem que pudéssemos fazer nada, Andy e eu, ela caiu no espaço aberto embaixo de nós indo em direção às pedras lá embaixo. Desesperada, abri os braços em direção ao céu e clamei:
– Santa Sara Kali, Meu Deus, olhai agora para Reika, estendam seus braços protetores enviem seus Anjos até ela, salve-a, por favor!
E fechei os olhos como Reika fizera naquele dia do barco espatifando-se nas pedras. Após alguns segundos abri os olhos e vi, claramente, Miguel e Sara com Reika nos braços, colocando-a suavemente no solo lá embaixo, próximo às pedras, desaparecendo em seguida como uma nuvem que se desfaz com o vento. Olhei para o lado para falar com Andy, mas este não estava mais ali. Corri até o caminho que ficava nos fundos do farol e desci quase caindo pelas pedras. Cheguei ofegante ao local onde Reika estava sentada na areia, Andy pegava as mãos dela e beijava chorando e falando coisas sem nexo. Não vi por onde ele descera. Mas isso não importava, ele estava ali ao lado dela. Parei e fiquei olhando os dois com carinho. Reika me chamou:
– Aproxime-se Vanessa!
Sentei ao lado dos dois. Você viu alguma coisa? – ela perguntou me olhando firme n os olhos.
– Sim! Vi!
– Meus amigos! Eles estão sempre por perto, não? Desde que éramos crianças.
As lágrimas caiam de meus olhos sem que eu pudesse controlar. Chorava de felicidade por saber que os Anjos existem, e eles se vestem daqueles que nos são caros. Abracei Reika e disse:
– Sim, são os Anjos que vieram para lhe dar a mão.
– A proteção?
– É!
Andy olhava ora para mim, ora para Reika, demonstrava claramente que não estava entendendo nada do que falávamos.
– De que estão falando? Ainda não entendi porque você caiu daquela altura e nem se arranhou! Foi um milagre! A partir de hoje creio firmemente que Deus existe, os Anjos também, e mais uma legião de santos, todos os que vim chamando enquanto descia o caminho atrás do farol. Você nem imagina a felicidade que fiquei vendo você aqui sentada quando cheguei. Eles atenderam meu pedido!
E os dois abraçaram-se e choravam rindo! Fiquei sentada ao lado vendo a felicidade deles. Alguns metros a frente, acima das pedras, Sara e Miguel me fizeram um aceno. Eles estariam sempre por ali, eu saberia onde achá-los quando precisasse. Levantei da areia e segui em direção ao ponto de ônibus, deixei os dois curtirem a alegria de estarem vivos, e juntos.
Eu estava feliz! Sara e Miguel eram os guardiães de Reika, e quem sabe, porque não, meus guardiães também.
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