Andréa Fátima dos Santos nasceu em São
Paulo no ano de 1975. Ela cresceu na cidade industrial de São Bernardo do Campo
– SP, onde o pai tinha uma loja de assistência técnica. Os seus amigos eram
filhos de operários. Mas a pequena Andréa gostava mesmo era de passar suas
férias na casa de seus avós maternos Nico e Maria no alto da Serra Morena,
próxima a Carmo do Rio Claro – MG. Andréa não conheceu os seus bisavós, Adolfo
e Donana, que foram fulminados por um raio enquanto dormiam; deixando órfãos os
irmãos Nico, Antônio e Júlia; todos com menos de dez anos. A casa onde ocorreu
o evento traumático também era outra, ficava no vale – e não no cimo – que
depois veio a ser tomado pelas águas da represa de Furnas. Andréa e seus pais não
tinham o hábito da leitura. Ela conta que em sua casa, em São Bernardo do
Campo, havia apenas dois livros: um de receitas e a Bíblia, ambos intocados.
“Um dia ao ano, o Sol se botava global
dentro da casa de Eneido, a caverna inteira se iluminava, os azuis das corujas
viravam piscinas. Durava o tempo de debulhar uma espiga, pegando a segunda, já
era minguante a luz na abóboda.”
Acontece que Andréa era muito curiosa,
imaginativa e gostava de escrever. Era-lhe natural suas ideias transcenderem a
realidade, nua e crua, avançando as fronteiras do fantástico e do maravilhoso. Aos
17 anos Andréa mudou-se para São Paulo, onde foi morar com o seu namorado,
fotógrafo, alguns anos mais velho. Ela passou então a adotar o pseudônimo de Andréa
del Fuego – pela cor vibrante do fogo e pela sonoridade peculiar advinda da
conjunção dessas palavras. E foi a partir daí que publicou a trilogia de contos
“Minto enquanto posso” (2004), “Nego tudo” (2005) e “Engano seu” (2007) que a
projetaram em definitivo no cenário da literatura brasileira contemporânea. Assim,
o que poderia ser inicialmente encarado como uma fraqueza (ou fuga) veio a
tornar-se sua grande virtude. É para poucos dominar tamanha energia
canalizando-a de forma construtiva em obras de valor estético.
“Estavam anestesiados, outra gravidade
debaixo do teto das corujas. O corpo e o pensamento na preparação de algum
corte, como a febre antes da bolha estourar, a tontura antes do desmaio, a
melhora antes da morte.”
Foi no ano de 2006 que, através de um
amigo cuja mãe tinha uma livraria em Curitiba – PR, eu fui praticamente forçado
a ler “Minto enquanto posso” e, na seqüência, implorado pelo empréstimo de
um raro exemplar de “Nego tudo”. Esse amigo sabia que eu gostava de escrever, mas
àquela época não tinha o hábito da leitura. A identificação foi imediata; essa
foi uma experiência importante para o meu amadurecimento; a percepção de que a
literatura possibilitaria trabalhar determinados conteúdos oníricos e psíquicos
constituindo um suporte suave (ou nuvem) para a realidade (cama de faquir). Aconteceu
assim de eu me tornar escritor (em menor grau) e também um leitor
(principalmente).
“Ia voltar sozinha, como saiu, mesmo que
o destino não fosse a Serra Morena. O ponto de origem não foi a paisagem, mas o
estrondo na casa dos pais. Disseram que no mar caem mais raios, podia ser
atingida por um e voltar para casa.”
Em 2010 Andréa publicou o seu primeiro
romance, intitulado “Os Malaquias”, o mesmo sobrenome dos seus avós maternos, e
dedicado à vida desses seus antepassados na Serra Morena do início do século
passado. A obra lhe valeu o Prêmio José Saramago de 2011. Pelo que li a
respeito, o livro nasceu após uma longa gestação em Andréa. A ideia de escrever
o romance surgiu de questionamentos quando da morte de sua avó Maria, a esposa
de Nico. Sua primeira versão foi escrita entre 2003 e 2005, mas então a obra não
se encontrava madura. E o seu tio-avô Antônio, anão como no livro, faleceu enquanto
Andréa trabalhava na retomada do romance. Imagino o quanto deve ter sido árdua
a tarefa de debruçar-se sobre a história dos irmãos órfãos Nico, Antônio e
Júlia; enfim, sobre suas próprias raízes; tanto ancestrais, quanto aquelas de
sua infância.
“Maria ria sozinha, lá embaixo a cidade
era um buquê de vaga-lumes. Nico pousou o dedo e pôs força. Geraldina
desembocou dentro da lâmpada, vibrou em volta da espiral, excelsa. A sala se
iluminou nas quinas, os móveis fizeram sombra amena. Maria apagou as velas.
Antônio bateu palma olhando para o teto.”
A linguagem é simples, ágil, fluida em
“Os Malaquias”. Andréa soube dosar a realidade aos conteúdos oníricos para a
construção de uma narrativa compreendendo todo o espectro da vida. Equilíbrio
entre os pólos exterior e interior no humano. Creio que este é o magnetismo, o
que atrai e torna essa leitura gratificante. Andréa conta: “O Prêmio José
Saramago é que pagou o parto que eu queria, com a equipe que eu queria, parto
humanizado.” Francisco nasceu no ano de 2012; é filho da escritora com André, o
fotógrafo, seu marido e companheiro desde os 17 anos de idade. Atualmente ela é
colunista do programa Entrelinhas, da TV Cultura, tendo produzido matérias
sobre diversos autores: Murilo Rubião, Roberto Bolaño, Anna Akhmátova, Julio
Cortázar, entre outros.
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