Chego um pouco antes do horário estipulado para o check-in. Dou um tempo no bar do hotel, que tem um enorme “Hipotálamo’s” em neon azul piscando na porta.
Meia hora e duas taças de vinho depois, adentro o aconchegante salão do cerebelo. Sento-me num sofá de córtex e abro o jornal do dia, ainda intocado sobre a mesinha de centro. Avisto de lá o saguão lotado. Pelo menos umas 70 pessoas, vestindo túnicas verde-água, buscam alojamento na memória. Querem acomodação a todo custo, mas poucas são aceitas pela recepção.
- Temos que ser seletivos, infelizmente não há lugar para todos.
- Mas eu fiz reserva...
Na recepção também ficam as chaves dos acontecimentos, alinhadas para facilitar o acesso quando necessário.
Escadas em caracol fazem a comunicação entre três imensuráveis pavimentos. São dezenas de quartos, cada um deles contendo 365 dias vividos. Pelos corredores há quadros de pessoas e lugares. Uns estão impecavelmente conservados, a tinta ainda parece fresca. Outros têm carunchos nas molduras, as cores perderam o brilho e a tela está puída em vários pontos.
Chamo o elevador junto ao boy com o carrinho de malas. Ajeito a bagagem no armário da suíte e mergulho na banheira.
É boa e reconfortante a sensação de estar envolto em massa cinzenta, morna e homogênea. Desliza nesse momento pelos ombros toda a tuabuada do 8, enquanto o Chimarrão, meu primeiro cachorro boxer, surge refletido em preto e branco no espelho.
Pouco depois desço ao refeitório, onde todos alimentam vorazmente suas lembranças. Fatos aparentemente esquecidos estão dispostos em baixelas de prata e taças de cristal. Um garçom me serve águas passadas e entrega a comanda para rubricar.
A equipe de monitores se aproxima de minha mesa e anuncia a sessão de cinema às três, na glândula pituitária. Quinze imensos telões mostram imagens de webcams flagrando em tempo real o comportamento dos neurônios.
Sigo as placas indicativas para o salão de jogos. Um sujeito alto, uma espécie de crupiê trajando smoking, é quem dá as cartas. Está o tempo todo de costas, impossível ver o seu rosto.
Na piscina, um tobogã vai atirando um sem número de pessoas na água, uma após outra, em estonteante velocidade. O avô que só conheci por fotografia, a mãe aos 15, o pai aos 25, a vizinhança, amigos e inimigos, celebridades e gente vista unicamente de relance.
Anexa ao complexo aquático, a sala de massagem oferece uma nova técnica de relaxamento, à base de impulsos elétricos. Após exame médico, o hóspede aguarda a próxima sinapse numa espreguiçadeira revestida em tecido felpudo com o logo do Hotel.
Há um aviso em letras garrafais numa das paredes do deck, um pouco abaixo da bóia salva-vidas:
“Pedimos aos senhores hóspedes que não transitem entre o hemisfério esquerdo e o direito sem autorização prévia da gerência”.
Feito o tour de reconhecimento, me aninho ali, numa dobra de miolos rente à sauna a vapor. Viro de um lado para o outro, estico as pernas, puxo as cobertas e pego no sono. Ronco longa e ruidosamente, a ponto de colocar em alerta todo o sistema nervoso central.
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