Querido
amigo,
Passei
pela sua casa, lá você não estava, havia o silêncio dos livros fechados,
trancados em pilhas, recordei da sua empolgação ao ler um conto do Herberto
Helder, ao concluir a leitura, você dizendo: - Não pareceu tão bom, como da primeira vez que li! Nunca tinha visto
o rosto do seu pai, se lembra da infância? Para nós, a figura de um pai era
aquela que não chorava, não adoecia, estava sempre forte, indo e voltando do
trabalho. Meu pai me colocava em seu pescoço e lá do alto, caminhávamos pelo
bairro, rumo ao campo de futebol, eu era um gigante de cinco ou seis anos. O
breve balançar de cabeça, as mãos no volante, um olhar ilhado entre o vazio e o
lacrimejar seguidos de um É..., era
seu pai agora, o homem oco que vi em você.
Seu filho estava calado, ocupando a cabeça com
um videogame, talvez pensando numa solução como a renovação automática da vida,
ao reiniciar o jogo, a nova chance que vem com o play.
Ando
sentindo muita preguiça, minha barba está grande, uma aluna do quinto ano, nesta
semana, me disse que havia fios brancos em meu rosto, os quais eu deveria
pintar, achei engraçado, a espontaneidade das crianças, onde é que perdemos
isso? Por que escrevi sobre este fato? Ah, lembrei, numa conversa, você me
disse que a mãe do Leonard Cohen recomendou a ele que fizesse a barba sempre
que estivesse triste, eu com o meu irremediável niilismo, te disse, que não me
lembrava do trovador canadense com a barba longa, ele deve ter sido triste quase a
vida toda.
Ontem,
numa breve viagem de trem, um desconhecido sobre o efeito do álcool, tocava seu
pandeiro e dizia que só queria alegrar os outros passageiros, ele também disse
que tudo é um problema e cabe a cada proprietário resolver o seu, eu quase
sempre blasé, senti aquilo com mais intensidade
do que as cartas trocadas entre Clarice Lispector e Fernando Sabino, livro que
eu lia naquele momento.
Enquanto
estivermos distantes, torço para que a vida se aproxime de ti, te invada como o
ar soprado pelos salva-vidas após o afogamento.
Cuide-se
muito bem! Forte abraço!
2 comentários
Sempre intenção, hein, Fernandão?! Parabéns pelo texto. Belo.
Muito obrigado. Adorei o texto!
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