Por
meio do título de uma canção, Thom York lança a pergunta: Como desaparecer completamente? Há poucos dias, ao tentar visitar a
página do cantautor Renato Inácio, verifiquei que o seu site está fora do ar,
assim como a sua página e perfil no facebook.
Renato
é paulistano, tem dois álbuns lançados nesta segunda década do século XXI, no
primeiro trabalho batizado como Porão
(2013), influenciado pela estética que percorreu e ainda se faz presente no
atual cenário da música brasileira, a mescla entre harmonias e melodias de MPB
com o universo do indie rock, ele construiu uma boa coleção de canções que
podem ser agrupadas em três compartimentos: Confusão
de palavras, Terceiro copo, Fascismo
emocional e Sincera dialogam
perfeitamente com a mescla citada acima, ecoando um possível diálogo com os Los
Hermanos, mas Renato é mais passional e direto do que o rotineiro tom blasé dos barbudos cariocas.
No
segundo bloco se agrupam canções, como a belíssima Distância, primeira composição dele segundo o que relatou numa
aparição no Record News Música,
concebida em solo argentino, quando o rapaz cursava uma graduação em Letras por
lá, o ukelele e voz nos guiam pelo ambiente das janelas existentes nas
paisagens que sobrevivem às intempéries das estações externas e internas.
Em
ritmo de marchinha, uma melancolia típica de quarta-feira de cinzas dá as caras
na canção que dá nome ao trabalho, fazendo luzir o escuro que ilumina o
frequentador daquele bloco de um homem só. As dores amorosas mal curadas se
fazem presente em Queda: Ainda não sarou/ Aquela queda foi demais.
O
flerte com o blues está em Canção
Desesperada, e se Todos os caminhos
me encaminhavam para ver o mar, canta o jovem, apontando para um desejo de
fuga da metrópole, Marginal que inaugura
o terceiro bloco, realiza a junção por meio da sonoridade rock gritada (anúncio
do que seria ouvido em Limbo) o
desconforto do tráfego a narrativa das vidas coaguladas pela paisagem de Sampa:
Não vou morrer dentro de mim/ Me leve pra
qualquer lugar, enxergando o afunilar do labirinto chamado São Paulo.
Já
em Fascismo emocional, um rock
dançante lança uma negação que o autor não conseguiu atingir, já que a arte
pode ser definida como uma escavação eterna à procura de não sei quê: Não quero procurar o eu profundo/ encontrá-lo
e viver pior que um cão.
Limbo
(2016), este bem definido como um álbum, estruturado na estética power trio, é mais violento poética e
musicalmente., tal qual, no primeiro disco do Barão Vermelho, um grito
abre os trabalhos declarando guerra em Estamos feridos.
Se
Jean Jacques Rousseau lamentou em seus devaneios: As distrações de minhas caminhadas diárias muitas vezes foram
preenchidas por contemplações encantadoras de que lamento ter perdido a
lembrança. Tendo inconscientemente aproveitado a figura do flâneur conceituada por Walter Benjamin,
Renato Inácio captou bem instantes do cotidiano, na inspirada Linha 4 (alusão ao metrô de SP), o
platonismo da paixão instantânea pela moça que caminha á frente do narrador,
uma crônica musicada com uma linha reta que explode no refrão da
impossibilidade: Quase sempre é nunca
mais, é só.
Se
numa daquelas viagens entre planetas o Pequeno Príncipe tivesse perdido o
encantamento pelo mundo, o resultado seria Asteroide,
que tem como destaque a linha de baixo do excelente Ricardo Blane.
Se
o trabalho tivesse que ser resumido em uma só canção poderia ser em Hedonismo, letra curta, gritada e ao
mesmo tempo doce, desesperançada, numa estética musical que dialoga com os
ruídos do grunge.
Renato
pode vestir a camisa do time de artistas que captaram a aura encantadora e
hostil da maior cidade da América do sul, o silêncio solo fértil onde brota o
barulho pode ser representado por meio dos versos: Agora que me transformei em cimento/ Na mesma cidade não sinto mais
nada/ Com luzes que enganam que tudo está claro/ Estamos sozinhos no
engarrafamento.
Torçamos
para que a onda de embrutecimento e emburrecimento que tenta assassinar
qualquer possibilidade de expressão da interioridade, nesta triste pátria
chamada Brasil, não tenha conseguido desanimar o jovem e promissor cantautor.
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