segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

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UM SEGREDO NA LETRA H: UM FOLHETIM DO SÉCULO XXI


É sabido que as escolas literárias aprendidas nos colégios e universidades causam a falsa impressão de que as tendências na literatura acontecem linearmente, quando findam, dão lugar para a seguinte, tal fato parece esconder a coexistência entre elas.
 O folhetim é um gênero que ficou famoso no Brasil, no século XIX, durante o período do Romantismo. Boa parte das telenovelas exibidas hoje tem como base para a construção de seus roteiros este gênero, que saltou dos capítulos fragmentados nos jornais para as telas dos televisores do século XX.  
No dia 23 de Junho, de 2018, o escritor Mário Neves lançou seu primeiro livro, o romance “Um segredo na letra H”, obra que pode ser definida como um folhetim do século XXI.  O autor se aproxima dos 80 anos e curiosamente é mais conhecido pela sua produção no gênero poema, fato que acrescenta a sua estreia no mundo editorial um sabor de desafio.
A publicação faz parte das ações culturais promovidas por um dos espaços mais importantes da cultura da zona leste de São Paulo: A Casa Amarela. O local não conta com incentivo público, nele há uma constante ação entre amigos, estratégia que possibilitou a produção do livro de Mário, lançado pelo selo desta casa de cultura.
O tempo cronológico está marcado na narrativa explicitamente, inicia em 1962 e termina em 1965, o local de clima bucólico é uma pequena cidade interiorana chamada Pedregulho, a localidade é real, há um município no estado de São Paulo batizado com este nome, mas não sabemos se este serviu como base para a criação de Mário. A narração é feita em terceira pessoa e versa sobre os acontecimentos na vida do protagonista, o jovem Horácio.  Logo no início da trama, pela quantidade de adjetivos positivos e pela exposição de um trauma da personagem, o narrador mostra que não é imparcial:

Horácio é o nome deste jovem, um moço muito admirado pelos moradores do lugar quer pela sua inteligência ou pela sua arte. O rapaz, contudo, é também conhecido pela sua timidez e introspecção. Com apenas dezesseis anos de idade carrega um trauma desde a infância, quando viu uma locomotiva atropelar e matar sua mãe... (pg.12)

Um dos fatos interessantes da obra é a possível reflexão sobre os meios de comunicação, Horácio é um radialista famoso em sua cidade, principalmente quando lê os textos do programa intitulado “A crônica da cidade”, no qual atinge grande audiência, por meio deste programa, o autor pretende criar no leitor, algo como a cumplicidade das cartas lidas em “Os sofrimentos do jovem Werther”, além de demonstrar a importância e influência do rádio, na vida das pessoas, durante os anos 60 do século passado, principalmente numa cidade interiorana.
Ao pensarmos na duplicidade de uma personagem, logo nos vem à cabeça “O médico e o Monstro”, todavia, ao exercer a função de locutor, em Horácio acontece algo como a fúria do cavaleiro que se apossa do Padre, em “Eurico o Presbítero”, a armadura e a espada de Horácio são o estúdio e o microfone. Se hoje os jovens têm a “segurança” das telas dos computadores e seus teclados para expressar suas ideias e segredos, Horácio usava o rádio:

”Os pessimistas preferem o que morre, e olhando somente a superfície do crepúsculo por certo vão dizer... É mais um dia que morre. Devemos cobrar também os pessimistas algo mais profundo: O que é morrer?...” (pg.40).

Zoroastro é um Moço rico, ele é o melhor partido da região, namorado de Helena, ele conta com o apoio da sogra, uma série de fatores que se colocam entre o herói romântico e o objeto de sua paixão.

"No dia 21 de abril, feriado nacional, o seu colégio apresentou uma peça sobre Tiradentes, na qual Horácio vivia o personagem principal." (pg.19)

Lemos acima o drama, a tentativa de associação entre o drama pessoal do protagonista com a tragédia da persoangem histórica, uma estratégia que o narrador realiza ao longo de toda obra, para conquistar a simpatia do leitor  para com Horácio, mais do que isso talvez, um possível cúmplice da personagem principal, valorizando seu sofrer, quando este chega a esboçar um suicídio no cumprimento da sentença do Tiradentes, interpretado pelo protagonista do romance. 
Pelo tempo cronológico onde foi situado o romance, faz-se notar a ausência de referência ao caos político da ditadura militar, tal como notamos no romance “O rio de todas as nossas dores”, de João Caetano Nascimento, por exemplo. Mário Neves talvez personifique esta tensão no embate entre o rico Zoroastro e o pobre Horácio, disputando o amor da mesma mulher: Helena. Mas quando o moço vem para São Paulo, tal como o personagem de “De mim já nem se lembra”, de Luiz Ruffato, não há nenhuma citação da repressão na descrição do ambiente da capital.
Mário como diz Escobar Franelas na orelha, é um romântico, que diluiu esta forma de estar e encarar o mundo na tessitura do seu primeiro trabalho. Vale a pena caminhar por Pedregulho e desvendar o segredo proposto no título.




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