É
sabido que as escolas literárias aprendidas nos colégios e universidades causam
a falsa impressão de que as tendências na literatura acontecem linearmente,
quando findam, dão lugar para a seguinte, tal fato parece esconder a
coexistência entre elas.
O folhetim é um gênero que ficou famoso no
Brasil, no século XIX, durante o período do Romantismo. Boa parte das
telenovelas exibidas hoje tem como base para a construção de seus roteiros este
gênero, que saltou dos capítulos fragmentados nos jornais para as telas dos
televisores do século XX.
No
dia 23 de Junho, de 2018, o escritor Mário
Neves lançou seu primeiro livro, o romance “Um segredo na letra H”, obra que pode ser definida como um folhetim
do século XXI. O autor se aproxima dos
80 anos e curiosamente é mais conhecido pela sua produção no gênero poema, fato
que acrescenta a sua estreia no mundo editorial um sabor de desafio.
A
publicação faz parte das ações culturais promovidas por um dos espaços mais
importantes da cultura da zona leste de São Paulo: A Casa Amarela. O local não
conta com incentivo público, nele há uma constante ação entre amigos,
estratégia que possibilitou a produção do livro de Mário, lançado pelo selo
desta casa de cultura.
O
tempo cronológico está marcado na narrativa explicitamente, inicia em 1962 e
termina em 1965, o local de clima bucólico é uma pequena cidade interiorana
chamada Pedregulho, a localidade é real, há um município no estado de São Paulo
batizado com este nome, mas não sabemos se este serviu como base para a criação
de Mário. A narração é feita em terceira pessoa e versa sobre os acontecimentos
na vida do protagonista, o jovem Horácio.
Logo no início da trama, pela quantidade de adjetivos positivos e pela
exposição de um trauma da personagem, o narrador mostra que não é imparcial:
Horácio é o nome deste jovem, um
moço muito admirado pelos moradores do lugar quer pela sua inteligência ou pela
sua arte. O rapaz, contudo, é também conhecido pela sua timidez e introspecção.
Com apenas dezesseis anos de idade carrega um trauma desde a infância, quando
viu uma locomotiva atropelar e matar sua mãe... (pg.12)
Um
dos fatos interessantes da obra é a possível reflexão sobre os meios de
comunicação, Horácio é um radialista famoso em sua cidade, principalmente
quando lê os textos do programa intitulado “A crônica da cidade”, no qual
atinge grande audiência, por meio deste programa, o autor pretende criar no
leitor, algo como a cumplicidade das cartas lidas em “Os sofrimentos do jovem
Werther”, além de demonstrar a importância e influência do rádio, na vida das
pessoas, durante os anos 60 do século passado, principalmente numa cidade
interiorana.
Ao
pensarmos na duplicidade de uma personagem, logo nos vem à cabeça “O médico e o
Monstro”, todavia, ao exercer a função de locutor, em Horácio acontece algo
como a fúria do cavaleiro que se apossa do Padre, em “Eurico o Presbítero”, a
armadura e a espada de Horácio são o estúdio e o microfone. Se hoje os jovens
têm a “segurança” das telas dos computadores e seus teclados para expressar
suas ideias e segredos, Horácio usava o rádio:
”Os pessimistas preferem o que
morre, e olhando somente a superfície do crepúsculo por certo vão dizer... É
mais um dia que morre. Devemos cobrar também os pessimistas algo mais profundo:
O que é morrer?...” (pg.40).
Zoroastro
é um Moço rico, ele é o melhor partido da região, namorado de Helena, ele conta
com o apoio da sogra, uma série de fatores que se colocam entre o herói
romântico e o objeto de sua paixão.
"No dia 21 de abril, feriado nacional,
o seu colégio apresentou uma peça sobre Tiradentes, na qual Horácio vivia o
personagem principal." (pg.19)
Lemos
acima o drama, a tentativa de associação entre o drama pessoal do protagonista com a tragédia da persoangem histórica, uma estratégia que o narrador realiza ao longo de toda
obra, para conquistar a simpatia do leitor para com Horácio, mais do que isso talvez, um possível cúmplice da personagem principal, valorizando seu sofrer, quando este chega a
esboçar um suicídio no cumprimento da sentença do Tiradentes, interpretado pelo protagonista do romance.
Pelo
tempo cronológico onde foi situado o romance, faz-se notar a ausência de
referência ao caos político da ditadura militar, tal como notamos no romance “O
rio de todas as nossas dores”, de João Caetano Nascimento, por exemplo. Mário
Neves talvez personifique esta tensão no embate entre o rico Zoroastro e o
pobre Horácio, disputando o amor da mesma mulher: Helena. Mas quando o moço vem
para São Paulo, tal como o personagem de “De mim já nem se lembra”, de Luiz
Ruffato, não há nenhuma citação da repressão na descrição do ambiente da
capital.
Mário
como diz Escobar Franelas na orelha, é um romântico, que diluiu esta forma de
estar e encarar o mundo na tessitura do seu primeiro trabalho. Vale a pena
caminhar por Pedregulho e desvendar o segredo proposto no título.
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