quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

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A FALSIDADE DO PAI NOEL - Noélio A. de Mello




Escrevo, Pai Noel, ainda pensando nas minhas fantasias de criança, quando nas noites de Natal ia dormir feliz deitando meus sonhos nos lençóis tecidos com os fios de prata da minha inocência, esperando que o senhor, sempre carregado com todos os presentes do mundo na sua sacola mágica, inaugurasse a minha alvorada com o brinquedo com que ansiei o ano inteiro na minha doce e iluminada infantilidade.
Quantas cartas eu lhe escrevi falando dos presentes desenhados na minha imaginação e que não esquecesse de colocar o tão esperado brinquedo reluzente sobre os meus sapatos arrumados na janela, que mesmo cambados pelo tempo, eram os meus únicos e necessários depósitos de sonhos. Os mesmos de todas as crianças de uma época em que víamos o senhor somente nos cartões de natal, nas fotos dos jornais, nas maravilhosas criações do nosso espírito, nas férteis aspirações das nossas mentes.
Confesso que não tive tantas decepções. Talvez por ter aprendido desde menino a exigir pouco da vida, os brinquedos que ganhei, se não eram iguais aos encomendados, alguns me surpreenderam, recompensando, assim, o esforço do meu pai, que sempre conseguia uma maneira, Pai Noel, de esconder a sua sempre cruel e indesejável ausência.A decepção que mais me feria, no entanto, acontecia nas ruas, quando descobria que muitos outros meninos que nada ganharam, foram traiçoeiramente enganados em suas realidades de crianças pobres. Quanta revolta invadia meu coração infantil vendo o senhor, indiferente, ludibriar o anseio azul-dourado de tantos garotos sonhadores pelos presentes que deveriam chegar, entrando pelas janelas ou pelos telhados abençoados, mas que acabavam se perdendo nas suas madrugadas de hipocrisia, no rol das suas mentiras sem medidas.
Lembro de um amigo que o ano inteiro foi obediente, estudioso e o senhor, no silêncio e nas caladas da noite, tartufo, com a frieza da neve, sem respeito aos seus próprios cabelos brancos, trocou o seu velocípede prateado por um presente sem encantos, o avesso do seu sonho, mas, incoerente, leviano, foi premiar outras crianças que não estudavam, não passaram de ano, gerando no espírito esbulhado do meu pobre amigo a revolta que nasce, não da inveja, mas da injustiça, da falsidade.
Descobri que o senhor fazia do Natal, a grande noite das crianças, a mais dura de todas as decepções, ficando, impiedoso, a machucar tantos corações puros, inocentes, ingênuos. E depois, insensível, se refugiava, por um ano inteiro, no seu mundo gelado, cômodo, sem deixar uma palavra de conforto para quem fora traído e tão cedo já se sentia esquecido pela vida, golpeado pela má sorte, enganado pelo destino.E o que pensarão os meninos de hoje, Pai Noel? Que olham o senhor na televisão, passeando pelos shoppings, sorridente, de bochechas rosadas, que beija suas faces, que promete, olhando nos seus olhinhos delirantes, todos os presentes que só a inocência de uma criança consegue sonhar.
Como explicar para essas crianças que o mundo esqueceu que o senhor, durante toda a sua existência, mentiu e enganou, jurou e não cumpriu? Essas crianças já desesperançadas por outras verdades da vida, nunca o perdoarão caso não recebam de suas mãos, que julgam pródigas, amigas, um brinquedo que alimente suas ilusões. Que nossas almas generosas, justas, presenteiem essas crianças, filhas do infortúnio, visando que o senhor possa continuar vivo entre as suas fantasias infantis, sem parecer apenas um mito, uma lenda, uma dolorosa miragem e, assim, possam continuar acreditando que o senhor é o mesmo sempre boníssimo e quase santo Pai Noel.

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