terça-feira, 8 de dezembro de 2009

0

MATADOR - Claudio Parreira

Às vezes acontece. Pode ser comigo, com você, mas neste conto aconteceu com ele: num dia de primavera, cansado de sofrer, ele resolveu matar.
Muito tempo antes já havia pensado nisso, mas a vida sempre acenava com novas possibilidades, sorrisos e coxas, e por isso ele adiava o projeto. Aí se entregava de corpo e alma, adentrava cegamente no terreno da vertigem e proclamava aos quatro ventos, aos quatro cantos do mundo: Eu sou feliz! E a sua felicidade de fato existia, era real, palpável – mas durava pouco mais que uma centena de beijos. E ele então era devolvido a si mesmo, à prisão da qual tentava mas não conseguia fugir.
Vezes sem conta ele provou o desvario da paixão. Vezes sem conta também a mesma dor se repetiu. Foi por isso que, num dia de primavera, cansado de sofrer, ele resolveu matar.
O projeto era simples: primeiro passo, esquecer o passado, fonte de toda dor. Nunca mais a lembrança das mulheres, porque era isso o que o matava aos poucos: a memória em chamas. Livrar-se do passado, só assim poderia prosseguir.
Tornar-se duro e resistente, frio, esse o segundo passo. Sempre fora vítima de si mesmo, um homem aprisionado pela ternura. Um pequeno gesto da amada o comovia ao extremo, um olhar mais doce e já se encontrava transbordando de emoção. Uma sensibilidade rara que, concluiu, precisava morrer.
Terceiro e último passo: matar definitivamente o amor que guardava em si. Assassinar o amor, sem requintes. Sufocar o amor que, vivo, não o deixaria viver.

Matador, hoje ele anda pela cidade em busca de ninguém. A mão esquerda no bolso e na direita um cigarro que nunca se apaga. Sabe que agora é pouco mais que sombra, pálida lembrança de outrora, e por isso não se apressa nem se impacienta: tem a vida inteira para morrer.

Seja o primeiro a comentar: