terça-feira, 8 de dezembro de 2009

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Uma rede na parede - Patrícia Amorim


Entrei pela porta dos fundos. Era uma casa modesta.
Ao final do corredor havia uma sala. Uma sala com uma rede de pescador.
Uma rede de pescador presa à parede no final do corredor.
Na rede havia estrelas do mar, Iemanjá e cavalo marinho. Tudo junto com cheiro de maresia.
Fiquei encantada com tamanha imaginação.
O casal, sempre risonho, me deixava ver a rede em tons de verde. Olhava para ela e imaginava que, depois de tão cansada de pegar peixe, se aposentara na parede.
Acordei um dia e o casal havia ido embora. Vendera a casa. E a rede?
Corri para a porta da frente. Olhei através da janela envidraçada e procurei a parede que ficava a rede engraçada. Nada. A rede saiu da parede e ficou presa na minha mente.
A rede com seus enfeites foram embora, mas o cachorro ficara. Levaram tudo que era morto, mas o cachorro vivo, ficou perdido.
Ainda escuto seu uivo tristonho e comprido. Uivava perto da minha janela e eu, ali com pena, apenas sentia sua melancolia.
Rejeitava água e comida boa. Morreu de tristeza, me falaram. Foi quando soube que, de tristeza, também se morria.
Um dia, meus pais me levaram para conhecer a nova casa do casal da rede. Felizes, mostraram outros bichos de estimação. Havia um papagaio, ou era uma arara, ou quem sabe um tucano. Não dei atenção.
Queria falar-lhes do cachorro, mas com medo de ser repreendida, calei-me e fitei-os sem direção.
Pobre cachorro. Como será que a tristeza mata?
Olhei a rede na parede. Desejei que ela abraçasse os donos com seus pássaros e os levassem para o fundo do mar.
Quem sabe, se na morte, não encontrariam o cachorro tristonho e entenderiam que a tristeza, quando ataca a alma, traz uivos incontroláveis, quebrando meu sono no meio da noite.
Pobre cachorrinho. Nem seu nome eu sabia.

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