terça-feira, 8 de dezembro de 2009

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UM SONHO - Claudio Parreira

Rolava na cama, sabia que era um sonho, mas rolava e rolava na cama. Em alguns momentos parava, encontrava a si mesmo no corpo de um estranho animal e então enchia-se de pavor. Logo em seguida repetia “é um sonho é um sonho” e relaxava, o sono tornando a fluir lento e macio. O sonho, contudo, envolvia-o novamente em suas garras e ele se via como um gato, um guarda-roupas, um abismo sustentado pela vertigem.
A noite correndo solta, projétil veloz em direção ao susto, e ele na cama, rolando, sonhando. Nunca antes sonhara com tal intensidade, tal realismo: sim, era ele o cavalo que subia escadas, reconhecia seus cascos cintilantes no mármore frio e o cheiro viril que se desprendia do seu pêlo. Era também o anjo desgovernado em queda, o Expulso, o exilado dos céus. E era ainda a flecha em vôo e o ar cortado pela flecha, o caos e a plenitude, o princípio e o fim, o macaco.
Era o macaco, ele sabia, e sabia também que as lendas atribuíam ao macaco a origem do homem. Não queria sonhar-se homem, sentir-se homem, completamente homem, e por isso ele, Centauro, despertou.

1 Comentário

Paola Rhoden

Os centauros povoam os sonhos quiméricos e alucinados nas vertigens de morfeu. Abraços.