sábado, 5 de dezembro de 2009

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nas Meias, a nossa Imagem e Semelhança

por Borboleta


Sinceramente, não sei por que ainda insistimos em fazer tanto alarde em cima de imagens envolvendo pagamentos extras a nossos representantes. Como se fosse atitude demasiadamente inusitada, no país do jeitinhobol, as pessoas tentarem driblar a crise e aumentarem sua renda por meio de bicos e outras atividades complementares. Tenho certeza que qualquer sobrevivente deste solo tropical sabe de cor e salteado a lição que vigora da padaria à psiquiatria: é preciso que cada qual se arme, com unhas e dentes, na defesa do seu! Ora, se assim é, eu me pergunto, por que a classe parlamentar deveria constituir uma exceção?
Quando acontece das imagens revelarem o destino secreto dado aos cobrezinhos, então, nem se fala. Fazem todo um outro escarcéu só porque fulano escondeu a bufunfa na cueca e ciclano nas meias. Ora, ora, ora, como se fosse outra novidade, com toda esta violência disseminada pelas ruas, as pessoas dividirem seus trocados pelos bolsos e por outros compartimentos da indumentária. Se nem mesmo as senhoras mais respeitáveis hesitam em confiar algumas notas à segurança de seus sutiãs, novamente me pergunto: por que haveria de ser diferente com nossos políticos?
Por acaso, deveríamos tomá-los sob a ótica da exceção? Seríamos nós tão maquiavélicos, a ponto de exigir que nossos dirigentes norteiem-se por valores outros daqueles que guiam as nossas  próprias condutas? Depois, aposto, ainda queremos lhes imputar a culpa, quando eles se acomodam aos nossos desejos e resolvem, de uma vez por todas, medirem-se pelo outro lado da balança.        
De minha parte, longe de constituir matéria de censura, acredito que a atitude de nossos parlamentares inspira até uma certa confiança: demonstra não apenas o empenho na obtenção de novos recursos, como a preocupação e a prudência na guarda dos valores angariados. Requisitos mínimos, convenhamos, para quem se propõe a dar vazão aos interesses do povo.
Por isso, minhas suspeitas de que todo esse barulho cheira a conspiração. Talvez seja coisa da mídia, talvez uma represália do povo hondurenho, talvez alguma tentativa norte-americana de invasão da Amazônia, ou mesmo o surgimento de um novo golpe militar. Sei lá; ainda é preciso investigar. De qualquer modo, uma coisa é certa, somente alguém com acentuada propensão antipolítica poderia fazer oposição a propósitos filantrópicos tão louváveis – afinal, está claro para todos que o montante dos recursos sempre tem como destino certo a porta de um bom número de projetos sociais. Se assim é, mais uma vez me pergunto: por que toda essa perseguição àqueles que, guardando nas meias a nossa imagem e semelhança, figuram como o melhor exemplo para os nossos jovens?
Talvez, o caso é que sejamos todos um bando de ateus desocupados; afinal, não fossemos tão incrédulos e todas as noites agradeceríamos, em nome de nossos políticos, a graça por meio deles recebida.

Borboleta é a assinatura literária de Fábio Amorim de Matos Júnior.
Doutorando em filosofia, Fábio Amorim atua como professor universitário.
Borboleta, por sua vez, é escritor independente, acaba de publicar seu primeiro livro de contos – “Pára-raio de Loucos” – e mantêm vivo um sítio sobre literatura e outras coisitas mais:



2 comentários

sonia regina

Meu caro, já te enviei mensagens com comentários similares nestes dias, sobre esta crônica.

Adorei lê-la: o texto é impecável e me agrada o tom irônico e sutil, à la Machado.

Deixaria os desavisados na dúvida da tua real intenção e para alguns de nossos representantes (?) soaria como uma sentença de absolvição e elogio fervoroso:

"De minha parte, longe de constituir matéria de censura, acredito que a atitude de nossos parlamentares inspira até uma certa confiança: demonstra não apenas o empenho na obtenção de novos recursos, como a preocupação e a prudência na guarda dos valores angariados. Requisitos mínimos, convenhamos, para quem se propõe a dar vazão aos interesses do povo."

Bjs

Paola Rhoden

Como diria Sócrates, 'só sei que nada sei'.