Amâncio acordou cedo. Vindo de uma noite de sonhos seus olhos brilharam junto com o inaugurar da alvorada. Ainda deitado ficou pensado nas surpresas felizes que receberia durante todo o dia. Afinal fazia 75 anos.
Coração forte, amigo, leal, agradecia aos céus pela sua saúde. Amava a família. A mulher-parceira, amorosa, amante. Os filhos - casados, felizes. Pensou nos netos, seus novos tesouros, abençoados, sadios.
Agradecido pela sua existência, imaginava o andar do seu feliz futuro. A manhã de domingo era de um céu azul profundo. As brisas matinais do verão invadiram as janelas e ficaram a tocar sua face quase sem rugas incapazes de denunciar o seu tempo de vida. De alma jovem, pensou nas agradáveis surpresas que o almoço pelo seu aniversário poderia lhe ofertar.
Ainda na cama, recebeu um beijo da esposa, com um desejo de vida longa e feliz. Levantou-se flutuando em alegrias. Na mesa do café, uma cesta de pães e doces e um cartão falando de amor assinado por toda a família. Uma rotina agradável de muitos anos. O telefone tocou varias vezes. Eram muitos dos amigos que sua alma gentil garimpou desde a sua infância e que nunca lhe esqueciam. A cada madrugada Amâncio arquitetava ser cada dia mais feliz.
Não abriu mão da sua caminhada matinal. Andou pela praça, recebeu abraços, respirou o aroma das folhas verdes. Seu olhar cheio de poesia se estendia pela grama ainda húmida pelo orvalho da noite. Olhava os pássaros nas suas liberdades e sentido o perfume como se fosse de uma mata tropical sorriu de felicidade por aquela apaixonante manhã.
Voltou para casa com a alma em festas. Enquanto aguardava a chegada dos amigos, da família, pensava na solidão de muitos amigos. Lamentava por suas desesperanças, pelos seus futuros que tinham cheiro de miragens. Perguntava-se porque a vida era ingrata, dura, para tantos, enquanto ele conseguira tudo que planejara e almejava ainda muito mais. A chegada dos convidados desviou seus pensamentos. Voltou a sorrir.
Na hora dos parabéns, a família lhe entregou uma caixa embrulhada num luxuoso papel acetinado de cor rubra e com a marca de uma famosa loja de grife. Com os olhos delirantes e com as fantasias de uma criança, enquanto cortava aquele papel que tinha a cor da paixão, do amor, Amâncio sonhava.
Ao abrir a caixa - três pijamas de sedas. Lindos, bordados com suas iniciais. Tentou esboçar um sorriso, mas foi difícil para Amâncio esconder sua decepção. Aqueles presentes despertaram seus medos com relação à vida. Sentira que lhe viam sem um futuro de sonhos. Era como se fosse um sinal que chegara ao outono da sua vida. Pareceu-lhe um recado que seu mundo não ultrapassaria mais as fronteiras da sua casa, logo ele que planejava diariamente aumentar sua empresa, fazer viagens com a esposa, saborear a vida.
Seus planos ousados desabaram como as terras caídas. Pela primeira vez preocupou-se com a findar da vida. Com a sua possível inutilidade total. Com o tédio dos dias e com a escuridão das noites.
Foi para o seu quarto com o presente debaixo do braço e com seu espírito adormecido de dor por todos os seus sonhos que lhe foram roubados, Amâncio chorou suas desesperanças. Só, ficou a pensar no poder inexorável e devastador das asas do tempo e na insensibilidade do coração do homem. Respirou fundo. Com um dos pijamas enxugou uma lágrima que insistia em pintar o seu olhar e voltou para a sala na esperança que nem ninguém fosse sensível o suficiente para bisbilhotar o seu interior e ver o teatro de dor que, naquele momento, encenava sua alma. Agora, Amâncio sabia como são duras as leis da vida e como é angustiante querer ser humano num mundo de desumanos.
terça-feira, 18 de maio de 2010
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COMO SÃO LONGAS AS ASAS DO TEMPO - Noélio A. de Mello
autor(a): Noélio A. de Mello
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1 Comentário
Amigo Noélio,
Um Lindo Conto!
"Perguntava-se porque a vida era ingrata, dura, para tantos, enquanto ele conseguira tudo que planejara e almejava ainda muito mais."
Sensível e Humano!
Um Grande Abraço, Jorge X
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