quarta-feira, 9 de junho de 2010

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Luís Galego - mulheres...





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Ao cair da noite calada e quieta como um grande segredo, tocou o telemóvel que esquecera na biblioteca. Margarida atendeu. Ao tempo que suspeitava, sabia que eu adoecera febril daquela excessiva espera. Tratava-me com íntimo pudor como a um enfermo terminal, pronta a quaisquer esforços. Certo que quando a situação a atingiu forte sentiu um terror vago: resistiu até ao fim, mesmo percebendo que o tédio escorria de um para o outro e que o seu amor resultara inútil. Mariana já se tornara a minha âncora maior, o último peixe vermelho de um lago, duma sensibilidade tal que me deixava sem respiração.
Atendeu o telemóvel, ignoro o que perguntou. Ouvi a voz titubear, e percebi que era o momento. Gestos indecisos, um sorriso do tamanho do medo, entregou-me o telefone, colocando-o à minha frente, e ausentou-se.
- Olá! – disse numa voz doce, a voz de Mariana, mas falava com uma certa enfatuação, como quem já desprezou o sotaque, como se já não recitasse um poema açucarado.
Disse-me onde estava e deu-me um endereço junto à Cinemateca.... Desliguei, subi ao quarto, amontoei uma série de coisas numa mala, desci as escadas, e sem um abraço nem o sabor de um beijo mergulhei num vendaval de pensamentos, enquanto, pela derradeira vez, pisava o chão da minha casa.

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Cinco da manhã. Chove tanto, tanto. Estendido na mais estreita cama senti frio no coração, a alma suja de restos e a consciência de que não encontro a mulher com que sonhei. Nem em Lisboa nem no Rio de Janeiro. Nem nos sítios mais impronunciáveis. Existem mulheres, e, em todas elas, um fragmentozinho da fêmea ideal, uma carícia de espuma, um violino que gostamos de tocar, um levíssimo toque de mistério, mas em nenhuma se reúne tudo o que se espera e dela aguardamos. Nenhuma mulher agrega em si tudo isso, nem existe a única, a perfeita, a imensa, essa figura singular que nos traz bem-aventurança e nos canta até adormecermos. Existe sim a melodia do corpo feminino e muitas outras coisas que não posso compreender.... Senti-me como um turista solitário, num inter-regional que pára em todas as estações, mas sem esperança em chegar ao destino do sonho que é o verbo amar.

A noite desaba sobre as minhas lágrimas que sinto perdidas como fios de cabelo. Um cigarro, outro cigarro vai acalmar seguramente …

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Mafalda, cabelos, mãos, sal e pele, ternos lábios, rosto de Klimt, overdose de beleza. – Então na próxima quarta-feira, certo, Mafalda? Espero que tenhas gostado. Às sete e um quarto, se estiveres de acordo…a essa hora cá estarei …aqui, no hotel azul-cobalto, onde ninguém nos possa falar ou reconhecer.


Luís Galego






Imagem: Janusz Taras












1 Comentário

jorge vicente

Mais um belo texto teu, meu Amigo.

Grande abraço
Jorge Vicente