quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

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Boletim 9





REVISTA LETRAS ET CETERA - BOLETIM 9

Não só a natureza segue colorida e brilhante independente de nós. As palavras seguem soltas, sem vínculos ou alianças, capazes de exprimirem sentimentos diversos em momentos diferentes. Tudo é impermanente, a mudança é constante, os ciclos de vida se sucedem como as estações. É evoluindo em espiral que vamos, sem jamais voltarmos ao mesmo ponto. Nem a palavra nem a poesia ou a natureza estão aí para darem conta do que é estrita, íntima e profundamente nosso. Tampouco basta dar e/ou receber amor, esse que, como disse Clarice Lispector, nunca há de nos falhar. Há que se arriscar, aceitar os desafios e tomá-los como convites. Irrecusáveis.
Abaixo, em uma sequência, 2 textos e 2 poemas dos autores-fundadores (clicando em seus nomes, poderá acessar outras de suas obras). Dos nossos primeiros posts de há praticamente um ano atrás, dizem ainda hoje bastante bem do espírito de Letras et cetera. Nas linhas e entrelinhas desse conjunto, a nossa mensagem deste final de ano.
Para todos, um Natal Feliz! Que venha 2011!


Sonia Regina
Editora




Escrevo, Pai Noel, ainda pensando nas minhas fantasias de criança, quando nas noites de Natal ia dormir feliz deitando meus sonhos nos lençóis tecidos com os fios de prata da minha inocência, esperando que o senhor, sempre carregado com todos os presentes do mundo na sua sacola mágica, inaugurasse a minha alvorada com o brinquedo com que ansiei o ano inteiro na minha doce e iluminada infantilidade.
Quantas cartas eu lhe escrevi falando dos presentes desenhados na minha imaginação e que não esquecesse de colocar o tão esperado brinquedo reluzente sobre os meus sapatos arrumados na janela, que mesmo cambados pelo tempo, eram os meus únicos e necessários depósitos de sonhos. Os mesmos de todas as crianças de uma época em que víamos o senhor somente nos cartões de natal, nas fotos dos jornais, nas maravilhosas criações do nosso espírito, nas férteis aspirações das nossas mentes.
Confesso que não tive tantas decepções. Talvez por ter aprendido desde menino a exigir pouco da vida, os brinquedos que ganhei, se não eram iguais aos encomendados, alguns me surpreenderam, recompensando, assim, o esforço do meu pai, que sempre conseguia uma maneira, Pai Noel, de esconder a sua sempre cruel e indesejável ausência.A decepção que mais me feria, no entanto, acontecia nas ruas, quando descobria que muitos outros meninos que nada ganharam, foram traiçoeiramente enganados em suas realidades de crianças pobres. Quanta revolta invadia meu coração infantil vendo o senhor, indiferente, ludibriar o anseio azul-dourado de tantos garotos sonhadores pelos presentes que deveriam chegar, entrando pelas janelas ou pelos telhados abençoados, mas que acabavam se perdendo nas suas madrugadas de hipocrisia, no rol das suas mentiras sem medidas.
Lembro de um amigo que o ano inteiro foi obediente, estudioso e o senhor, no silêncio e nas caladas da noite, tartufo, com a frieza da neve, sem respeito aos seus próprios cabelos brancos, trocou o seu velocípede prateado por um presente sem encantos, o avesso do seu sonho, mas, incoerente, leviano, foi premiar outras crianças que não estudavam, não passaram de ano, gerando no espírito esbulhado do meu pobre amigo a revolta que nasce, não da inveja, mas da injustiça, da falsidade.
Descobri que o senhor fazia do Natal, a grande noite das crianças, a mais dura de todas as decepções, ficando, impiedoso, a machucar tantos corações puros, inocentes, ingênuos. E depois, insensível, se refugiava, por um ano inteiro, no seu mundo gelado, cômodo, sem deixar uma palavra de conforto para quem fora traído e tão cedo já se sentia esquecido pela vida, golpeado pela má sorte, enganado pelo destino.E o que pensarão os meninos de hoje, Pai Noel? Que olham o senhor na televisão, passeando pelos shoppings, sorridente, de bochechas rosadas, que beija suas faces, que promete, olhando nos seus olhinhos delirantes, todos os presentes que só a inocência de uma criança consegue sonhar.
Como explicar para essas crianças que o mundo esqueceu que o senhor, durante toda a sua existência, mentiu e enganou, jurou e não cumpriu? Essas crianças já desesperançadas por outras verdades da vida, nunca o perdoarão caso não recebam de suas mãos, que julgam pródigas, amigas, um brinquedo que alimente suas ilusões. Que nossas almas generosas, justas, presenteiem essas crianças, filhas do infortúnio, visando que o senhor possa continuar vivo entre as suas fantasias infantis, sem parecer apenas um mito, uma lenda, uma dolorosa miragem e, assim, possam continuar acreditando que o senhor é o mesmo sempre boníssimo e quase santo Pai Noel.

 

 

Terça-feira, Dezembro 8



Um homem cultivava Esperanças em seu jardim. Dedicava a elas a maior parte do seu tempo e essa era sua maneira de ser feliz. As Esperanças, em retribuição ao carinho recebido, cresciam fortes e sorridentes, alegrando a vida do jardim e da vizinhança.
Houve uma noite, porém, em que uma grande tempestade desabou sobre a cidade. Casas foram alagadas, edifícios ruíram – e o jardim de Esperanças foi completamente dizimado, para desespero de seu dono. Tristonho, o homem passou a ocupar seus dias entre lamentos e reclamações, até que um estranho parou diante do seu portão e perguntou:
- Por que o senhor não planta Esperanças de novo?
- Não sei mais onde encontrar as sementes – respondeu o homem – e porque as Esperanças são difíceis de cultivar.
- Por que não tenta então com as Alegrias? Elas também são um pouquinho difíceis, mas as sementes estão por aí em toda parte. Basta saber o momento certo para colhê-las.
O homem ouviu o conselho do estranho e no mesmo instante passou a procurar sementes de Alegrias pela cidade. E em seu jardim, sem que ele se desse conta, as Esperanças voltavam a florescer.




Apalpei a terra em todos os recantos
E ela era dura.
Deslizei em mares e rios
E eles eram duros.
Olhei para um espelho
E ele era oco.
Por detrás de mim
Camponeses moldavam a terra
Pescadores colhiam nas águas.
Uma borboleta pousou nos meus ombros
E ela era leve.

 

 

Terça-feira, Dezembro 8



Perdoe-me,
mas o poeta não nasce poeta.
O poeta apenas nasce
e depois, se poetiza.
Ressuscita a palavra cantando,
batendo, insistindo presença
na dor, no amor;
em seguida cuspida, pesada,
cortada e lapidada.
Perdoe-me,
mas ser poeta é ver com os olhos
ao nascer e não antes de.
É desconhecer a palavra,
ser concebido por ela
e desabrochar, depois dela.
É dançar a mente,
arrumá-la constantemente
como vício permanente.
Perdoe-me,
mas ser poeta
é não parir sem ter gerado,
é saber-se dom depois do som,
é não dizer sem ter sentido,
e não sentir sem ter vivido.
Perdoe-me,
mas ser poeta, é ser depois.
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[1] NOÉLIO A. DE MELLO - Tenho duas filhas maravilhosas e um filho fascinante, que aos vinte e três anos foi chamado a conhecer as delicias do Reino de Deus. Como já era um anjo terreno, apenas se transformou num anjo celestial. Deixou-me com saudades incuráveis, mas com a certeza de um reencontro no Paraíso da Eternidade.
Dos dezoito aos vinte anos trabalhei como repórter num jornal local.Hoje tenho um coluna de crônicas no Jornal o Diário do Para, um dos maiores jornais do norte-nordeste do Brasil. Escrever é uma terapia para o meu espírito. Uma maneira de levar mensagens para tantos corações apaixonados ou sofridos, que estão sempre a contar histórias velhas sempre novas sobre as coisas da alma e do coração. Uma existência simples que aprendeu a não complicar a vida. Sem vaidades, deixo para o tempo a missão de realizar meus sonhos. Para Deus, deixo a tarefa de apagar as feridas do meu espírito.
Obras publicadas: Livro de crônicas ENTRE O RISO E O PRANTO. fevereiro de 2008. Editora Pakatatu
Próximo lançamento: A VIDA E O TEMPO.

[2] CLAUDIO PARREIRA é escritor, chargista e vigarista. Foi colaborador da Revista Bundas, do jornal O Pasquim 21, Caros Amigos on line, Agência Carta Maior, entre outras publicações. Teve contos incluídos nas antologias CONTOS DE ALGIBEIRA, da Editora Casa Verde, FIAT VOLUNTAS TUA, antologia editada pela Multifoco e também DIMENSÕES.BR, da Editora Andross.
Mora em São Paulo, SP.
Mantém na Internet o BLOG PPC!

[3] FERNANDO OLIVEIRA nasceu para os lados de Portugal em 1945, fez jornalismo desportivo enquanto jovem na Oceânia, colaborou em jornais culturais na mesma região. É poeta e tradutor literário para e de o francês, inicia-se neste momento na tradução de poetas hispânicos. Tem actualmente um livro de poesia editado em Paris, não pensa editar mais. Editou duas obras colectivas nas Bienais de S. Paulo e Rio de Janeiro e duas outras em Lisboa. Tem vivido entre Paris, Rio de Janeiro e Lisboa. Tem cinco assinaturas - pseudónimos - para os seus trabalhos: Ferool, Montefrio, Antanho Esteve Calado, Theófilo de Amarante e Fernando Oliveira.

[4] PATRÍCIA AMORIM - Tenho como ofício a formação em Direito e, como paixão, os livros, o mar e a dança flamenca. Nos momentos de aflição rabisco pensamentos e opiniões sem a menor intenção de que sejam apreciados; fazem parte apenas das horas de lucidez - ou insensatez.

1 Comentário

Noélio A. de Mello

Sonia,

Você,na sua bondade e com sua alma de poeta, sempre nos emocionando. Nossos caminhos foram abertos por sua doce audácia,por seu amor âs letras.Você com sua cultura e sensibilidade desmente a velha filosia chinesa que diz" que depois da floração tudo voltará á sua origem". Mentira, querida amiga, pois Letras et Cetera sempre será um campo florido de poesias e esperanças e jamais dará um passo atrás.Seu olhar sobre nós não permitirá isso.
Obrigado, Sonia, e parabéns pelo seu belo texto de abertura desta página, que tem o perfume das tuas mãos,
beijos
Noélio