segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

0

Os Ciganos - Capítulo XXV


Com um sinal os dois me chamaram. Seus barracos eram feitos de lona amarela, dessas usadas em caminhões de transporte para proteger as cargas. Miguel me contou que os comprou de uns caminhoneiros que por ali passavam e fez os dois barracos. Dentro havia apenas o essencial para a sobrevivência de cada um. Um catre, cobertores, um pequeno fogão no barraco de Sara, no dele não havia porque os dois confraternizavam as refeições, pratos, copos e talheres. As poucas roupas que possuíam eram guardadas em araras, feitas de arame e corda e cobertas com plásticos. O rio que desaguava no mar ali perto lhes servia de lavanderia. Tinham tudo o que precisavam, e nenhuma pessoa da cidade lhes perturbava porque todos estavam acostumados com os dois desde criança a trabalhar na praia, embora a maioria não os aceitasse por serem ciganos. Os "gadje" têm muita prevenção contra este povo. No entanto os turistas apreciavam o canto e a dança de Sara, e quase todos a procuravam para a leitura das mãos. Seus prognósticos eram tiro e queda. Santa Sara Kali a protegia.

Ao chegarmos próximo aos barracos ouvimos vozes. Os dois pararam para perceber melhor o que ocorria.

– Sei que eles moram aqui! – a voz era de mulher.

– Mas onde estarão? – agora era voz masculina.

Miguel aproximou-se devagar fazendo sinal para aguardarmos em silêncio. Olhando por uma fresta nos fundos da barraca de lona, Miguel viu uma pessoa deitada no catre e outras duas ajoelhadas ao lado. Fez sinal para nos aproximarmos e entramos no barraco. A mulher levantou-se e deu passagem para Sara que se dirigia sem nada dizer para o catre de Miguel, onde estava um jovem deitado. Era um jovem muito louro, com a fisionomia pálida e os lábios sem cor. Parecia morto. Sara sentou-se ao lado do leito, cruzou as mãos sobre o peito, ergueu os olhos para o alto e fez uma prece. Após isso, colocou as mãos sobre a cabeça do rapaz e ficou por alguns segundos sem dizer nada. Então perguntou:

– Quem são vocês?

– Somos turistas, meu irmão estava mergulhando e repentinamente passou mal. Algumas pessoas na praia nos indicaram seus barracos, e disseram que vocês poderiam ajudar – disse o desconhecido.

– São cristãos? – perguntou Sara.

– Sim! – respondeu a mulher.

– Santa Sara Kali poderá ajudá-los. Mas devem levá-lo ao hospital rapidamente. Ele deve ter se alimentado antes de fazer o mergulho, e sofreu um distúrbio por isso. Miguel chame um táxi.

Falando isso Sara tornou a levantar os olhos para o alto, e com as mãos espalmadas sobre a cabeça do jovem fazia uma oração. O jovem mexeu-se no catre, Sara chamou com um sinal o irmão do rapaz, e com sua ajuda viraram-no para o lado. No mesmo instante tudo o que o rapaz comera saiu aos borbotões para a areia que servia de assoalho no barraco. Nesse instante chegou o táxi chamado por Miguel. Colocaram o jovem doente para dentro do carro, e os três seguiram para o hospital na escuridão da noite.

– Bem! Mais uma vida salva minha Sara. Diga-me, ele ainda estava vivo?

– Sim! Mas a vida dele agora pertence à Santa Sara Kali.

– Entre tantas outras vidas!

Eu fiquei sem entender o que eles falavam e perguntei:

– Posso saber o que se passou?

Mas os dois se olharam e disseram que ainda eu era muito criança para entender.

Fiquei indignada! Criança eu? Já tinha dezessete anos!



Seja o primeiro a comentar: