terça-feira, 23 de agosto de 2011

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ÓDIO



Respiro-te. Sorvo teu corpo. mastigo tua alma em grito e sangue.
Minha falta é tua carne. Meus pasto. Me farto na água do teu olho.
Engulo teu nome e sombra, e naufrago teu sonho em minha mão.
O não da minha boca reduz o teu verbo em verme.
Meu discurso é prego. Cravo que te prega-agarra-prende nos braços de qualquer cruz.
Não te ouço. Nem preces ou lamúrias.
Meu cântico é ritual de morte.
Meu verso ferve/queima e inflama.
Chama. Labareda. Lava incandescente. Larva indecente.
Me consumo no fumo da ira que de mim esfuma/queima/emana.
Morra!

Aplausos cobrem os atores/platéia/cenários/textos/discursos. E em pé, as mãos reforçavam os afagos e os carinhos de uníssonos  elogios. E entre a imagem de todos os corpos e aplausos e sons que erguidos permaneciam. Não-erguida e de aplausos distantes; ela. Olhos que devoravam. Azuis da fúria que os encharcava. Cintilantes do mais profundo sentimento de revanche e reparação.

Contrário ao movimento dos corpos que esvaziavam. O lugar. Ficou. Corpo preso e enraizado na cadeira. Fogueira que a consumia.
No olho a imagem gravada em dor e raiva. Memória. O tempo eternamente presente. Sem passado ou futuro. Tempo do ódio.

Contra sua insistência ele dissera – Obrigado – que dela já não tinha prazer nem amor... nem raiva. Que ela – a esposa – já não era.

Com calma voz que a esfaqueava com vagar e precisão, ele desvendava a golpes de verbo, seu orgulho, vaidades e defeitos. Destruía o corpo e a mente. Cada palavra reduzia o corpo, deturpava a alma e a resumia a um triste engano.

Seria ela. Nada? Um engano?
Um engano.
E a outra?
O cheiro do perfume outro. Do corpo outro. Entranhado, imbricado no dele.

Um engano a alegria repentina e as ausências repetidas.
Um engano?
Doze anos. Doze anos. Engano?
E agora a traição. O tombo.
Traição. Sim. O corpo que se furta, que se movimenta entre os interstícios das questões inadiáveis. Das falas evasivas que circulam/giram/rodam em ecos de verdades não ditas.
E então a outra. Revestida da juventude que, nela, ele devorou. Coberta de vida intensa.

Explicações. Lógicas. Sensatez. Lágrima de cimento. Olhos em sangue. O coração em berro/choro/urro.

Depois ele e todas as tentativas. Justificativas. “Bom para os dois.” “Melhor para você.” “Tinha que entender.” “Coisas que acontecem.” “Somos adultos.”
Divórcio?
Negação e recusa. Agora o outro tom. Ríspido. Duro. Sem pressa.
No camarim as outras vozes. Olhos de ver profundezas. Braços que corriam. Pernas que imploravam. Bocas que morriam nas paredes do silêncio.

A arma. O disparo. Lágrima em chamas. Corpo. o fim.
Aplausos.

2 comentários

Remisson

Interessante texto que obrigou-me a ler mais vezes para digerir e saciar a minha sede e a minha fome de um alimento novo e altamente saudável.

Ronie Von Rosa Martins

Valeu pelo comentário Remisson.
Abração.