O sol ainda não chegara ao pátio. Embora vazio de pessoas e calor, continuava lhe parecendo aconchegante. Fumava na pequena varanda em frente à sua sala e os raros transeuntes lhe sorriam – sorrisos que recebia como presentes matinais.
Mas o que mais gostou naquela manhã foi ver o que os colegas aprontaram em sua ausência.
Nunca trabalhara todo o dia: ser profissional liberal trazia certas facilidades. Contudo, sempre invejara os funcionários que tomavam café com pão fresquinho antes do expediente de horário integral. Suas expressões diziam algo alheio ao seu entendimento, mas que devia ser bom.
Agora experimentava esse prazer, a duas semanas da aposentadoria.
Depois de muito rascunhar sobre os risos coniventes, expressões deliciadas, a conversa fluida, a quentura nas mãos e nos lábios, a margarina derretida, a fumacinha branca vinda do líquido negro, percebeu que a imensa satisfação independia de margarina ou manteiga e estava além e totalmente fora das possibilidades de uma narrativa.
Compreendia tratar-se de Comunhão – o que vivia pouco com seus pares.
Na véspera dissera “adorei um vento moleque”, ao destacar essa expressão em um verso. Tal comentário deixara-a mais perto do poeta que o escrevera, num lugar ainda muito distante do autor que, em um dia qualquer, experimentara aquelas molecagens.
Comungar a palavra talvez seja da ordem do impossível. A palavra não é como o café da manhã dos trabalhadores, reunidos antes de começar o expediente.
Sonia Regina
21082011
2 comentários
«Comungar a palavra talvez seja da ordem do impossível.»
E, contudo, que mais há a comungar?! Todos os dias são de comunhão/escrita, mas até que ponto somos bem comungados/lidos… Sim, mais fácil o pão com manteiga molhadinho no café.
Bjinho
JFernandes
Tão simples e eu com caraminholas, não é mesmo?
Obrigada, amigo, pela leitura e por comentar.
Bejinhos
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