I - A PASSAGEM
O ar morno da noite, na costa leste, descia solene na lua de prata. Estrelas brincavam e se compunham mais próximas, ensaiando vermelhos e dourados em torno de plácidos azuis. Nenhum som vagava mais rápido que o silêncio da floresta, e a umidade do magneto, no castelo de Atílio, era pacífica e rarefeita em sua composição.
Na curva da esperança Marian sonhava os dias escorridos na terra. Os passos eram distantes e solenes e temia perturbar-se de seu perfume e destino. Era impossível, porém, ignorá-lo, pois nenhum outro homem conseguia , daquela maneira, emanar os recursos da vertente e suas dádivas.
- Atílio, que espera para sentar-se ao meu lado?
- Teu convite, Marian – e pode sentir a inteira dor de sua presença e a avidez de seu hálito.
- Tanto tempo para estarmos sozinhos novamente – e tocou-lhe a mão.
- Sem você os anos perderam-se de seus nós e, quase vadios, soltaram suas mágoas.
- Não me faça chorar, Atílio. Nenhuma outra dor pode ser maior do que a de ter te conhecido e ainda assim ter partido.
- Mas assim o fizemos e já não podemos voltar atrás.
- Deixe-me, nesse primeiro dia, vagar no sonho de nossa eternidade.
- É feliz , Marian?
- Sou, Atílio, da forma que uma mulher pode ser feliz depois de te conhecer. De uma felicidade vazia e desvanecida, frouxa e satisfeita, livre e leve por sobre o solo. E você?
- Da forma que um homem pode ser feliz depois de ter sido queimado pelo teu calor, Marian. Com os olhos pregados nas estrelas e o coração fornecido no tempo e nos afetos de seus rebentos.
- Vive-se como se consegue quando nos afastamos do próprio centro.
- Acorda-se como se sabe quando perdemos nossa estrela da manhã.
- Fluo na leveza.
- Instalo-me na aérea firmeza da terra.
- Sinto falta de tua firmeza.
- Ressinto-me da ausência de tua alegria.
- E nada no mundo pode te substituir.
- E não conheço coisa alguma que tenha tua forma.
E suspiraram. O sal de suas lágrimas não alterou a brancura da lua, nem a festa do córrego que subia a encosta da floresta.
- E as vezes esqueço teu nome...
- Apaguei, em meu peito, as pegadas de tuas vestes, pois poderia beijá-las, desavisado...
- Como pudemos amar tanto e nunca sabê-lo?
- Eu o soube, mas guardei teu perfume e teu encanto como ferida aberta na terra de meus deveres.
- E generoso, não me mostrou a estrela que quase se perdia, para não ofuscar-lhe a liberdade – trajetória que a pousa na leveza da nascente e seu cálice.
- Foi assim, Marian.
- Já faz algum tempo que pude entendê-lo, Atílio, e refiz as águas do rio com minhas lágrimas. Prometi acender, em todas as velas, a magnitude de meu grande senhor. Foi correspondido.
- Eu sei.
- E ainda assim se calou. Talvez, para que pudesse me envergonhar tanto assim?
- Foi para te guardar maga de meu reino, pronta a acender-lhe as luzes e a refazer o caminho de seus príncipes.
- Acenderei em cada povoado, aonde a mão e a voz da maga laranja alcançar, o incenso da tua generosidade.
- E não chore minha querida.
- Não deixe que minhas lágrimas ofusquem o ritmo satisfeito que se abre na tua estrada. Mas, é fato que nunca deixarei de te amar.
A sombra do tempo deteve-se nos dois amigos. Os anos não haviam quebrado os seus corpos de magos incansáveis e suas almas recolhiam-se na devoção da afeição. Quando seus olhos se encontraram, novamente desceu Marian à terra ardente de seus desatinos. Antes, porém, que pudesse beijá-lo, Atílio tocou seus lábios :
- Ainda não, Marian. Um dia conseguiremos ultrapassar o desejo de nossos corpos e libertarmo-nos da sede de posse. Assim conseguiremos ir para mais além, pousando no magneto a renovação de seus apóstolos.
2 comentários
Parabéns pelo seu blog!! é Muito dinâmico e com personalidade!!
Sucesso no TopBlog 2011!!
http://penseomananha.blogspot.com/
Gratos, Nilton!
Gostamos do seu blog, também.
Boa caminhada!
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