Cólicas
As
cólicas provocavam-lhe uma agonia sem vómito.
Tentou
distrair-se enquanto escrevia mais um texto, mas as guinadas eram cada vez mais
agudas. Não havia palavra que não fosse terminada com uma dor violenta que obrigava o corpo a debruçar-se sobre o teclado. Pousou as duas mãos na barriga. Só assim conseguia
estar imóvel.
Tinha
arrepios de frio, as pernas não conseguiam estar quietas, a boca rasgava-se em
dor e uma indefinível inquietação preenchia o seu ânimo.
Os
dedos voltaram a insistir nas vogais e consoantes do teclado. Guinada. Dor. Abriu
a boca para o corpo expulsar o mal que havia nele, mas nada saiu. Correu para a
casa de banho, não sabia por onde sairia toda aquela agonia, e ficou sem saber,
pois voltou para o escritório com as mesmas dores, com a mesma obstipação.
Tinha
estado numa livraria, de manhã. Lentamente, o incómodo foi crescendo e
crescendo até, ao pegar num livro, ter levado uma mão à boca. Não se mexeu. As
pernas ficaram amarradas pela vergonha. Olhou em volta, percebeu que ninguém
tinha visto, pousou o livro, e saiu.
«Preciso
de ar fresco»
Telefonou
para desmarcar um encontro.
«Tens
de fazer dieta e comer melhor», disseram-lhe. Sorriu e minimizou a importância do
seu próprio tamanho. «Sou pessoa de três dígitos», respondeu.
«Tens falta de fibra»
«Não
digas isso…»
«Bebe chá. Tens falta
de chá.»
«De
que tipo?»
«Sei lá… vai
experimentando.»
O caminho para casa foi demasiado longo. Cada sinal de trânsito provocava um momento de desespero.
«Não vou chegar a tempo, não vou chegar a tempo...». Mas conseguiu chegar a casa sem sofrer qualquer acidente.
Entrou, despiu o casaco e passou a mão pelas gotas que escorregavam na pele do rosto.
Pousou as chaves, foi para o escritório, sentou-se à secretária e ligou o computador. Pousou as duas mãos na barriga .
Olhou
para as fotos sobre a secretária, espreitou os jornais on-line e decidiu enfrentar o cursor que aparecia e desaparecia na
página vazia.
Começou
a escrever palavras ao acaso, sem sentido, à espera de que o texto aparecesse. As
frases começaram a surgir e a dor aumentou. Batia
furiosamente com os dedos nas teclas, com grande velocidade, empenho,
percebendo que havia algo ali de que gostava muito. Os arrepios de frio
percorriam o seu corpo, mas não parava de escrever, as dores de barriga aumentavam, mas não desistia. Olhava para o teclado e mal corrigia o que aparecia na folha em branco
até lhe chegar um odor desagradável, pestilento, das suas mãos. Cheirou-as,
olhou para a cadeira e sem mais demora correu para a casa de banho. Puxou a roupa para baixo e sentou-se com alívio.
Deixara a porta aberta. A casa cheirava a algo morto. O cursor piscava, implacável.
Deixara a porta aberta. A casa cheirava a algo morto. O cursor piscava, implacável.
2 comentários
Cólicas várias dos dias que nos afligem.Sempre muito bom ler você meu amigo.
Obrigado, Arnoldo!
É muito bom ter feedback de parte de quem lê.
Um grande abraço...
As cólicas são tramadas.. :D
M
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