O VOO DO MENINO
O menino não tinha asas, mas queria voar.
Passou dias recolhendo ideias que pudessem servir para a feitura
de suas próprias asas: garrafas de plástico vazias, palitos de sorvete, pedaços
de cartolina, lápis de cor e cola.
Pegou os cordões dos tênis do pai e os escondeu debaixo da cama. Fez
o mesmo com um soldado de brinquedo do irmão mais velho e alguns retalhos da
caixa de costuras da avó. Trancou-se no quarto por horas, sem que ninguém
percebesse sua ausência. Nem pai, nem irmão, nem avó. Se conseguisse, o menino
voaria pra longe dali.
Quando saiu, carregava nas mãos o brinquedo, não mais soldado, mas
menino. O boneco vestia uma camiseta feita de retalhos e cola por cima do uniforme
camuflado, e tinha no capacete uma aba de cartolina colada com fita adesiva,
como um boné. Os braços, abertos, sustentavam pedaços de palito de sorvete, que
serviam como suporte para lâminas verdes de garrafas de refrigerante e outras
de cartolinas coloridas por lápis. Ainda, presos à cintura do boneco, os
cordões dos tênis do pai, amarrados um ao outro para maior extensão.
O menino foi até a árvore do fundo da casa, uma mangueira velha
que já havia desistido dos frutos. Subiu o mais alto que pôde e amarrou a ponta
do cordão em um galho grande, proeminente, que recebia muito do vento quente daquele
fim de verão. Desceu, deitou no chão e ficou a observar o boneco balançando com
aragem morna, o plástico a refletir na parede da casa o verde-alaranjado dos
últimos raios de sol daquela tarde.
O menino não tinha asas. Mas havia conseguido voar.
Mariela Mei é toda verso e prosa. Formada no divã e na escrivaninha. Escreve para existir. Bloga em http://gracadesgraca.com .
1 Comentário
Surpreendente sua versatilidade. Amei!
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