terça-feira, 6 de março de 2012

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A ação dos elementos na natureza

Antonio avança pela antiga e íngreme rota das pedras; rumo ao cume do monte a passos lentos, sucessivos, inseguros. Espera que o tempo lhe restitua aquela sua velha dignidade da qual este mesmo se encarregou, de súbito, a tomar-lhe. A vida! A vida tem sido dura com ele. O sol do fim de tarde queima a pele enrugada de sua testa; escorre e arde o suor daqueles dias intermináveis de luta. Mas tão perversa e belicosa, que é mesmo de meter medo; uma prova para o seu ânimo de fogo; dessas de deixar os seus ideais inquebrantáveis em frangalhos, prestes a sucumbir ante as vicissitudes; enfim, deixar-se levar pelo fluxo fácil das ilusões, dos destemperos do campo.

A mata é verde e sopra-lhe o seu hálito úmido; um bafo que turva as suas retinas; são vapores doutras eras assomarem-se ao extremo da agonia, da dor; e uma gralha grasna clamando a sua rendição. Antonio segue adiante, reduz o ritmo, conduz seu corpo judiado, simples, de humano falível, pelas curvas com as últimas reservas de suas energias; mas com perseverança, a garra de uma centena mais uma daquelas gralhas, às quais ele amaldiçoa até a sétima de suas gerações.

A altura é nauseante, por vezes Antonio precisa se apoiar às pedras para não deixar-se desabar. Os galhos secos dos arbustos avançam obstruindo lhe o caminho, são como braços a agarrá-lo bradando: “Daqui você não passa, verme!” E ferem-lhe os ombros, tinge-os de sangue em alongados arranhões.

Mas eis que o caminho aplana, a vegetação abre-lhe passagem ao cimo e a gralha toma também o seu rumo, deixando-o em paz. O sol baixa à linha do horizonte, presenteia-lhe o crepúsculo, que por sua vez cede o seu espaço a lua cheia. A vida tem dessas coisas: o orvalho da noite acaricia a sua face surrada, o brilho intenso das super-novas renova-lhe o sonho e uma estrela cadente é verdadeiro bálsamo para todas as suas aflições. Então ela se achega; beija-lhe à fronte. E a isso denomina-se vida: ação do amor através dos elementos na natureza.

1 Comentário

andre albuquerque

Belo gesto,belo enredo, belo texto.Abraço, Jorge.André