O AFOGADO
Sobre a areia , numa postura de
eterno sono , devolvido pela água (rendilhado de espuma a beijar – lhe a boca).
Detentor do inerte mistério da morte , aportou na praia em manhã radiosa ,
cuspido pelo mar, como quem sonha que está a sonhar . A pálida face , envolta
por longos e louros cabelos ; nos traços suaves , uma agonia tão infinita que já
é sublime , deste companheiro de Flebas .
Que pensaste durante o derradeiro
amplexo de Netuno , atlântico abraço de acolhida em teu talvez breve morrer ?
Viste o filme da tua vida , aquele verdadeiro ou uma das muitas versões que a
mente emulou da realidade ? De quão longínqua terra vieste , pergunto em dúvida
ansiosa e inútil. Ninguém te conhece , ninguém
te sabe o nome , ninguém sofreu por ti , nem aqui nem ali e nem onde ?
Um vôo de gaivota delineia- me os
pensamentos na areia da praia , seu canto ecoa desesperante , trazendo-me idéias-sentimentos
sombrios, medo de ter medo de encontrar um morto , de que a eternidade me
arraste para si mesma e que eu nela não me dissolva.Que poderias me contar
sobre o reino das sombras em tão radiosa manhã ? Nada , apenas , em toda a
simplicidade de tua mortalidade absoluta .
Bolsos repletos de areias profundas e
finas , imagino durante tua purificação pela água , irmão de Flebas, que rendeu
o seu arcaico tributo há tantos anos e eras. Na praia a esvair – se , quase
impudicamente deserta , uma menina se aproxima e te coroa com um ramo de
sargaços apodrecidos , como a memória dos tempos. Deixo – te entregue á própria
paz - que é a mesma do lugar . Tomei da minha solidão e segui em frente.
N.A
: Flebas – Deus fenício da fertilidade .
Homenagem
ao poeta T S Eliot, no 46º. ano de sua morte .(2011)
Ficção
inspirada no poema “Morte pela água”, tradução de Ivan Junqueira
em Poesia, T S Eliot – Ed Nova Fronteira – 1981
. Postada no Portal Literal-2011.
4 comentários
Maravilha. Senti daqui a maresia e a frieza da carne devolvida à terra. Triste e belo quadro, André. Abraços.
André,
Um Excelente Conto e Homenagem ao Poeta T. S. Eliot!
“Sobre a areia , numa postura de eterno sono , devolvido pela água (rendilhado de espuma a beijar – lhe a boca). Detentor do inerte mistério da morte , aportou na praia em manhã radiosa , cuspido pelo mar, como quem sonha que está a sonhar . A pálida face , envolta por longos e louros cabelos ; nos traços suaves , uma agonia tão infinita que já é sublime , deste companheiro de Flebas .”
“Um vôo de gaivota delineia- me os pensamentos na areia da praia , seu canto ecoa desesperante , trazendo-me idéias-sentimentos sombrios, medo de ter medo de encontrar um morto , de que a eternidade me arraste para si mesma e que eu nela não me dissolva.”
Um Forte Abraço, Jorge
Marcelo: muito grato pelo olhar e comentário , imprescindíveis para tentar fazer cada vez melhor .Forte abraço.
Jorge: Amigo, grato pelo olhar sobre esta ousadia de aprendiz de escrevinhador, tentando homenagear um grande poeta num dos seus melhores momentos.Abração.
Postar um comentário