Ele era grande e gordo. E estancou de
repente na rua. Dono. Bloqueando o fluxo dos pedestres que como eu tentavam uma
maior rapidez em concretizar os “pequenos” afazeres domésticos que lhes cabiam.
Cara de mau. O senhor do castelo. Rei. Fiz um esforço,
desviei. Quase tive que sair da calçada. Satisfeito ficou o grande corpo.
Afinal era ou não dono da rua?
Em casa me perguntava o motivo de não
ter agido de outra forma. Ter parado na frente dele. Em silêncio. Seria
interessante... e ridículo. Dois homens grandes se fitando, em silêncio. Duelo
na rua. Ao sol. O silêncio constrangedor. Poderia ter xingado, ofendido. Às vezes
determinado tipo de pessoas só entende sua própria língua. Uns palavrões, uns
empurrões e o caminho estaria limpo. Talvez rolássemos pela rua. A cara cheia
de sangue. A violência e estupidez é coisa que fascina e atrai muita gente.
Alguns se comunicam somente através deles.
Mas fico pensando... o que leva um
homem. Criatura humana que alguns filósofos e sociólogos dizem ser um ser
pensante, que os religiosos teimam em aproximar a imagem de Deus, num ato de
imbecilidade e profundo “mau caratismo” se interpor, obstruir o caminho dos
outros?
Ameaçar os corpos em movimento que
precisam da fluidez das calçadas para ir e vir, com a adiposidade de sua
ignorância.
Teria essa criatura alguma pendenga
comigo, algum assunto inacabado, mistério escondido no recôndito de sua alma.
Frustração? Vingança? Cobrança? Inveja? Raiva? Ódio? Ou um mero “não vou com a
tua cara.”?
Seria isso? Minha “cara” despertaria um
mal estar terrível na construção psicológica daquela criatura, abalaria suas
certezas, seguranças e verdades? Minha presença física ameaçaria a sua
existência? Mistérios...
Desviei e passei. Ultrapassei o
obstáculo. Eu e todos que estavam na rua. O corpo ficou. Pernas abertas,
barriga proeminente e olhar severo. O pior que nem com todo aquele teatro a
criatura impunha medo. Era constrangedor...
Uma cena digna de pena. Uma criatura
digna de pena. Verdadeiro obstáculo. Obstáculo para si mesmo, pois interrompe
violentamente sua própria formação como ser humano.
Outra hipótese é, talvez, a minha grande
inferioridade. Minha minúscula presença diante de tão colossal estrutura
humana. Sou baixinho, ele grande. Talvez não tenha me visto. Essas pessoas
“poderosas” não percebem a transitividade dos simples mortais pelas calçadas de
seu reino.
Creio que fiz bem em desviar. Talvez ele
ainda esteja lá. Firmemente plantado na calçada. Estátua em homenagem a
“simploriedade” e a miséria humana.
Desviar é preciso. Mover-se para além do
ridículo e do constrangimento é essencial para mim.
Não que não tenha tido a vontade de
gritar ao dito cujo: “Vai à merda imbecil!”
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