terça-feira, 2 de outubro de 2012

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Adiposa interrupção


Ele era grande e gordo. E estancou de repente na rua. Dono. Bloqueando o fluxo dos pedestres que como eu tentavam uma maior rapidez em concretizar os “pequenos” afazeres domésticos que lhes cabiam.

Cara de mau.  O senhor do castelo. Rei. Fiz um esforço, desviei. Quase tive que sair da calçada. Satisfeito ficou o grande corpo. Afinal era ou não dono da rua?

Em casa me perguntava o motivo de não ter agido de outra forma. Ter parado na frente dele. Em silêncio. Seria interessante... e ridículo. Dois homens grandes se fitando, em silêncio. Duelo na rua. Ao sol. O silêncio constrangedor. Poderia ter xingado, ofendido. Às vezes determinado tipo de pessoas só entende sua própria língua. Uns palavrões, uns empurrões e o caminho estaria limpo. Talvez rolássemos pela rua. A cara cheia de sangue. A violência e estupidez é coisa que fascina e atrai muita gente. Alguns se comunicam somente através deles.

Mas fico pensando... o que leva um homem. Criatura humana que alguns filósofos e sociólogos dizem ser um ser pensante, que os religiosos teimam em aproximar a imagem de Deus, num ato de imbecilidade e profundo “mau caratismo” se interpor, obstruir o caminho dos outros?

Ameaçar os corpos em movimento que precisam da fluidez das calçadas para ir e vir, com a adiposidade de sua ignorância.

Teria essa criatura alguma pendenga comigo, algum assunto inacabado, mistério escondido no recôndito de sua alma. Frustração? Vingança? Cobrança? Inveja? Raiva? Ódio? Ou um mero “não vou com a tua cara.”?

Seria isso? Minha “cara” despertaria um mal estar terrível na construção psicológica daquela criatura, abalaria suas certezas, seguranças e verdades? Minha presença física ameaçaria a sua existência? Mistérios...

Desviei e passei. Ultrapassei o obstáculo. Eu e todos que estavam na rua. O corpo ficou. Pernas abertas, barriga proeminente e olhar severo. O pior que nem com todo aquele teatro a criatura impunha medo. Era constrangedor...

Uma cena digna de pena. Uma criatura digna de pena. Verdadeiro obstáculo. Obstáculo para si mesmo, pois interrompe violentamente sua própria formação como ser humano.

Outra hipótese é, talvez, a minha grande inferioridade. Minha minúscula presença diante de tão colossal estrutura humana. Sou baixinho, ele grande. Talvez não tenha me visto. Essas pessoas “poderosas” não percebem a transitividade dos simples mortais pelas calçadas de seu reino.

Creio que fiz bem em desviar. Talvez ele ainda esteja lá. Firmemente plantado na calçada. Estátua em homenagem a “simploriedade” e a miséria humana.

Desviar é preciso. Mover-se para além do ridículo e do constrangimento é essencial para mim.

Não que não tenha tido a vontade de gritar ao dito cujo: “Vai à merda imbecil!”
 

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