quarta-feira, 28 de novembro de 2012

2

LUNA 9 - JANDIRA ZANCHI





O CARRO DO SOL  -  LUNA

9.


       A noite foi subindo, alegre, mais solta, aproximando-se das estrelas.  Mona foi caminhando, os olhos no chão que refletia um brilho de lua. Foi percebendo pequenas casas desenhadas e perfiladas ao gosto oriental, os tetos em pirâmides. As janelas escuras pareciam vivas como olhos guardiães e conscientes.
- Refúgios de guerreiros....
      Sentou-se em alguns degraus de uma área semelhante a uma pequena praça. Muitas estrelas e alguma suavidade serviram-lhe de cobertor num breve cochilar. De olhos semicerrados foi percebendo, a cerca de 100 ou 200 metros, em uma casa que parecia ser o foco da claridade do lugar, um vulto. Sentado em cima do telhado um homem de cabelos longos. Embora pudesse ver-lhe apenas o perfil, sentia a intensidade do seu olhar.
- Alado...
       Foi se aproximando devagar enquanto fitava-o com intensidade. À  medida que se aproximava com mais nitidez percebia o rosto iluminado, irônico, feroz. Belo homem, considerou, que orgulho – sorriu para si mesma. Era mais do que orgulho, no entanto,  foi pensando enquanto o examinava, o perfil bravio, os olhos amendoados, uma segurança quase onipotente, ao mesmo tempo que o manto e as vestes indicavam religiosidade, simplicidade. Era um guerreiro, considerou, um daqueles homens sobre os quais corriam tantas lendas, que apenas aos maiores sacerdotes e aos futuros príncipes era dado o privilégio de conhecer. Ele irradiava, era magnífico, era como diziam.
        Ela fechou os olhos e esteve no mesmo lugar, no mesmo horizonte, uma escuridão profunda, total ausência de viventes do reino animal e vegetal, os telhados seguindo-se como uma estrada sinuosa e segura, a lua baixa, estrelas miúdas, tranqüilas, aberto e fechado aquele pouso, nenhum antes lhe pareceu tão real, tão examinado e aceito. Alado estava atrás, logo atrás, por momentos Mona temeu que ela e o homem fossem unos...
- Alado... sempre em meus sonhos.
- Talvez você seja parte dos meus.
- Você é  a matriz, sei bem. Mas, não há uma redoma, teu corpo e tua alma estão nus e abertos. Para a ação. Uma religião... um guerreiro. E o cansaço....
- Descanso na lucidez.
- E se recompensa na coragem.
- Se já sabe disso, não será esse o nosso tema. Todas as formas de vida e ação se compensam e recompensam. Iremos em torno do assunto e de minha postura na matriz.
- A casa do pai, aonde o princípio não é humano, antes, imantado na natureza, cruel, lei do mais forte, seleção, energia, força....
- Hum, hum... por aí. Força é a palavra certa.
- Poder...
- Sempre envolve poder. Claro que não necessariamente material.
- Espiritual, físico...
- Controle sobre si mesmo e sobre o meio, sem dúvida.
- Acho a vida tão mais do que isso.
- Como discutir uma afirmação como essa? É claro que a vida, quando é desenvolvida em um meio seguro, é muito mais do que isso. Você se delicia em tua sensorialidade, num misticismo levitado em uma natureza sábia, recolhida, mergulhada em uma auréola santa e levitada.
- Não a percebo assim. As florestas de meu reino são austeras, ascéticas, pastos de virgens e religiosos, uma clausura amena, porém, ainda, uma clausura.
- Refletem a índole dos organizadores do reino, é natural. O Mosteiro por condições cósmicas e humanas, é um porto seguro, oferece aos que os habitam a possibilidade de se estenderem em outros vias de evolução.
- Você diz que  dependo da força e criação de Amilton e seus discípulos.
- E se não está satisfeita....
- É porque procuro a mim.
- Quer uma criação de punho próprio.
- Acha que também nasci para a ação?
-Sim, faz parte do teu destino. Sem desacreditar teu pai – pois Amilton faz esse papel junto a você – deve aprimorá-lo adaptando a linguagem à condições mais abertas, renovadas, lúcidas, mais próximas da ciência e da liberdade.
- Mas ele...
- Já entendeu isso, permitiu que vencesse o labirinto que cerca seus domínios e procurasse sua matriz.
- Você...
       Alado sorriu. O dia amanhecia e o vigor do sol pontilhou de ruivo alguns pontos de sua barba. Ela percebeu que ele também tinha sangue ocidental e que o esgar da covinha, quando sorria, mostrava sensualidade e compreensão. Estavam agora em um pátio, ela pode divisar ao longe o princípio de um deserto e alguma movimentação nas casas próximas.
- Supunha que estivesse em um sonho, que não vivessem pessoas aqui.
- E estava e estávamos sozinhos.
     Por algum motivo ela nunca duvidaria dele. Aquele era o lugar, o momento, o guia. O dia era valente, o astro vibrava em tons laranjas, senhor do horizonte. Não havia nenhuma sombra no pátio, nenhuma dúvida em sua alma. Só correntes de fina brisa acalentando os séculos decorridos em clareza e atenção.
 

2 comentários

Penélope

E como é bom navegar pela noite, descobrindo sonhos, colando metáforas.
Depois de tudo cair em um dia cheio de brilho e luz.
Um abraço

Jandira Zanchi

É mesmo, Malu, a noite é um grande útero, mas o dia simboliza a vida. Beijo