terça-feira, 18 de dezembro de 2012

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Dançar




E então eu danço. O movimento é meu.  Me movimento ali. No interstício do desejo, na indignação do músculo que não.
Danço com o olho. Órbita alucinada. Olho de devorar.
O movimento é meu. Do coração que salta. Do estômago que retorce. Das dores todas da barriga que em movimento demarca seu poder e território.
Danço. Com todos os meus cabelos e pêlos que se eriçam. Espinhos  e espaços que se definem.
E no ar salto e rodopio. Clássico. Com mil pernas da minha cabeça, com mil braços do meu cansaço. E dobro o corpo com firmeza, treino e audácia. Não o de carne de osso de pele. Mas o outro que crio, desenho, escrevo e desfaço.
E então danço. Com todos os outros.  Danço nesse impossível do músculo que se recusa. Danço nesse espaço de foto. Estático.
Minha língua sim é dançarina. Dança meu medo e pavor. Dança os brancos que me invadem. Dança o meu não conseguir dizer-dizendo. Ordinária. Insinua-se pelas minhas dúvidas proclamando certezas. Tolas. Morderia a língua. Mas ela dança inevitável. E em movimentos pré-definidos, gestos-alfabéticos, vai resumindo, recortando e delimitando o que penso. E pensar é dançar para além da língua. Minha língua que é nossa.
Mas os joelhos também. Companheiros. Dançam no ritmo do coração. Trepidam e ameaçam toda a estrutura. Em falso. Valso.  
E a música e o ritmo?
Que toquem pois. Minhas tripas dançam. E me enforcam. Meu sangue dança e borbulha e meus olhos sorriem... ou se constrangem. Mas dançam.
Meu pé desgraçado e rebelde. Bate e rebate o ritmo, o impossível do corpo.
Criatura independente o pé. Autônomo nas questões de dança.
Mas meu ouvido dança. Com o que vibra e lhe alcança. Até com o outro corpo que ali. Também dança.


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