O CARRO DO SOL - LUNA
10.
Na manhã seguinte Mona acompanhou Alado em algumas visitas. Todas as
residências pareceram-lhe maravilhosas e todos seus habitantes seres vindos de
uma era primeva, com olhos amendoados e uma sombria – diria perigosa – emanação
de suas auras. O reino resplandecia em ardente luz laranja, mas, ainda assim,
ela não se convencia.
- Quando cheguei juraria que aqui só
restavam energias, espíritos...
- Talvez...
- Não procure me assustar.
- Assustar? – e ele lhe dirigiu um
olhar realmente assustador.
- Não vem ao caso. Uma matriz não
deveria se assemelhar mais a um corpo denso, negro, com um cenário movido a
estrelas e floresta cerrada?
- Quando o objetivo da mônada é o
controle e o poder material e/ou espiritual, sim. Mas, para o controle do
físico, do corpo material, para o poder sobre os seres da natureza, para a ação
e execução, você precisa aprender a mover-se com segurança em campo aberto, em
meio ao povo, sem redomas. O chão, os seres e os desafios serão teus
parâmetros. Permita-se um planalto – físico e mental – aonde possa sossegar e
observar, talvez sonhar e, principalmente, adquirir benevolência e sabedoria.
Mas, nunca vai poder se afastar do campo da ação sob pena de fragilizar-se.
- Devem estar equivocados sobre mim
em meu reino. Sou uma poeta, sonhadora, amo as noites luxuriosas e também as
esquálidas, sem viço, arrancadas do ventre e da lua. Não me importo de mover-me
em terreno de outrem para isso. Esse dormitório/observatório é muito arejado,
ameaçador e fulminante de claridade.
- Minhas noites são doces, porém –
ele sorriu.
- Nunca me encontrei em uma tão
ardente e também tão suave...
- Só guerreiros fazem noites assim –
insinuou-se.
- Alado...
Ele sorriu e tocou-lhe a mão. Novamente Mona
ficou confusa, distraiu-se, sentiu-se no cenário apenas com ele, era como se
retornasse a algum ponto do passado, em um lugar desabitado. Depois, ao
lado dele, perguntou-lhe:
- Já nos conhecemos?
Alado fez um leve gesto de
assentimento e, então, ele lhe pareceu, por momentos, muito mais jovem, uma
breve mudança de cenário, um tempo ainda mais anterior.
Mona não saberia precisar o
tempo em que ficarão de mãos dadas. Quando deu por si era noite, estrelas se
chegavam mais próximas, um calor agradável percorria a laje em que estavam
sentados.
- Pois bem – ele continuava de algum
ponto da conversa - o meio e os homens fazem escolhas de boa sucessão. Essa tua
boa alma deve ter conquistado os ascetas de teu reino.
- Eles têm muita paciência.
- Eu sou tua matriz, mas não sou
você. Teu processo de individuação vai indicar um estar. É um processo, um
conhecimento e uma adaptação.
- Também uma aceitação.
- Para recuperar a integridade de
tua alma e força precisa, primeiro, entregar-se à matriz.
- Literalmente?
- Intensamente. Esqueça nossas
diferenças. Você é nascida de mim ou, melhor, somos nascidos do mesmo parto.
- Você me reestrutura?
- Eu te devolvo a irradiação. Esses
anos de clausura e neblina aprimoraram o verbo e a poesia de tua alma, mas, não
foram benéficos para tua alegria e desenvoltura.
- Sei que procuro um porto, uma
legislação, um lar, um amanhecer que se configure como a luz em minha terra.
- E tua terra aceita amanhecer em
você.
- Pois então é isso mesmo?
- É, Mona, pelo menos por alguns
dias, distraia-se da lua.
- Mesmo que o sol tenha me gerado em
sua mais ímpia nascente, Alado, sou amante da noite e senhora da lua porque me
segredou suas preces.
- Pois bem, minha bela, saberei
fazer noites de púrpura e ouro para você.
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