segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

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DEPOSTO SOBRE O ABISMO - 9



Alô.
A voz não era sua. Bateu desesperança, não me pergunte por quê. Sentimento, nuvem se movendo.
Isabel?, eu perguntei, mesmo sabendo que a voz não era sua. Eu não sabia como agir, e achei que aquele seria o único modo de me fazer entender.
Peraí... Isabel! – berro! – Telefoooone! – gritou um sotaque masculino alemão. Ou seria austríaco?
E ouvi a sua voz falar coisas ininteligíveis bem longe, do outro lado, e seus passos mais e mais próximos, mancos, como se tudo isso te trouxesse até mim again, resgatasse a emoção inventada que eu sentia antes ao te ter comigo.
–Alô?
–Isabel?
–Sim.
–Vitória.
–...
–Da escola, de Paraty...
–Aaaaaaah! Puuuuuxa, tanto tempo, heeeein?
Quanta vogal, meu Deus. O que a vida andou fazendo contigo, Isabel?, quis dizer. Mas não senti vontade. Senti sim que nada era mais como tinha sido, sabe? Senti que, assim como os meus pífios, gosto dessa palavra, contatos no orkut ou colegas de trabalho, eu também não tinha mais você pra ligar num sábado à noite desesperado, quente e úmido de fevereiro. Deu vontade de não ter vontade de ter ligado. Mas não tive, porque (e talvez fosse questão de honra, ou necessidade de companhia, não questão de amor) eu ainda queria você. De volta, como no passado, como no início. E me peguei mentalizando I wish you were here.
Eu quis querer você de volta, Isabel. Mas eu não sabia que senha dar pra entrar novamente na sua vida tantos anos depois. Por alguma sorte muito grande, fosse boa ou má, o seu número não tinha mudado. Fazia tanto tempo que era quase improvável que aquele ainda fosse o seu número. Quem sabe não foi por isso que eu liguei?, pela quase impossibilidade de te encontrar do outro lado da linha?
Talvez, who knows?, eu pudesse dizer uma frase de música que você gostasse. Bee Gees, certo? Ou, who knows?, um daqueles nossos códigos secretos, que só tinham algum valor no nosso mundo, e que, por isso mesmo, perderam completamente o valor depois de não estarmos mais juntas pra mantermos o nosso mundo. Então, sem saber ainda o que eu estava fazendo, eu disse.
–Faz um pedido, que eu atendo.
Acho que você entendeu.
–Anota o meu endereço.
Anotei. Você queria O pequeno príncipe de volta e eu queria o meu LP do Queen. Você me pediu ajuda com o acordo ortográfico, eu disse que sim.
Fone batido no gancho depois do até amanhã. E, depois de muitos anos, pude deitar e dormir em paz. At last time.

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