segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

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Pequenas histórias 40 – 41 – 42

Um conto a lá Manuel Puigui.

- Olá!
- Ola, como está?
- Bem, e você?
- Melhor é difícil.
- Fico contente em saber disso.
- Depois de tantos anos resolveu telefonar? O que foi?
- Nada assim de importante...
- Sei os seus nadas importantes...
- Trabalhando muito?
- Um pouco, sabe como é esse ramo, não é?
- É. Sei. Quem diria que você se tornasse o que se tornou?
- Destino. Acredita em destino?
- Não sei. Não tenho pensando muito.
- É algo que já está criado antes de você nascer.
- Você nunca foi de filosofar?
- Não é filosofia, é uma visão de encarar as coisas.
- Sei.
- Você já viu o meu último filme?
- Sim, vi. Tinha que ver, não acha?
- Acho. Mas com sinceridade. O que achou?
- Do filme?
- Claro.
- Atraente.
- Só atraente?
- Sim. E o que mais você queria que eu dissesse?
- Ah! Sei lá, que gostou pelo menos.
- Sinceridade?
- Claro, gostaria.
- Bom, sabe que não sou muito fã desse tipo de filmes. São muitos apelativos, rústicos, grosseiros, de história tem pouca coisa.
- São feitos para serem vistos sem análise critica, apenas para vender,para o tilintar das caixas registradoras.
- Isso mesmo. Quem diria você dizendo isso.
- Reconheço o que faço.
- O que é um grande valor em você.
- Obrigado.
- O filme em si, não é desagradável, apesar das constantes cenas de sexo, mas convenhamos você precisava fazer aquela cena escrota?
- Cena escrota?
- Sim, onde você...
- Ah! Sei a qual você se refere. Acontece que se precisa entrar no mercado sempre com algo atraente ou inusitado.
- Tudo bem, mesmo nesse ramo é preciso certo nível de criatividade, mas...
- Olha, por outro lado, se você não pensou ainda, é bom pensar.
- No que?
- Na grana, no dinheiro, no verde...
- Sim.
- Portanto fiz aquela cena apenas pelo dinheiro que vou lhe dizer, compensou.
- Bom, não sei se eu estivesse no seu lugar me sujeitaria a isso.
- É você não está no meu lugar. E tem outra coisa.
- O que?
- Você que escreveu a cena.
- Epa! Espere aí!
- E não foi?
- Foi e não foi.
- Como assim?
- Eu escrevi o conto que de pornográfico não tem nada, o que tem é muito erotismo, até concordo, um pouco exagerado, mas não tão explicito assim.
- Mas você sabe que nesses filmes nada pode ser sugerido, tudo tem que ser explicito.
- Lembra do Raul?
- Raul?
- Sim, o Raul?
- Não lembro...
- Lembra sim, o Irmão da Valquíria, a Val.
- A Val, a craque dos amassos atrás da porta da quitanda do pai dela?
- Ela mesma. Seu irmão, o Raul foi assassinado no Rio?
- Sério?
- Sim.
- Skhinheads?
- Não sei sabe ainda. Estava guardando dinheiro para a operação...
- Queira mudar de sexo.
- É o que diziam.
- Que coisa.
- Pois é.
- Ele gostava de você.
- De mim?
- Sim. Dizia que nós éramos os únicos na vida dele e da irmã. Você era o cara que qualquer um se apaixonaria, e eu o bonito apenas.
- Não sabia.
- Bom, deveria, pois você me apresentou a eles, lembra?
- Lembro. Você colocava a cabeça na janela do meu quarto e fazia a pergunta sugestiva: “E aí? Ela está sozinha hoje?”
- E o que você respondia?
- Vamos lá ver.
- É. Íamos. Se estivesse sozinha... Ah! Que saudades... Afinal o que foi feito dela?
- Soube que casou com um alemão e está morando na Alemanha.
- E deixou o irmão aqui.
- Coitado. Depois que ela casou e foi embora, o cara ficou perdido.
- Sabe que por causa deles é que estou como você diz: estou onde estou?
- Verdade?
- Sim. Verdade.
- Como?
- Bom, é uma história longa...
- Conta.
- Bem, lembra você que me apresentou ela para mim.
- Sei foi. Sabe, tinha uma grande simpatia por ela. E revelo uma coisa para você.
- Oba! Segredos...
- Não, não é segredo.
- E o que é então?
- Ela que me desvirginou.
- Jura!
- Juro. Talvez seja por isso que tenha por ela uma simpatia... Olha vou te dizer outra coisa: apaixonei-me por ela, estava perdido, se ela topasse seguiria ela onde ela fosse.
- E por que não foi.
- Não sei. Moralismo, escrúpulo e, vamos e venhamos, ela se entregava facilmente.
- Isso é verdade. Lembro que ao me apresentar a ela, senti no aperto de mão toda a quentura da pele me queimando.
- Exatamente. Foi isso que senti a primeira vez que a beijei. Ela me queimou de tal maneira que, alucinado, não via o momento em que pudesse beijá-la.
- Se aquela porta contasse...
- Vou lhe dizer outra coisa.
- O que?
- Não éramos só nós dois que aproveitamos aquele recanto da porta.
- Não?
- Não. Houve outros a gozar daqueles amassos e beijos.
- Desgraçada...
- Mas acho que ela fazia isso por causa do irmão.
- Que? Como assim?
- (silêncio)
- Você sabe que ele era totalmente fraco. Um dependente da irmã. Confiava cegamente nela. Apesar de não parecer, tinha uma fragilidade feminina muito marcante, forte até em que ele aprisionava dentro de si, só se soltando quando estava com quem podia confiar.
- Certo. Mas isso não justifica...
- Não sei. Como tinha a porção feminina mais a flor da pele, fraco, tímido, sofria muito, e ela sentia-se culpada.
- Culpada? Por quê?
- Eram gêmeos...
- Gêmeos? Bem que desconfiava, achava muito parecidos.
- Como nasceu primeira, se sentia culpada e, pensado aliviar a sensação de culpa, fazia de tudo para que o irmão tivesse um pouco de felicidade. E com isso, sem ter noção do que fazia se prejudicava e ao irmão também, mais o irmão.
- Credo.
- E assim, todos aqueles com quem transou, teve que transar com o irmão dela.
- É, sei...
- O que você sabe?
- Bom... Quando... Ao saber que eu estava inteiramente louco, queria passar uma noite com ela, concordou, mas, com uma condição.
- Qual?
- Que o irmão também dormisse junto, isto é, propôs uma transa a três. Aceitei claro, se eles eram incestuosos o problema era deles e não meu só que...
- Só o que?
- Ih! Como vou lhe dizer.
- Diga.
- Bom... O irmão...
- Era gay.
- Sim. A principio foi legal, estava afim dela, assim como você, mas depois.. Não sei... Comecei a me sentir desinteresse por ela...
- O que aconteceu? Ela não correspondência mais como você queria?
- Correspondência sim, só que...
- Diga logo, para de rodeios.
- Sem notar fui deixando ela de lado e...
- E passou a transar só com o irmão? É isso?
- É.
- Caralho, então...
- Sim, descobri que sou
- E ela? Não disse nada?
- Não, foi discreta, foi se afastando sem dizer nada. Ela sabia do irmão, por isso que propunha transar a três.
- Que absurdo, que... Ah! Sei lá...
- Cada cabeça uma sentença.
- Sim.
- Responda uma pergunta?
- Sim, pode fazer.
- Ela nunca propôs a você transar a três?
- Não. Nunca.
- Não?!
- Não.
- Por quê?
- Por que ela descobriu o que eu sentia por ela.
- Será?
- Foi.
- Como sabe?
- Não sei, apenas pressenti...
- Então, por causa disso você se tornou escritor.
- Para você vê, vendi a estória para a revista e fui premiado.
- Parabéns.
- Obrigado. E você se tornou astro...
- Pode falar não me avexo mais não, astro pornô.
- Tudo bem. O importante é estar bem consigo mesmo.
- Parabéns para você também, afinal está fazendo algo que gosta.
- E qual vai ser a próxima história?
- Você nem imagina.
- Não posso mesmo, se pudesse...
- Vou escrever uma história a la Manuel Puigui.
- O Beijo da Mulher Aranha?
- Sim. As características vão ser iguais.
- E como vai se chamar.
- Os Gêmeos.
- Uhm! Está me parecendo autobiográfico.
- Até pode ser, mas não será.
- Está bem. Fico contente também por você estar fazendo o que gosta. Não deixe de telefonar com mais freqüência.
- Não deixarei.
- Falou amigo, felicidades e se cuida.
- Para você também, felicidades e se cuida.


pastorelli

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