terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

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O MITO DO ANDRÓGINO DENTRO DO CANCIONEIRO BRASILEIRO


O Mito


Aristófanes foi um poeta cômico ateniense, produziu peças teatrais de grande riqueza literária, tendo como tema a vida política da Grécia, mas no Banquete (São Paulo, Martin Claret: 2007), Platão o transformou em uma das personagens de seus diálogos, a qual além de defender sua teoria sobre a origem do amor (Eros), tal quais as demais, também defende a existência de uma terceira espécie de humanos, pois além de homens e mulheres, segundo a personagem havia um terceiro gênero, o qual reunia os dois gêneros condensados em um só corpo: O andrógino.
Esses assim como os deuses gregos, tinham a forma esférica, mas podiam caminhar entre as duas demais classes de humanos, contudo, um dia achando-se poderosos, alguns andróginos decidiram escalar o olimpo para atacarem os deuses, o que provocou nesses, grande ira, a qual foi revertida na arquitetura do plano de atacá-los com um raio, para que assim pudessem ser divididos, após o ferimento derivado de tal apartação tiveram seus ferimentos curados pelo deus Apolo.
Daí por diante tais humanos passaram a procurar suas metades, quando a encontravam, sentiam-se extremamente felizes, contudo, ao tentar a fusão dos corpos, sem o sucesso da união da origem, motivados por grande tristeza, muitos perdiam o a vontade de comer, o que os levava à morte, assim a metade que resistira, procurava uma outra, que podia ser uma dos dois gêneros humanos já existentes, a qual fosse o oposto da sua, por misericórdia Zeus decidiu transportar os órgãos de procriação dos antigos andróginos para frente, o que lhes possibilitou a procriação, pois antes se acreditava que estes nasciam da terra. Eis o fim dos andróginos, os quais se desintegraram entre homens e mulheres.


A Presença da Idéia do Andrógino no cancioneiro brasileiro


O desaparecimento dos andróginos, não pôde decretar o fim dos sentimentos de tais seres, principalmente aqueles nutridos, após o castigo dos deuses, o sentimento de sentir-se ao meio perpetua entre homens e mulheres até os dias atuais, tendo sido transmitidos por vários poetas, escritores românticos, alguns compositores brasileiros parecem ser os mais fiéis descendentes dos andróginos.
O desejo de querer unir-se ao outro ser para sentir-se inteiro aparece em toda a letra da canção Sentidos, de Zélia Duncan, após rejeitar a ação do outro, mostra que a rejeição se dá por não querer ver tais ações como um sorriso, um olhar distante, mas sim por querer unir-se ao corpo da cara metade para entender suas expressões e emoções:

Não quero os seus olhares/ Quero os seus cílios nos meus olhos/ Piscando pra mim/ Transfere pro meu corpo/ Seus sentidos/ pra eu sentir/ A sua dor, os seus gemidos/ E entender porque/ quero você.

Tais versos traduzem perfeitamente o sentimento da antiga classe humana, após a separação do corpo e o reencontro com a sua outra parte, e a constatação da impossibilidade de voltarem a ser um só novamente como escreveu o filósofo grego: quando se encontraram, abraçaram-se e se entrelaçaram num insopitável desejo de novamente se unirem para sempre.
A tristeza que causara a morte de alguns andróginos, os quais já tinham perdido o desejo de viver por não conseguirem fundir-se aos seus pares, fazendo com que não quisessem se alimentar mais, foi explicitada por Renato Russo na letra da canção Sete Cidades:

Já me acostumei com a tua voz/ Com teu rosto e teu olhar/Me partiram em dois/ E procuro agora o que é minha metade/ Quando não estás aqui/ Sinto falta de mim mesmo/ E sinto falta do meu corpo junto ao teu.

Alguns compositores podem realmente ser denominados como descendentes dos andróginos, pela precisão com a qual retratam em suas letras de amor, sentimentos originalmente comuns ao extinto gênero humano, numa versão do funk Fico assim sem você, cantado por Claudinho e Buchecha, adaptada para uma versão de voz e violão, por Adriana Partimpim, tornou-se possível perceber novamente a presença do antigo mito grego: Avião sem asa/ Fogueira sem brasa/ sou eu assim sem você. A falta de um outro fazendo um Eu sentir-se ao meio percorre toda a construção da letra.
Além de interpretar uma canção com a presença do mito, Adriana com o sobrenome Calcanhoto, também compôs uma obra, a qual já denuncia tal presença no titulo: Metade: Estou em milhares de carros/ Eu estou ao meio/ Onde será que você está agora. Mais uma vez a inadequação dentro da existência do ser que se sente incompleto sem o amado por perto.
Recentemente, a banda cuiabana Vanguart batizou seu segundo disco com o título: Boa parte de mim vai embora, frase que aparece como verso dentro da canção Nessa cidade: E não vem me dizer que é errado/  Você sabe o que aconteceu./ Boa parte de mim vai embora,/ A sua parte que hoje sou eu.
Trazendo a herança do mito para mais perto de todos aqueles que sobrevivem ao período chamado por alguns de pós-modernidade, há muitas canções que retratam o tema, portanto, este texto não o esgota, apenas pontua alguns momentos de perpetuação de um mito grego dentro da cultura contemporânea do nosso país, pois as referências à mitologia grega associada à música estão para além de Orfeu e do canto das sereias.







2 comentários

Lídia Borges


Muito interessante esta leitura. Atrai-me a cultura dos mitos da Grécia Antiga.

Um beijo

Cadinho RoCo

Tema instigante e por demais pertinente.
Cadinho RoCo