quarta-feira, 27 de março de 2013

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Retalhos quotidianos

 
 
Domingo pela manhã – Estou com as crianças jogando futebol na quadra de salão. Tenho quarenta e dois e já não consigo acompanhá-los, com um quarto de minha idade. O corpo lento, fora de forma, pouco acima do peso. Súbito, percebo a oportunidade de roubar a bola do mais novo. Faço e parto em velocidade rumo ao gol. O pequeno deixa o pé. Estou no chão de cimento, o joelho esquerdo fodido, latejando ritmado a batida do coração. Anatomia da dor: sinto cada osso da perna, com o sangue a jorrar da ferida. Olho para o pequeno e digo “vou contar para o teu pai, você vai se ver com ele!” Mas nos encotramos pouco e sou condescendente. Amo-te Davi do Santos.
 
Domingo à noite – Estou na rodoviária de São Paulo. “Boa noite! Por gentileza, quero uma água com gás.” “O Senhor deseja mais alguma coisa além da água?” “Sim.” “O que seria?” “O gás.” A atendente sorri.
 
Segunda pela manhã – Estou na barca, atravessando a baia de Guanabara, sentido Niterói-Rio. Ao meu lado um militar da aeronáutica. Sei que é da aeronáutica por causa da farda azul, daquele quepezinho ridículo. Ele houve música com fones de ouvido e segue tirando fotos da baia mesmo com a manhã nublada. (Imagino se tratar de um forasteiro, alguém apenas de passagem pelo Rio, ou não estaria fazendo isso). Eu permaneço na minha, lendo Lúcia McCartney do Rubem Fonseca. Ele tosse algumas vezes (sem cobrir a boca com as mãos). Viro-me para ele: “Não faça isso.” Ele tira os fones de ouvido “o que?” “Não faça mais isso.” “O que?” “Tossir com o fone de ouvido. Você está tossindo fino feito uma bicha.” Cara de espanto. “Ei, não tenho nada contra os gays” dou um tempo; prossigo “só não me agrada essa tua tosse de viado.”
 
Segunda à tarde – Consulta ao I-ching. “TING - O Caldeirão. ACIMA: LI, O ADERIR, FOGO. ABAIXO: SUN, A SUAVIDADE, MADEIRA. IMAGEM: O fogo continua a queimar quando é alimentado pela madeira. Uma pessoa sábia encontra seu verdadeiro lugar na vida e vive de acordo com o que o destino lhe decreta. Sua força interior alimenta suas ações e todas as pessoas se beneficiam dessa harmonia. JULGAMENTO: A chama espiritual do homem superior espalha-se para além de suas ações no mundo. Aquilo que é invisível e não possui substância física, não tem significação se não influenciar o aprimoramento das ações do homem. O sucesso vem para aqueles que, humildemente, oferecem seus sacrifícios para o maior benefício espiritual de outros”.
 
Terça pela manhã – “Degüello is the sixth studio album by American blues rock band ZZ Top, released in 1979. Degüello means ‘beheading’ or, idiomatically, ‘no quarter’ (as in ‘no surrender to be given or accepted; a fight to the death’) in Spanish and was the title of a Moorish-origin bugle call used by the Mexican Army forces at the Battle of the Alamo, Texas, in 1836.” Source: Wiki
 
Quarta pela manhã – p4r4 qu3m p3n54 qu3 5483 7ud0, um 13m8r373 : 3574m05 n3554 35f3r4 c313573 p4r4 0 4pr3ndi24d0 - 3m 70d05 05 53n7id05 .
 
Doutros retalhos – (Dos dias e das noites) quase nada apreendido. O caminhar humano claudicante, impregnado de um condicionamento de dois gumes: grossas lentes para a visão distanciada da essência, suavizando as arestas do convívio social. Bananas de dinamite atadas ao peito, noutro extremo (naquele interior). Covardes evasivas, meias verdades e estrelas de brilho opaco forram o crepúsculo consciente do cidadão, transeunte. Nada disso, entretanto, basta. As circunvoluções de lombrigas pensantes hão de vazar essas barreiras imundas.
 
O quotidiano explodirá numa miríade de cacos.
 
q     u    0   7  1 d 1  4   n    0
 
q u  0   7    1     d    1   4  n 0
 
q    u   0  7 1 d  1   4    n     0
 
Então será possível enxergar a noite.
 
 
 
 





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