Domingo pela manhã – Estou com as
crianças jogando futebol na quadra de salão. Tenho quarenta e dois e já não
consigo acompanhá-los, com um quarto de minha idade. O corpo lento, fora de
forma, pouco acima do peso. Súbito, percebo a oportunidade de roubar a bola do
mais novo. Faço e parto em velocidade rumo ao gol. O pequeno deixa o pé. Estou
no chão de cimento, o joelho esquerdo fodido, latejando ritmado a batida do
coração. Anatomia da dor: sinto cada osso da perna, com o sangue a jorrar da
ferida. Olho para o pequeno e digo “vou contar para o teu pai, você vai se ver
com ele!” Mas nos encotramos pouco e sou condescendente. Amo-te Davi do Santos.
Domingo à noite – Estou na rodoviária de
São Paulo. “Boa noite! Por gentileza, quero uma água com gás.” “O Senhor deseja
mais alguma coisa além da água?” “Sim.” “O que seria?” “O gás.” A atendente
sorri.
Segunda pela manhã – Estou na barca,
atravessando a baia de Guanabara, sentido Niterói-Rio. Ao meu lado um militar
da aeronáutica. Sei que é da aeronáutica por causa da farda azul, daquele
quepezinho ridículo. Ele houve música com fones de ouvido e segue tirando fotos
da baia mesmo com a manhã nublada. (Imagino se tratar de um forasteiro, alguém
apenas de passagem pelo Rio, ou não estaria fazendo isso). Eu permaneço na
minha, lendo Lúcia McCartney do Rubem Fonseca. Ele tosse algumas vezes (sem
cobrir a boca com as mãos). Viro-me para ele: “Não faça isso.” Ele tira os fones
de ouvido “o que?” “Não faça mais isso.” “O que?” “Tossir com o fone de ouvido.
Você está tossindo fino feito uma bicha.” Cara de espanto. “Ei, não tenho nada
contra os gays” dou um tempo; prossigo “só não me agrada essa tua tosse de
viado.”
Segunda à tarde – Consulta ao I-ching.
“TING - O Caldeirão. ACIMA: LI, O ADERIR, FOGO. ABAIXO: SUN, A SUAVIDADE,
MADEIRA. IMAGEM: O fogo continua a queimar quando é alimentado pela madeira.
Uma pessoa sábia encontra seu verdadeiro lugar na vida e vive de acordo com o
que o destino lhe decreta. Sua força interior alimenta suas ações e todas as
pessoas se beneficiam dessa harmonia. JULGAMENTO: A chama espiritual do homem
superior espalha-se para além de suas ações no mundo. Aquilo que é invisível e
não possui substância física, não tem significação se não influenciar o
aprimoramento das ações do homem. O sucesso vem para aqueles que, humildemente,
oferecem seus sacrifícios para o maior benefício espiritual de outros”.
Terça pela manhã – “Degüello is the
sixth studio album by American blues rock band ZZ Top, released in 1979.
Degüello means ‘beheading’ or, idiomatically, ‘no quarter’ (as in ‘no surrender
to be given or accepted; a fight to the death’) in Spanish and was the title of
a Moorish-origin bugle call used by the Mexican Army forces at the Battle of
the Alamo, Texas, in 1836.” Source: Wiki
Quarta pela manhã – p4r4 qu3m p3n54 qu3
5483 7ud0, um 13m8r373 : 3574m05 n3554 35f3r4 c313573 p4r4 0 4pr3ndi24d0 - 3m
70d05 05 53n7id05 .
Doutros retalhos – (Dos dias e das
noites) quase nada apreendido. O caminhar humano claudicante, impregnado de um
condicionamento de dois gumes: grossas lentes para a visão distanciada da
essência, suavizando as arestas do convívio social. Bananas de dinamite atadas
ao peito, noutro extremo (naquele interior). Covardes evasivas, meias verdades
e estrelas de brilho opaco forram o crepúsculo consciente do cidadão, transeunte.
Nada disso, entretanto, basta. As circunvoluções de lombrigas pensantes hão de
vazar essas barreiras imundas.
O quotidiano explodirá numa miríade de
cacos.
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Então será possível enxergar a noite.
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