domingo, 21 de abril de 2013

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"O que é um escritor?" Sobre o artigo de António Guerreiro


António Guerreiro, ex-jornalista do Expresso/Actual, é o mais recente colaborador do Público/Ípsilon.
Na edição de 19 de Abril de 2013, o autor escreve sobre “O que é um escritor?”.

Quando li (e reli) o artigo, surgiram-me várias interrogações:

1 Qual a razão de não haver mais textos com estas características?

Ao analisar a revista LER de Abril, duas edições do Ípsilon de Abril e uma do Actual também de Abril, pude confirmar que há uma forma de apresentação de textos críticos que se mantém na estrutura Biografia-Sinopse- abordagem do texto literário. A última parte, “abordagem do texto literário”, é constantemente subvalorizada, em profundidade analítica, quando comparada com as duas partes que a antecedem. A leitura do livro é, para o texto crítico, secundária.
Há uma corrente de pensamento que passa por entregar ao leitor um texto pronto a digerir. Não tenho nada contra isso. Há muita qualidade nos textos de alguns críticos.
O pensamento vigente (avesso a uma abordagem mais académica) implica uma crescente uniformização da abordagem ao texto literário. Acresce a essa formatação da crítica o facto de haver uma grande concentração de artigos em alguns críticos literários. Nestas 3 publicações, podem existir, mensalmente, entre 6 a 10 artigos escritos por um só autor.
O que me leva a interrogar-me, adaptando uma ideia do texto de António Guerreiro, sobre a qualidade literária das críticas quando estas são sujeitas à lógica da profissão e da necessidade de publicação (semanal, quinzenal, mensal).
O (re) surgimento do pensamento menos impressionista e que apela ao “gosto pela dificuldade” depara-se com o monopólio do que é imediatamente consumível.
Há espaço para as duas correntes. Uma não anula a outra. Aliás, polemizar é fulcral para qualquer tese.



2- Que substância tem o artigo de António Guerreiro?

Numa pequena coluna de 1500 (?) ou 2000 (?) caracteres, António Guerreiro levanta algumas questões que, maioritariamente, não são apresentadas neste tipo de publicações:

- (directamente) O que é um escritor?

- O escritor deve contribuir, nessa condição, para os “desígnios da sociedade civil?”
“É claro que o escritor autêntico, que não escreve por medíocres ou inconfessáveis razões, não pode, sem cair na superficialidade, fazer da sua obra uma contribuição para os desígnios da sociedade útil. [Georges Bataille] “

- O escritor deve estar vinculado às expectativas do leitor/mercado? Ou deve encontrar motivação no enriquecimento da Literatura? Estarão as duas vertentes desvinculadas?
“A figura de José Luís Peixoto neste cartaz publicitário deve chamar-nos a atenção para uma transformação da instituição literária, por acção destes escritores que se dirigem prioritariamente a um “público” e respondem fundamentalmente a exigências externas, o que os coloca na dependência da sanção anónima do mercado”
AG

- A morte do autor. A divulgação da imagem do escritor denuncia a menor qualidade do texto literário?
“ (…) esta boa consciência no tráfico da figura pública do escritor faz com que o Peixoto e todos os seus companheiros (ansiosos por se verem também em mupis de rua) nada tenha que ver com o que dantes se chamava “escritor”, para quem a escrita começa quando o Autor entra no seu desaparecimento, na sua própria morte”
AG

- A relação entre “Autor Maior” e “Autor Menor”. A ansiedade da influência.

Não me vou repetir, pois tenho falado sobre estes aspectos ao longo do tempo (poderão ler alguns desses textos neste blogue)

Sublinho o mais importante de “O que é um escritor?”
António Guerreiro, num espaço muito curto, fomenta a discussão.
Não é só de José Luís Peixoto que ele fala. Aliás, Peixoto nem é o mais importante na discussão. O que interessa, realmente, são as perguntas semeadas por António Guerreiro.
Ele polemiza.
O Ípsilon tem ainda mais qualidade e pluralidade. O leitor ganha muito com isso.

Mário Rufino

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