sábado, 20 de abril de 2013

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Sobre Nomes








Não é propriamente novidade dizer que sobrenome é indicativo de classe social. Uns poucos exemplos práticos mostram o quanto esta teoria é verdadeira.

Veja o caso de algumas famílias tradicionais paulistanas, que remontam às oligarquias cafeeiras e ao mecenato no século 19 e início do 20: Almeida Prado, Cordeiro de Paiva, Paes de Barros, Freitas Valle, Alcântara. Desafio alguém que me apresente um entregador de pizza com um desses sobrenomes. Sem chance de encontrar um descendente dessa linhagem fazendo compra de mês, tomando ônibus ou engolindo fogo no semáforo.

Tente imaginar um Whitaker favelado. Um Woodward feirante. Um Amstalden sem telefone, sem carro e que não more num sobradão de pelo menos 6 suítes. Aponte um Charboneau sem emprego, que não tenha herdado ou não esteja esperando a homologação da partilha pra veranear em Capri. Matarazzo ou Bulhões prestando concurso para lixeiro, conhece algum?

Desse eu gosto: Johansen. Coisa mais pomposa essa pronúncia: “Iorranssen”. Alguns falam “Iórranssen”. Tanto faz - um cara com esse nome não pode ser pobre, nem remediado. Tem uma altivez que vem de berço e o acompanha até o túmulo. Integra o seleto rol dos sobrenomes “pés-de-cabra”, que vão abrindo portas por onde quer que sejam pronunciados. Mesmo na improvável hipótese de ser um rastaquera, é tratado como dono de capitania hereditária.

Pegue agora um José da Silva. Você já ouviu falar de um José da Silva milionário? O dono da “Casa José Silva” é um que se deu bem, sou obrigado a reconhecer (nem sei se existe essa grife ainda). Mas é exceção entre milhões de homônimos, os daqui e os de terras lusitanas. O mesmo vale pra João de Souza, Maria das Neves, Sebastião Lopes. Donos desses nomes são geralmente fadados aos escalões subalternos, uma espécie de baixo clero com ascensão quase impossível. Um Souza anônimo e pobre está cumprindo a sua sina. É igual a tantos outros Souza espalhados por aí. Ser pobre é o que se espera dele, qualquer desvio de rota é acidente de percurso.

É interessante observar, por outro lado, a existência de uma certa “classe média” entre os sobrenomes. São aqueles nem muito comuns e nem muito aristocráticos, que ficam na zona intermediária da pirâmide onomástica. Nesse sortido balaio cabem os Melo, os Leite, os Albuquerque, os Peres, os Marques, os Gomes, os Barbosa – só pra ficar entre os portugueses. Um universo onde temos, em 90% dos casos, aquela família típica moradora de casa ou apartamento com sala em L, três quartos, um carro na garagem. Essa família frequenta clube, vai à igreja e tem alguma coisa na poupança. Aí se encontram também, grosso modo, aqueles que têm sobrenome de árvore – Pereira, Oliveira, Nogueira, Carvalho, Pinheiro. Além dos Ramos e os Matos, que não chegam a ser árvores mas pertencem ao reino vegetal. Como os Campos. Fico imaginando a chegada de um Machado, o estrago que não faria a essa turma.

Seguindo a lógica de que a terminação "eira" (com ou sem beira) geralmente designa uma árvore, Silveira seria uma árvore de Silvas? Escarafunchando, a gente descobre que Silva também é verbo. Eu silvo, tu silvas, ele silva. Mas também quer dizer “selva”, e por aí vai...

Do reino animal, temos uma variada fauna representada em território tupiniquim pelos Raposo, os Lobo, os Coelho, os Pinto, os Carneiro, os Leão, os Bezerra e outros mamíferos e ovíparos. Já os Magalhães e os Guimarães, embora relativamente comuns, transmitem uma dignidade muito peculiar. Não chegam a ser Johansen, mas certamente passam longe dos Silva, dos Souza e dos Santos. Talvez pelo “ães” no final, não sei. O fato é que a mim, pelo menos, parecem imponentes.

Aí caímos em sobrenomes do tipo Salgado e Penteado. Seriam atributos do patriarca? Um sujeito penteado ainda vá lá. Mas salgado???

Finalizando, temos os deliberadamente bizarros, independente de extrato social. Como o Inocêncio Coitadinho Sossegado de Oliveira, o José Casou de Calças Curtas, o Oceano Atlântico Linhares, o Sete Rolos de Arame Farpado e a folclórica Naida Navinda Navolta Pereira. Esses sim, devem ao nome a glória de jamais serem esquecidos. Ainda que essa notoriedade não reflita, necessariamente, na conta bancária.


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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