Daniel Lopes é paulistano, graduado em Letras Português/Espanhol
pela Unesp, mestrando em Filosofia pela Unifesp. Autor do romance É
preciso ter um caos dentro de si para criar uma estrela que dança e do livro de contos Pianista
Boxeador, neste ano lançará o romance A Fruta.
Ele edita o blog:
pianistaboxeador21.blogspot.com.br, além de ter colaborado em diversos portais
literários.
Ítalo Calvino divide os autores entre escritores do fogo (aqueles que
fazem suas obras a partir das emoções) e escritores do cristal (aqueles que
constroem seus trabalhos norteados pela racionalidade). Em qual desses grupos
você se encontra? Ou ainda, há um grupo do qual você se sente parte?
Acredito que fico entre ambos,
uma espécie de cristal em chamas, embora valorize a emoção mais que a razão.
Acho chatos livros racionais demais, menos os do Borges.
Muitos dos seus personagens integram o grupo dos desajustados que
perambulam pelo mundo, seus narradores os tratam com a ternura que o mundo os
negou. Ao olhar com afeto para eles, você escreve para salva-los ou para salvar
a si mesmo?
Não sei se você se lembra da
imagem no Apanhador no campo de centeio,
quando o Holden diz que gostaria de ficar na beira do abismo aparando as
crianças que cairiam no buraco, e nesta hora surge no corpo do texto o título
do romance, ele, Holden Caufield seria o apanhador no campo de centeio. Acho
que comigo funciona mais ou menos assim. Escrevo porque dói, porque a vida é
inexplicável, porque o sofrimento não tem fim. Se fosse Buda, meditaria até sair
da roda do sofrimento, como não tenho tanta paciência nem perseverança,
escrevo. Escrevo por mim e por todas as crianças que caminham inadvertidamente
para o abismo. Escrevo para ser também o apanhador no campo de centeio.
Há muitas antíteses em seus textos, você aceitaria o rótulo de autor barroco-pós-moderno?
Não sei. Sou de ascendência
mineira e Minas é um estado barroco. Há muito de Minas no que escrevo, das
histórias que meu avô contava ao redor da lamparina quando anoitecia. Lá em São
João da Ponte não tinha energia elétrica até os anos 1990. Tento recontar
histórias como ele, só que passando por outras influências como Bob Dylan,
Vincent Van Gogh, o pessoal do Clube da Esquina, Camille Claudel, Heidegger,
Deleuze, Nietzsche, Schopenhauer. Céline, John Lennon ou Robert Fripp, por
exemplo.
Você possui uma grande produção entre os trabalhos editados, inéditos,
posts em seu blog e contribuições para outros portais literários. A quantidade
pode interferir na qualidade alcançada pelo distanciamento e a reescrita?
Acho que sim, mas não tenho
paciência para ficar reescrevendo demais. Nenhum dia pode ser tão ruim se o
intestino funciona bem logo pela manhã, escrevo como quem caga. Para me livrar
de uma intensidade que exige de mim que eu a passe pelo papel, ou para o papel.
Não é muito higiênico ficar revirando as fezes. Gosto do texto quando ele é
ideia, sensação, corpo, quando se torna palavra eu já o perdi. É uma carta que
eu espero que seja encontrada.
Em seu blog e em portais com os quais você contribuiu você postou
ensaios provocadores e bem originais, mas parece que você não os valoriza com o
intuito de construir uma obra tal qual fez com os contos e romances. Por quê?
É muito difícil publicar um livro
no Brasil, você tem que pagar. Eu gostaria de ter tudo editado, bonitinho, em
livro digital e de papel, mas não tenho grana suficiente, então tenho de
escolher. Primeiramente sou um ficcionista, os ensaios surgem do questionamento
do que sinto quanto ao próprio ato de escrever. Sinto necessidade de escrever,
depois de certo tempo escrevendo, comecei a me questionar por quê? Para quem?
Os ensaios são a tentativa de responder a tais perguntas.
Você escreveu um ensaio chamado “Mas não façamos literatura” e produziu
dois vídeos em parceria com a sua esposa: “Quem precisa de cricríticos?” e
“Quem precisa de escritores?”. Qual é a sua relação com o mercado literário e
como você o percebe?
Não tenho relação alguma. Tudo o
que editei até agora, paguei do meu próprio bolso. Acho que é uma indústria
como outra qualquer, o que importa não é a literatura e sim a grana. No
entanto, estamos no mundo, neste mundo, é preciso sobreviver, eu dou aulas.
Ficaria contente se pudesse viver só da escrita. Não sou o cara mais ético do
mundo, sou meio azarado, mas isto não vem ao caso. Só não suportaria trair a
ferida... O texto... Em troca de dinheiro. Se o dinheiro vier sem mentira, com
a literatura fincada na verdade, bem; se não, não vou morrer de fome. Sigo
tocando a vida.
Mesmo com as publicações no mundo virtual por que ainda é uma meta ter
um livro editado?
É o Édipãozão, para mostrar para
minha mãe que não sou um inútil.
Em seu trabalho há referências a outras linguagens como pintura, música
e cinema. Como você transforma este diálogo entre as diferentes expressões
artísticas em literatura?
Acredito que vem tudo do mesmo
lugar, só muda a linguagem. Um quadro de Van Gogh, de Cézane, uma música do
Beto Guedes, do Baby Huey, um texto do Nietzsche, ou do Dostoievsky, me tocam
profundamente. Para mim, é tudo igual, não quero nem saber da técnica, desde
que o artista entregue a chama. Para isto, é preciso conhecer o deserto.
O que há de importante para os leitores perceberem em sua literatura?
Rapaz, nem eu sei. A verdade,
acho.
2 comentários
Ótimas perguntas e respostas conscientes. Mais uma vez Daniel Lopes nos faz refletir sobre a vida e o fazer literário. Parabéns ao entrevistador e ao entrevistado. Abraços!
Gostei muito!!! Essa dupla é demais!! Parabéns! Abraço,
Nanci
Postar um comentário