Eu, um feto, que
mesmo depois de muito tempo de sobrevivência, não conseguiu se desenvolver,
tudo me é estranho: As paisagens, a fauna, a flora e as pessoas, com as quais
eu deveria formar um nó.
Mas num dia, numa
sala branca, uma máquina me pegou no colo e me pôs para ninar. Os primeiros
sons que eu ouvia pareciam distorções, freqüências sonoras, ora cadenciadas, ora
uma orquestra descompassada, solavancos no espaço. Aos poucos os sons me
abraçaram, comunicando não por junção de fonemas, mas diretamente com o corpo.
As palavras que
eu tinha aprendido até então perderam o sentido que nunca tiveram, já que o
silêncio é a mãe de todas as línguas e a língua transformada em linguagem só
produz barulho sem significação.
As ações
silenciosas que eu carregava dentro da existência, para as quais o sistema
gramatical insistia em dar o nome de verbo, estavam para além das definições
possíveis, ainda não tinham sido interpretadas.
Acabara de descobrir que só numa batalha corpo
a corpo, o som poderá ser expulso, o primeiro ruído que será capaz de
reorganizar o cosmos. Dando-lhe a força necessária para adentrar no Devir.
Não, eu não
cheguei a esta conclusão só, foi Hal 9000, a máquina espírito do tempo que emanou
esta cantiga de si para mim, enquanto eu dormia, ela me dava o afeto frio e
sincero que só os da sua espécie são capazes de oferecer e receber.
4 comentários
Legal Fernando!
parabens!
Excelente texto Fernando. Parabéns!
Atacando na ficção científica. Um baita conto. Tb usei essa imagem do feto que não cresce, que não se liberta do útero no meu A delicadeza dos hipopótamos. Acertou.
"língua transformada em linguagem só produz barulho sem significação", taí, é isso mesmo. Gostei da viagem.
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