terça-feira, 3 de setembro de 2013

3

EM ALGUM CANTO PERDIDO - Lílian Maial

EM ALGUM CANTO PERDIDO
®Lílian Maial






Difícil se preparar para envelhecer. Como alguém pode “envelhecer bem”, se em algum canto perdido do espelho, aquela menina se escondeu? A mocinha vincou o sorriso, a mulher deixou de impressionar com seu (en)canto e cedeu espaço para outros reflexos de novas epidermes.

Não sei de onde surgiu essa velha conhecida, que me sorri amarga, reconhecendo e estudando meus traços. No fundo, nos sabemos bem, nos tememos muito, lutamos para não sermos apresentadas uma à outra.

Ainda outro dia, a menina olhava a tudo e a todos, de baixo para cima, receava crescer, preferia se manter presa à barra da saia da mãe, sob o olhar amigo e assustador do pai. Tinha colo. Tinha futuro.

Dia desses, assim, do nada, ela desapareceu. O pai desapareceu. A mãe ficou menor. E ela ainda olha de baixo para cima, agora para os meninos, que cresceram, e também por conta do sumiço de uns centímetros, que jurava que tinha a mais.

O corpo, montanha tola, vai erodindo, perdendo a mata, aumentando os sulcos, se abrindo em fendas, criando trajetos tortuosos, buracos, manchas, retrações e aridez, agoniza na ilusão de pra sempre. Não quer deixar o vento ventar e lhe levar o sangue.

A mente, como um rio que corre para o sertão, vai estreitando, reduzindo o volume, secando, secando... Se afogando em passado.

Qualquer dia, a nova menina, vibrando no espelho, vai encontrar a que um dia já foi e ambas deverão inventar um artefato de criar sopros de vida, uns barbantes de amarrar a juventude, umas torneiras de hidratar o coração.

Deve ser estranha essa transmutação, essa coisa de procurar as outrora frondosas florestas, os traços, gostos, trejeitos nessas tenras criaturinhas. Atrás do espelho elas vivem. Dentro dos olhos elas brincam. Num lapso de tempo elas se invertem.

Assim, um dia, de repente, talvez eu desperte nela, me transporte inteira, num litígio silencioso de luz e sombra, e venha a arcar com sete anos de perseguição do tal espelho.

Na verdade, um desejo, um medo, uma inveja, uma saudade.


**************

3 comentários

Dayse Sene

maravilhoso! Emociona...
Sem palavras.
Abraços e feliz noite.

PROFESSORA LOURDES DUARTE

Oi Malu, adorei o post. Emocionante, e amais ainda, passou um filme na minha vida, vivenciei todas estas fases e ja estou na velhice. Vou contar um segredo, o meu corpo já sente a idade que tenho, já tenho as minha limitações, olho no espelho e vejo as marcas do tempo, mas a minha mente ainda não aceitou a minha idade. Amo viver e agradeço a Deus cada segundo de vida e peço muitos anos para viver.
Adorei querida. Bjuss Uma sugestão, retira as letras de conferência do plataforma do comentário, dificulta os comentários, eu retirei por pedido das amigas. Bjuss

Fernando Rocha

seu texto é de fato tocante, gosto quando é possível manter um diálogo com escritores vivos.
Há algum tempo escrevi um ensaio que se relaciona com esta obra:
http://melecachiclete.blogspot.com.br/2013/07/ensaio-o-espelho-da-infancia.html
Cuide-se!