Os pés de
Lindalva estavam inchados, assim como suas pernas, doloridas de tanto caminhar
por aquele desfiladeiro cheio de pedras, com ar rarefeito e iluminado por
apenas uma réstia de luz. Sentia todo o corpo moído, a cabeça pesava, mas sabia
que tinha de continuar. Faltava mais um pouco para alcançar o seu destino, e
por mais que o cansaço gritasse em cada molécula de seu corpo, ouvia uma voz
que sussurrava em seu ouvido.
– Aguenta
mais um pouco, só mais um pouco. Você já está chegando lá, Lindalva! Nesses
momentos, ela se enchia de ânimo e continuava. Era como se recebesse uma
injeção de energia na veia que a fizesse esquecer tudo o mais.
Ficou
lembrando do inferno que deixou para trás, daquela vida que pouco a pouco foi
se tornando insuportável, até que decidiu romper com o passado e partir, antes
mesmo do galo cantar. Ainda deu uma última olhadela no sítio, para o galinheiro
e o estábulo. Até as vacas do pasto estavam dormindo. A única que a viu foi a
gata Morena, que a olhou profundamente, como se entendesse o que estava
acontecendo, e passou pelos seus pés, à espera de um agrado.
Saiu pela
porta dos fundos, sem testemunhas, nem remorsos. Pelo contrário! Fazia quase um
ano que passou a morar com a tia Filomena, depois da morte dos pais, ainda
abalada com a perda repentina deles. Ninguém esperava aquela tragédia com o
caminhão, justamente no dia do aniversário de casamento dos pais. E pensar que
ela, Lindalva, que há dois meses tinha completado 18 anos, achou que ao aceitar
o convite da tia, para a ajudar no sítio, teria a chance de uma vida nova, continuar
estudando para prestar vestibular para gastronomia, sonho acalentado desde
pequena.
Já na
primeira semana, a jovem começou a conhecer a índole falsa e traiçoeira da tia.
Descobriu que a voz mansa, a religiosidade, as demonstrações de afeto e a preocupação
com as pessoas não passavam de uma fachada que ela se esmerava em manter. Mas o
dia a dia foi mostrando o quanto ela era soberba, egoísta, fria e calculista.
Gradativamente,
Filomena começou a exigir mais e mais da sobrinha. Tinha prometido uma ajuda de
custo, que Lindalva concordou. Afinal, ela estava vivendo ali, não pagaria o aluguel
até que o inventário dos pais saísse. Porém, passou a trabalhar de 10 a 12
horas por dia. Uma das primeiras coisas que a “tão querida tia Filomena” fez
foi dispensar a empregada da casa. Para que manter a funcionária, se a sobrinha
estava ali?...
Quando
reclamava de cansaço e de que precisava de mais recursos e tempo para estudar,
a tia sempre repetia a mesma ladainha: “O nosso combinado não foi esse,
Lindalva! Você deveria dar graças a Deus que te recebi na minha casa!”. Mas as
roupas novas e os gastos supérfluos de Filomena desmentiam a falta de recursos...
Lindalva
soltou um profundo suspiro. Eram quase 7h, o sol já despontava e ela finalmente
avista a cidade à sua frente. Um largo sorriso toma conta de seu rosto. A vaga
no restaurante da pousada veio na hora certa. Ia poder trabalhar e investir na
carreira profissional. Sentiu uma brisa soprar no rosto e por uns instantes
fechou os olhos. Depois ajeitou os cabelos, a mochila e se preparou para
iniciar uma vida nova.
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