Ao levantar, noite terrível. Insônia. Pesadelo.
Suador também. Riu de si mesmo. Da ironia e da desgraça também. Dizem que
rir de si mesmo é como terapia, nos faz entender bem melhor o que somos... ou o
que não somos (leia-se aqui um certo fatalismo e sarcasmo).
Não. Não se preocupem, esse texto não vai ser
recheado de disritmias cardíacas nem lágrimas dramáticas. Vivemos em um
mundo onde se engole tudo, e ele. O mundo. Nos engole. Então não haverá drama.
Haverá um certo humor trágico. Acho que fica bem um certo humor trágico. É...
Pois bem. O nome dele é Eu poético. Entenderam a
jogada? Não? Essa eu não vou explicar...
Levantou então e no banho, enquanto se preparava
para a gravata o carro e a vida de sempre. Estancou. Merda. Merda!!
Estava encrencado. Entrara na sua vida algo
indesejado. Sem querer, sem perceber... ou já tinha percebido? Claro que já...
mas o imediatismo da coisa é mais interessante, mais impactante...
Ele. O cara mais chato do mundo. Ele, justamente
ele, um homem de meia idade se viu vítima daquilo. Mas... o que é uma meia
idade? Qual é a idade toda? Voltando para o drama então. Como ele, um
homem já endurecido pelo tempo e pelas mazelas da vida conseguira permitir
tamanha bobagem?
O amor. Mas que merda!!! Pensava. Era uma merda. E
que não viessem com frases de efeito romântico e cheias de frescura. O amor era
uma merda! Era sim.
Chegava sem ser convidado, indivíduo folgado como o
capitão Rodrigo, mas o Rodrigo interpretado pelo Tarcísio, o Lacerda era
sofrível... (perceberam a tática de dispersão?) também não vou explicar...
Pois é. Chegava essa coisa. Cruel. Trazendo junto,
grudado na pele coisinhas baixas e medíocres como o ciúmes, e coisas muito
grandes como a dor. Dor singular. Não qualquer dor, mas aquela que vocês bem
sabem, ou em breve saberão. E tenho pena de vocês.
E por que digo que o amor é uma merda? Porque ele
menospreza nosso cérebro. Gastamos tempo e dinheiro "treinando" o
desgraçado do cérebro para esse enfrentamento. Anos e anos. Ele mais do que todos.
O Eu Poético era um alucinado por esse tipo de treinamento. Livros e mais
livros. Horas e horas lendo e relendo. Se preparando para o grande confronto.
Seguro. Firme. Pronto. E quando vê. Não vê mais nada. Só o outro lado e aquela
dor maldita no peito. Pra puta que o pariu com essas coisinhas de amor.
Já não tinha idade. Queria que o coração entendesse. O Cérebro insistia. O
corpo todo preparava seminários para que o maldito órgão entendesse. Mas nada.
O coração é a parte mais burra do corpo humano. Criatura imbecil. Insistente,
eternamente juvenil. Infantil. O corpo definha se enruga, e ele ali, débil
mental, pulsando e pulsando como um cachorrinho que balança o rabo para o dono.
Patético, deprimente.
O álcool era bom para o amor. Afogava. Todo ele.
Mas não matava. Só anestesiava o animal.
E fazer o quê?
Óbvio. Era óbvio. Essa coisa de amor só exige uma
coisa do corpo e da alma. O sofrimento. A dor. Não há amor sem dor. Muita
dor sempre...
E é por isso que ele é uma merda. Claro que é.
No espelho seu olhos de ver muitos mundos o
observavam. E tripudiavam dele. A carne que envolve o amor sempre é mais nova,
mais bela, mais viçosa... e outras carnes e corpos estão dispostos a esses
encontros. O amor é infantil, e os discursos prováveis desse amor são também
juvenis, e ele. O Eu poético. Tinha o coração patético. O discurso afiado e
cruel, já não estava mais lá. Onde se brincava de amar. Era um monstro. Situado
entre ideais e conceitos, teses e análises... estava longe, já não estava mais
lá. Por que aquela merda de sentimento insistia em açoitar sua costas?
Açoitar costas já é meio dramático demais...tinha
prometido não cair em lugares comuns. Mas quando se fala em amor, o tombo nos
mesmos buracos é quase certo.
Pois bem. Enquanto amarrava a gravata. Nó
desesperado de enforcamento. Pensava. Não podia estar acontecendo. Não era
verdade. Puta que pariu. Não era verdade!
Bateu a porta de casa e entrou no carro. A estrada.
Um aperto no peito. Não podia ser dramático. Não queria ser dramático. Não
seria.
Mas no fundo... bem lá no fundo. Longe dos diplomas
e livros... existia um homem. Pequeno e frágil. Louco pra chorar.
E isso era uma merda!!!!
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