Tudo
o que amamos são pedaços
Vivos
do nosso próprio ser.
Manuel Bandeira
Há
dias em que a vida que pulsa dentro da gente, parece ser maior do que a
dimensão do corpo. Ao abrir a janela, o cinza está espalhado pela paisagem, a
chuva que deixa a cor do asfalto mais viva, é a mesma amplia a vontade de ficar
dentro de casa, trancado dentro do corpo e refém da própria cabeça.
Visito
a rua onde cresci com os passos imprecisos da mente. Sete é o número pelo qual
a identificavam antigamente, sete dias de Deus para fazer o mundo, para que
cada semana acabe com a falsa sensação de que o depois será só um sábado
eterno.
Eu
sei qual é a cara de um assassino, como ele se forma e deforma a rota de outras
vidas. O rapaz bonito por quem as meninas enlouqueciam, morava quase em frente
a minha casa, ele matou o tio da mulher com quem me casei, um daqueles segredos
que muita gente conhece, mas insiste em chamar de segredo.
O
tempo é uma vassoura de quem não se conhece o próximo movimento, eu o vi parado
me olhando nos cabelos brancos e silêncio do meu pai.
Muita
gente não está mais lá na rua em que cresci, uma vez meu pai me disse que tem
que sair gente do mundo, para que outros entrem. Mas o cemitério da memória, às
vezes é o meio do caminho-labirinto entre lá e aqui, deixando a gente ilhado no
sem tempo.
Agora
enquanto tento terminar este texto que não é literatura, o amarelo da parede,
do outro lado da rua, me faz pensar nos girrassóis de Vincent, o corpo não
suporta o peso da beleza. É um pouco mais da metade do mês de maio, as flores
que recebem o nome deste mês não merecem a tristeza, quando florescem e tentam
salvar o mundo do embrutecimento.
1 Comentário
Texto de uma melancolia lírica, uma tristeza esboçando um fio de esperança nesta tarde fria e chuvosa de maio de um ano quase morto...
Ligia regina
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