terça-feira, 29 de novembro de 2022

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Então vou comprar uma bengala.


Sempre dizia que não tinha graça pegar o fretado. Não acontece nada, o máximo que pode acontecer é o ônibus furar o pneu, mais nada. Já o metrô acontece coisas mais interessantes, todo o dia surge um fato novo para quebrar a harmonia, todo o dia é gente nova que se descobre, cada macaco no seu galho, como diz uma música, além do que é mais rápido que o ônibus. E as conversas que o ouvido capta? Cada disparate, as brincadeiras dos jovens, as pessoas apressadas, o corre-corre, os mochileiros com suas mochilas as costas atrapalhando, as cotoveladas, os olhares feios, as paqueras, as pisadas no pé a ponto do sapato ser arrancado, as brigas... E altas horas da noite! As noites de sábado para domingo ou, mesmo de sexta para sábado, onde os atrasados se desesperam para não perder o último metrô. Enfim, ele pegava, melhor dizendo, pegou o metrô por mais de dez anos, de casa para a Paulista, da Paulista para casa.

Mas como dizia aquele filosofo inconsequente: o tempo não para. E sem perceber, os anos foram avançando e, quando deu por si, estava na era do Condor. Com dor aqui, com dor ali, e outras dores. A pior era a dor nas costas. Não podia ficar muito tempo em pé, a dor começava na cintura e descia pela perna esquerda. E como sempre era difícil conseguir um banco para sentar, isto porque, pegava o metrô na estação Tatuapé. Depois de muita insistência dos amigos e familiares, resolveu passar para o fretado.
 Assim sendo, apesar de uma hora prisioneiro, (é uma prisão assim como é uma prisão ficar oito horas fechado num prédio fazendo o que não se quer), viu as vantagens. Não precisava esperar um ônibus mais vazio, pois de casa até o metrô ele pegava um ônibus. Estava fora do empurra-empurra. Chegava uma hora mais cedo. Durante o trajeto podia dormir, cochilar, até roncar, ler, escrever, olhar pateticamente pela janela, com o celular tirar fotos inusitadas da cidade para colocar no blog.

Agora, depois de mais ou menos, três ou dois anos, os donos da razão, empoleirados em seus poleiros políticos, estão querendo restringir ou acabar com o fretado. Como dizia um motorista: o que atrapalha o trânsito é os maus motoristas, os que compram a habilitação. Como pode uma coisa dessas? Não é restringindo ou acabando com o fretado que o trânsito da cidade deixará de ser caótico!! O que é preciso é uma conscientização política, social eliminando os fraudulentos e os ladrões, criando obras e situações que beneficiem o povo. Por outro lado, o povo também tem que ter uma conscientização de vivência do que deve ser feito ou do que não deve ser feito, ser mais atuante política e socialmente. Saber em que votar, e não votar por votar.  

E, mais uma vez, descendo do fretado em frente ao Conjunto Nacional, ao passar em frente a uma loja, disse a meia voz: então vou comprar uma bengala. E entrou na loja.

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