quarta-feira, 24 de novembro de 2010

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CORAÇÃO, UM CONTADOR DE HISTÓRIAS



Todos os dias, da janela da sua casa, um poeta olhava uma mulher que vivia de recolher restos de frutas descartadas por uma loja de alimentos. Com grande paciência escolhia as que se apresentavam em melhor estado e, guardando-as num saco de pano, recomeçava a rotina do seu caminhar, indiferente ao frio, a sua má sorte, ao seu aparente infortúnio, a sua pobreza, a sua fome.

Nada pedia a ninguém. O seu ritual era cronométrico como o despertar dos dias. Certa manhã, não resistindo ao ímpeto da curiosidade que lhe incendiava a mente, o poeta desceu, aproximou-se dela e perguntou-lhe: - A senhora é feliz? Sim, respondeu ela. Mas como a senhora pode ser feliz, insistiu, se vive de recolher restos de frutas? Ela, calmamente, levantou os olhos e disse: - Eu sou feliz porque amo meu marido e ele me ama. O poeta complementou, no seu silêncio, na sua surpresa: isso é amor e por esse amor se vive e morre.

Aquela aparente pobre mulher era um comovedor exemplo, de como transformar a miséria em poesia, a lágrima na alvura do riso, uma tempestade de dor num céu de romantismo, usando aquilo que é mais terno, encantado, impagável: o espetáculo do amor que nada cobra, nada exige que não seja a reciprocidade dos desejos da carne, dos fascinios da paixão

Seu testemunho era a verdade que todos já sabemos - que é fácil enganar o estômago, o difícil é enganar o coração. Nada se compara com a força do amor feminino. Em nome do amor a mulher faz bater o mais audaz de todos os corações audazes, desafiando o impossível, o imenso silêncio das noites, o desamparo das madrugadas, os mais fortes ventos soprados do lado mais escuro da vida.

Fixo o pensamento nas prateleiras da vida e da alma, e vejo nelas o reluzir do ouro do romantismo feminino. O cuidado com o guardar das intimidades do seu parceiro. O respeito pelos seus limites. Há muito que as mulheres deixaram de ser amantes somente nas suas camas ardentes, nos seus meios de tardes livres e nos seus começos de noite que não precisam mais ser escondidos.

Descobriram, muito antes que os homens, a riqueza da cumplicidade, a receita do amor e da amizade, da união da lágrima com o riso que não cessa.

Nós, homens, ao contrário, na nossa fragilidade emocional, tentando resguardar o amor que sentimos, precisamos arredar todas as telhas que guardam a vida de uma mulher. Rasgando sentimentos, abrimos todas as cortinas, insistindo, infantilmente, em devassar as vinte e quatro horas da vida da nossa alma parceira.

Desgovernados na nossa paixão queremos conhecer todos os seus segredos e nos aventuramos a descer aos subterrâneos da alma feminina, acabando por culpa do nosso desorientado amor, sufocar uma grande paixão, uma revoada de encantamentos, o andar sobre as estrelas.

A mulher é leveza, docilidade, ternura, uma eterna cultivadora do romantismo, da suavidade. O homem que tentar bisbilhotar suas intimidades pode quebrar o encanto do desconhecido, apagar sonhos que precisam ser acordados lentamente e tentando investigar os segredos de almas que não permitem erros, descuidos, acaba antecipando o infortúnio do desamor, a dor da solidão, tornando-se o principal causador das histórias velhas, sempre novas, contadas pela sensibilidade que mora nos apaixonados coraçãos femininos.

1 Comentário

Tânia Du Bois

Caro Noélio,que belo texto. O amor é mágico, mesmo que questionável, porque vale a pena viver um grande amor, simplesmnete.
Abraços,
Tânia